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SEXO E OBSESSÃO
Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda
Divaldo Pereira Franco
O leitor certamente ficará impressionado com seu conteúdo revelador, que nos apresenta a triste realidade causada pelos desatinos humanos no que se refere ao sagrado instituto do sexo.
Também ficará encantado com os imbatíveis recursos do verdadeiro amor para o resgate e iluminação de Espíritos temporariamente voltados para o mal.
O Autor espiritual analisa temas atuais como o desequilíbrio moral e sexual da pedofilia, a sensualidade perversa e a luxúria, a parasitose obsessiva, a influência negativa dos programas de televisão no comportamento de crianças e adolescentes e a pornografia, o poder da oração e do trabalho na transformação moral do ser humano, entre outros assuntos de interesse.
O marquês de Sade, Rosa Keller, padre Mauro, Madame X, irmão Anacleto, madre Clara de Jesus, Bezerra de Menezes e o médium Ricardo são alguns dos inesquecíveis personagens desta obra.
Divaldo Pereira Franco nasceu no dia 5 de maio de 1927, em Feira de Santana,
Bahia. É reconhecido como um dos maiores médiuns e oradores espíritas da
atualidade. Sua produção psicográfica é superior a 50 obras (com tiragem de
mais de 5 milhões de exemplares), das quais 70 já foram traduzidas para 15
idiomas. Ao longo de sua incansável trajetória como divulgador da Doutrina
Espírita realizou mais de mil conferências em cidades brasileiras e estrangeiras,
visitando cerca de 60 países em quatro continentes. Por sua destacada ação
como médium conferencista e orador, tem l recebido homenagens e títulos de
várias instituições nacionais e internacionais.
Em 1952, juntamente com seu fiel amigo Nilson de Souza Pereira, fundou, no
bairro de Pau da Lima, a Mansão do Caminho, através da qual tem prestado
inestimável serviço de assistência social a milhares de pessoas carentes da
cidade de Salvador.
Todos os direitos de reprodução, cópia, comunicação ao público e exploração
econômica desta obra estão reservados única e exclusivamente para o Centro
Espírita Caminho da Redenção (CECR). Proibida a reprodução parcial ou total da
mesma, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, digital, fotocópia,
microfilme, internet, cd-rom, sem a prévia e expressa autorização da Editora, nos
termos da lei 9.610/98 que regulamenta os direitos de autor e conexos.
SEXO E OBSESSÃO
Divaldo Pereira Franco
SEXO e OBSESSÃO
Manoel Philomeno de Miranda Espírito
3ª ed.
Do 269º ao 359º milheiro
© Copyright 2002 by Centro Espírita Caminho da Redenção
Rua Jayme Vieira Lima, 104 - Pau da Lima 41235-000 Salvador-Bahia-Brasil
Revisão: Geraldo Campetti Sobrinho e Dr. Paulo Ricardo A.
Pedrosa
Editoração eletrônica: Nilsa Maria Pinto de Vasconcellos
Capa: Thamara Fraga
Impresso no Brasil Presita en Brazilo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do
Livro, SP, Brasil)
Miranda, Manoel Philomeno de (Espírito),
Sexo e Obsessão / Manoel Philomeno de Miranda; psicografado por Divaldo
Pereira Franco. - Salvador, BA: Livr. Espírita Alvorada, 2002.
1. Espiritismo 2. Obsessão sexual 3. Psicografia 4. Sexo i. Franco, Divaldo
Pereira. II. Título
02-3655 CDD-133.93
Índices para catálogo sistemático:
1. Obsessão e sexo : Psicografia: Espiritismo 133.93
2. Sexo e obsessão : Psicografia: Espiritismo 133.93
LIVRARIA ESPÍRITA ALVORADA EDITORA
CNPJ 15.176.233/0001-17 - I.E. 01.917.200
Rua Jayme Vieira Lima n.s 104 - Pau da Lima- 41235-000 Salvador-Bahia-Brasil
Telefax: (0xx71) 393-2855
• e-mail: lealmansaodocaminho.com.br
2003
Todo o produto desta edição é destinado à manutenção da Mansão do Caminho,
Obra Social do Centro Espírita Caminho da Redenção (Salvador-Bahia-Brasil.)
SUMÁRIO
Sexo e Obsessão
1. Compromissos Iluminativos
2. O Poder da Oração
3. A Comunidade da Perversão Moral
4. O Drama da Obsessão na Infância
5. Conflito Obsessivo
6. Socorros Espirituais
7. Programações Abençoadas
8. Atendimento Fraterno
9. Lutas e Provações Acerbas
10. Recomeço Difícil e Purificador
11. Retorno à Cidade Pervertida
12. Estranho Encontro
13. Decisões Felizes
14. Visita Oportuna
15. Sexo e Obsessão
16. O Reencontro
17. Libertação e Felicidade
18. Os Labores Prosseguem
19. Liberdade e Vida
20. A Ruidosa Debandada
21. Recomeço Feliz
22. Considerações Edificantes
23. Convites à Reflexão e ao Testemunho
24. Despedidas
Posfácio da Editora - A Cidade Estranha
SEXO E OBSESSÃO
200. Têm sexo os Espíritos?
"Não como o entendeis, pois que os sexos dependem da organização. Há entre
eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos."
201. Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo de um homem
animar o de uma mulher e vice-versa?
"Decerto; são os mesmos os Espíritos que animaram os homens e as mulheres."
202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou
no de uma mulher?
"Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de
passar."
Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo.
Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social,
lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem
experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os
homens.*
*O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. 29a ed. da FEB. Parte 2" Cap. IV. (Nota
do Autor espiritual.)
O sexo é departamento orgânico programado pela vida para a reprodução da
espécie.
Assexuado, o Espírito renasce numa como noutra polaridade, afim de adquirir
experiências e compreensão de deveres, que são pertinentes a ambos os sexos.
A intrepidez masculina e a docilidade feminina são capítulos que dão ao Espírito
equilíbrio e harmonia. Dessa forma, em uma reencarnação pode o Espírito tomar
um corpo masculino e noutra um feminino, ou realizar um vasto programa de
renascimento em um sexo para depois começar os processos experimentais em
outro, sem qualquer prejuízo emocional para a sua estrutura íntima.
Fadado ao progresso, que é ilimitado, o Espírito deve vivenciar cada reencarnação
enobrecendo as funções de que se constitui o seu corpo, de modo a desenvolver
os valores que lhe dormem em latência.
Graças à conduta moral em cada polaridade, mais fácil se lhe torna, quando
edificante, escolher o próximo cometimento. No entanto, quando se permite
corromper ou desviar-se do rumo das suas funções, gera perturbações
emocionais e psíquicas que lhe impõem duros processos de recuperação, de que
não se pode furtar com facilidade.
A correta aplicação das forças genésicas propicia ao Espírito alegria de viver e
entusiasmo no desempenho das tarefas que lhe dizem respeito, constituindo-se
emulação para o progresso e a felicidade.
Nada obstante, o sexo é um dos capítulos mais complexos de algumas ciências
psíquicas, tais a Psicologia, a Psicanálise, a Psiquiatria, em razão das disfunções
e dos desconsertos que ocorrem em muitas vidas como resultado das
experiências atormentadas próximas ou remotas, que lhes geraram desequilíbrios
e inarmonias, hoje refletidos em seu comportamento. Valiosos capítulos da
Medicina são dedicados às psicopatologias sexuais, que se apresentam como
aberrações morfológicas e psicológicas, levando o indivíduo a estados graves de
conduta e de vida.
Eminentes estudiosos da sexologia vêm procurando desmistificar as funções
sexuais, que a ignorância medieval vestiu de fantasias e de pecados, gerando
perturbações emocionais muito graves nas criaturas humanas. Como decorrência
da nobre proposta, a liberação sexual, exagerando as suas licenças morais, vem
trazendo transtornos graves e desarmonias profundas em muitos indivíduos que
vivem conflitivamente em razão das dificuldades para se adaptarem às exigências
comportamentais do momento.
É natural que, num momento de transição de valores, campeiem o absurdo e o
fantasioso, tentando adquirir cidadania moral, ao tempo em que empurram os
cidadãos na direção do fosso da promiscuidade e do desespero, da fuga pelo
tabaco, pelo álcool, pelas drogas aditivas, pela alucinação, pelo suicídio...
Torna-se indispensável quão imediata uma nova ética moral, a fim de que os
valores nobres granjeados pela sociedade no curso dos milênios, não se percam
no chafurdar das paixões e no desprestígio das instituições, como o matrimônio, a
família, a castidade, a saúde comportamental, o grupo social...
O matrimônio e a monogamia são conquistas valiosas logradas pelo ser humano
após torpes experiências de convivência doentia através dos tempos. Tentar
reduzi-los a lembranças do passado, é uma aventura macabra
cujas conseqüências são imprevisíveis para a própria sociedade.
Vive-se, na Terra, a hora do sexo. O sexo vive na cabeça das pessoas, parecendo
haver saído da organização genésica onde se sedia. Naturalmente, o pensamento
é força atuante e desencadeadora da função sexual. Reduzir o indivíduo apenas
às imposições reais ou estimuladas do sexo em desalinho, conforme vem
acontecendo, é transformá-lo em escravo de uma função pervertida pela mente e
atormentada pelas fantasias mórbidas.
O ser humano são os seus valores éticos, suas aspirações, seus sonhos, suas
lutas, suas grandezas e também aprendizagens dolorosas. Graças a todos esses
fenômenos do cotidiano, ele cresce e se aprimora, saindo dos limites em que se
encarcera para os incomparáveis vôos da amplidão. Sitiá-lo no gozo sexual e
asfixiá-lo nos vapores da libido perturbada, constitui agressão injustificável às suas
conquistas emocionais, psíquicas e intelectuais, que lhe dão sabedoria para
discernir e para realizar.
Progredindo sempre, o Espírito jamais retrograda no seu processo reencarnatório.
Nada obstante, em razão de conduta irregular pode estacionar, aguardando
reparação dos erros graves cometidos, quando já não mais se deveria permiti-los.
Nesse desenvolvimento intelecto-moral, vincula-se àqueles a quem ama ou de
quem se distanciou pelo crime e pela iniquidade, experimentando o apoio dos
afetos e a perseguição dos inimigos, que não o perdoam pelas ofensas de que
foram vítimas.
É nesse campo de lutas que surgem as lamentáveis e dolorosas obsessões de
graves conseqüências.
O sexo, mal conduzido, em razão do envolvimento emocional e das dilacerações
espirituais que produz em outrem, como naquele que o utiliza mal, abre campo
para terríveis conúbios obsessivos, ao mesmo tempo que, praticado de forma vil
atrai Espíritos igualmente atormentados e doentes que se vinculam ao indivíduo,
levando-o a processos de parasitose terrível e de difícil libertação.
Desvios sexuais, aberrações nas práticas do sexo, condutas extravagantes e
desarticuladoras das funções estabelecidas pelas Leis da Vida, geram
perturbações de longo curso, que não se recompõem com facilidade, senão ao
largo de dolorosas reencarnações expungitivas e purificadoras.
Tormentos da libido e da função sexual têm suas matrizes nos comportamentos
anteriores que o Espírito se permitiu, quando, em outras reencarnações, abusou
da faculdade procriativa, aplicando-a para o prazer exorbitante, ou explorou
pessoas que se lhe tornaram vítimas, estimulou abortamentos e se permitiu
experiências perversas e anormais, ou derrapou nos excessos com exploração de
outras vidas... Todas essas condutas arbitrárias fixaram-se nos tecidos sutis do
perispírito, impondo necessidades falsas, que agora os pacientes procuram
atender, ampliando o complexo campo de problemas íntimos.
O respeito e a consideração pelas funções sexuais constituem a melhor terapia
preventiva para a manutenção da saúde moral, assim como o esforço para a
recomposição do caráter, quando alguém já se permitiu corromper, ao lado da
terapêutica especializada, fazem-se imprescindíveis para a conquista da
harmonia.
Ninguém se engane quanto aos compromissos do sexo perante a vida e cuide de
não enganar a outrem.
Cada um responde sempre pelo que inspira e pelo que faz.
O sexo não foi elaborado para o prazer vulgar, senão para as emoções superiores
na construção das vidas, ou para as sensações compensativas quando amparado
pelas dúlcidas vibrações do amor, mantendo a afetividade e a alegria de viver.
Neste livro, tentamos fazer um estudo cuidadoso sobre sexo e obsessão, baseado
em fatos reais, que vimos acompanhando desde há vários anos.
Procuramos suavizar o relato, evitando chocar alguns leitores menos avisados ou
desconhecedores da Doutrina Espírita, porém evitamos disfarçar a realidade dos
acontecimentos, tirando-lhes a legitimidade, de forma que a nossa mensagem
possa alcançar as mentes e os corações desenovelando-os de diversos conflitos e
despertando-os para algumas ocorrências de parasitose obsessiva em que talvez
se encontrem envolvidos.
O padre Mauro ainda se encontra na Terra, havendo recebido os Espíritos que se
reencarnaram para resgates imperiosos e inadiáveis conforme comprometera-se
em nossa esfera de ação espiritual.
O seu lar de crianças deficientes hoje hospeda inúmeras antigas vítimas suas, que
lhe recebem carinho e afeto, recuperando-se das alucinações que se permitiram,
ele mesmo estando em processo de refazimento espiritual, avançando, porém,
para os anos da velhice com paz no coração e com a consciência tranqüilizada em
razão do bem que vem executando.
A cidade perversa vem lentamente sendo esvaziada pelo amor de Deus, já que os
seus habitantes, em número bastante expressivo, encontram-se reencarnados,
desde há algumas dezenas de anos, dando curso às aberrações e hediondezes
que se
permitiam, quando lá estavam...
A denominada mudança de comportamento dos anos sessenta, com a liberação
sexual, tem muito a ver com a inspiração e chegada desses Espíritos que estão
retornando à Terra, afim de desfrutarem da oportunidade de renovação antes da
grande depuração que experimentará o planeta, transferindo-se de mundo de
provas e de expiações para mundo de regeneração. A chance de que desfrutam
é-lhes valiosa, porquanto não sendo aproveitada conforme deverá, cassar-lhes-á
outros ensejos, que somente serão recuperados em outras penosas situações em
Orbes inferiores...
Este é, pois, o grande momento para todos nós, que aspiramos por uma vida
melhor e mais ditosa.
Reflexionar e agir de maneira correta em relação às funções sexuais é dever de
todo ser que pensa e que compreende a finalidade da existência humana.
Nesta hora de conturbação moral e de violência, de agressividade, de aberrações
sexuais, de descontrole geral e de sofrimentos de todo porte, cumpre-nos, a todos,
somar esforços em favor dos princípios da dignidade humana e da honradez, do
equilíbrio no comportamento e da educação das gerações novas, único meio de
oferecer ao futuro uma sociedade menos conturbada e deslindada dos terríveis
cipoais da obsessão. À educação moral cabe a tarefa de construir um novo
homem e uma nova mulher, que formarão uma nova e saudável sociedade para o
porvir.
Como doutrina de educação o Espiritismo oferece os melhores recursos e
métodos para esse cometimento, colocando à disposição de todo e qualquer
investigador o seu patrimônio de informações e o seu excelente laboratório
mediúnico, para que ali encontrem o conforto e a coragem necessários para o
enfrentamento que se apresenta em todos os instantes, no qual, por enquanto,
têm predominado o vulgar e o perverso, embora os nobilíssimos exemplos de
dignificação e nobreza de incontáveis cidadãos dedicados ao bem e ao dever.
Reconheço que alguns companheiros de lide espírita e outros vinculados a
diferentes crenças religiosas e diversas filosofias de comportamento dirão que o
nosso é um livro de fantasias e destituído de qualquer sentido literário ou cultural.
Não entraremos no mérito da opinião, que todos têm o direito de sentir e mesmo
de expressar.
Cada qual fala daquilo de que está cheio o seu coração e iluminado o seu
sentimento.
Havendo fruído a oportunidade das experiências que aqui relatamos em síntese,
sentimo-nos felicitados pelo imenso prazer de haver concluído este trabalho, e
poder ofertá-lo aos que são simples e puros de coração, que anelam e trabalham
por um mundo melhor e por uma sociedade muito feliz, vivendo, desde hoje, os
dias venturosos do futuro, porque entregues aos ideais de plenificação sob a égide
de Jesus Cristo, o Modelo e Guia da Humanidade.
Salvador, 24 de junho de 2002. Manoel Philomeno de Miranda
1
COMPROMISSOS ILUMINATIVOS
A noite esplendia de belezas em razão do azul safira do zimbório adornado de
estrelas parecidas a crisântemos luminosos.
Uma brisa, levemente perfumada, perpassava, espraiando-se em todas as
direções.
O silêncio era entrecortado apenas pelas vozes onomatopaicas da Natureza
convidando à oração, à reflexão.
Muito distante o globo terrestre, levemente banhado de luar, destacava-se na
paisagem cósmica.
Carinhosas recordações assomaram-me à mente, evocando cenas que ficaram no
passado e que foram vivenciadas no planeta querido, inesquecível berço e lar de
bilhões de Espíritos que o habitam.
Não me podendo evadir às emoções resultantes das evocações queridas, fui
invadido por doce nostalgia em relação às experiências espirituais da mais recente
reencarnação, quando fora beneficiado pelo sol abençoado do Espiritismo.
Aprendera com as formosas lições com que Allan Kardec abrira a Era do Espírito
insertas na Codificação, a respeito do Universo, da Imortalidade, da
Comunicabilidade dos Espíritos, da Pluralidade dos mundos habitados, que a
marcha do progresso é infinita e agora podia reflexionar sobre o acerto dessas
incomparáveis informações de sabor eterno, vivenciando-as com dúlcidas
gratidões.
Enquanto no corpo deixara-me conduzir pela certeza das elucidações dos
Imortais, procurando pautar a conduta nas rigorosas diretrizes do dever,
descobrindo, a partir de então, a alegria existencial e a felicidade relativa que
todos podemos fruir quando nos comprometemos com os ideais de libertação da
ignorância e de construção do bem no mundo íntimo e à nossa volta.
Agora, mais uma vez, podia constatar de viso, na realidade espiritual, o alto
significado da fé racional proposta pelo Espiritismo, e a legitimidade dos seus
postulados iluminativos, contemplando o Cosmo e experimentando o contato mais
direto com a Vida.
Ante os meus olhos úmidos de lágrimas, que não se encorajavam a descer, sentia
o hálito do Criador, e Sua grandiosa Obra me fascinava, alargando-me os
horizontes das conjecturas.
Pensava a respeito de quanto a soberba humana é desmedida, raiando pela
infantilidade, ao atribuir toda a grandeza cósmica ao fruto espúrio do acaso, capaz
de reunir todas as moléculas esparsas no universo, repentinamente expressandose
na glória galáctica. Ademais, considerava que, se todas essas micropartículas
sempre existiram no caos, certamente haviam tido uma origem, a que o absurdo
da vã cultura sem Deus oferecia existência própria e ilógica.
Há dias encontrava-me na Colônia Espiritual Redenção, de onde partem com
muita freqüência Espíritos comprometidos com o progresso da Humanidade em
reencarnações desafiadoras.*
* Vide nosso livro mediúnico Painéis da obsessão, publicado pela Livraria Espírita Alvorada Editora. 2ª ed. Cap. 25. (Nota
do Autor espiritual.)
A Comunidade é constituída por uma sociedade de mais de um milhão de
habitantes desencarnados, e nela se desenvolvem cuidadosos programas para a
iluminação de consciências, não faltando os departamentos de assistência e
socorro àqueles que retornam extenuados e desnorteados pelas vicissitudes e
pelos insucessos que se permitiram.
Daqui viajam com expectativas ricas de esperanças e projetos de edificações
libertadoras milhares de Espíritos que aspiram à felicidade. No entanto, após o
mergulho na névoa carnal, os antigos vícios e as más inclinações em
predominância ainda, os arrastamentos para o mal, os choques com os
adversários do pretérito, não poucas vezes alterando-lhes os programas e
delineamentos, obrigam-nos a ceder aos impulsos inferiores, e como efeito logo
tombam nas malhas dos próprios enredamentos perniciosos.
Outrossim, Organizações de benemerência e de caridade multiplicam-se pela
cidade movimentada, com objetivo de ministrar cursos e lições aos futuros
viajantes corporais, na convivência com os retornados em estado de sofrimento,
que se lhes tornam verdadeiros exemplos de como não devem proceder.
Educandários avançados para pesquisas, que mais tarde se apresentarão no
Globo terrestre, recebem estudiosos ávidos de conhecimentos, não apenas
residentes, mas que também vêm realizar estágios de aprendizado e treinamento
procedentes de outras Regiões.
Situada sobre um grande centro urbano, na Terra, onde se movimenta agitada
população, Entidades nobres a fundaram poucos anos antes da independência do
Brasil, objetivando, de início, acolher os lutadores idealistas pela libertação da
Pátria, os abolicionistas, os republicanos, inspirando-os na conquista das metas
que abraçavam, sem que extrapolassem nos métodos de que se deveriam utilizar.
Em conseqüência, graças à abnegação dos seus fundadores, entre os quais
destacou-se a futura abadessa Joana Angélica de Jesus, que também seria mártir
das lutas fratricidas, durante a independência do Brasil, na Bahia, desenvolvera-se
com o apoio de iluminados heróis da fé e da caridade, que rumaram para a Terra
oportunamente, contribuindo para torná-la menos inditosa, mais humanizada e
melhor espiritualizada.
Entre os seus programas de libertação de consciências e de auto-iluminação, teve
primazia o labor de unificar os religiosos de diversas tendências e escolas de fé
que mourejavam no plano físico, de forma que os escravos, que traziam os seus
cultos animistas e as suas raízes africanistas, pudessem contribuir em benefício
das propostas cristãs e doutrinárias outras que vieram da Europa civilizada.
Certamente, disputas religiosas haviam estalado, muitas vezes, gerando conflitos
lamentáveis e até sangrentos, decorrência natural da intolerância dos indivíduos,
desde quando todas as religiões preconizam o amor e a fraternidade, o
entendimento entre as criaturas e o avanço na direção de Deus.
Infelizmente ainda proliferam preconceitos, intransigência religiosa e o fanatismo
entre as criaturas, que preferem a distância do seu próximo à amizade geradora
de simpatia e de cordialidade, que promovem a fraternidade e estabelecem o bom
entendimento.
Constituem, porém, exceções que o tempo diluirá com a sua contribuição de
eternidade, efeito próprio do processo de evolução dos Espíritos.
Por essa razão, antropólogos, psicólogos e teólogos se reuniam no Departamento
dedicado às Religiões para estudar os melhores métodos de integração dos
diferentes fiéis com as suas convicções na sociedade dominante, evitando-se
choques e distúrbios infelizes, naqueles turbulentos dias do passado.
Ademais, no século XIX, enquanto se aguardava o surgimento do Espiritismo, cuja
mensagem deveria criar raízes no Brasil, estudou-se longamente na Comunidade,
qual seria a maneira mais eficaz de implantá-lo na Região sob sua inspiração,
onde fosse possível reunir os militantes das diversas doutrinas espiritualistas sob
a bandeira da Era Nova, ampliando-lhes as perspectivas do entendimento em
torno da vida e dos objetivos essenciais da existência humana em sua inexorável
marcha para Deus.
Realmente, os resultados não podiam ser melhores, porquanto, nós próprios, que
militáramos no Movimento Espírita nos anos praticamente ainda considerados
como de pioneirismo, embora as dificuldades compreensíveis, não enfrentamos
embates perversos, ficando as dissidências mais nos conteúdos teóricos e nas
discussões filosóficas do que mesmo nas perseguições insanas e destruidoras,
embora surgissem, vez que outra, promovidos por fanáticos e desorientados
emocionais.
Recordava-me de como facilmente se integravam africanistas, católicos,
esoteristas e outros que já possuíam tradição mediunista em razão dos
fenômenos observados entre as multidões no Movimento Espírita, a fim de
adquirirem os conhecimentos lógicos que o Espiritismo a todos nos oferece, para
serem equacionadas as interrogações que pairavam nas mentes inquietas.
Estudiosos de outras doutrinas igualmente se interessavam por tomar
conhecimento com O Consolador, aceitando-lhe os paradigmas com tranqüila
compreensão da sua legitimidade e incorporando-os às suas convicções
espiritualistas.
Graças a essas providências, surgiu um caldo de cultura religiosa especial, no
qual os seus membros se tratavam e ainda se relacionam com respeito e simpatia,
nutrindo especial fraternidade e consideração.
Espíritos nobres, que vieram dessa Colônia, renasceram nessas plagas
vinculados ao Espiritismo, que souberam difundir com elevação e dignidade,
deixando pegadas luminosas, que serviram de roteiro para outros que viriam
posteriormente, conforme sucedeu.
Concomitantemente, diversos sacerdotes do amor e da caridade reencarnaram-se
também em outras doutrinas religiosas, a fim de combaterem a miséria moral e
espiritual existente, trabalhando em favor da renovação social e da construção de
uma mentalidade sem preconceitos nem espírito de sistemas.
Artistas de variados campos da beleza e da cultura igualmente foram
encaminhados ao corpo físico, para contribuírem em favor da renovação do povo,
no qual os descendentes dos africanos se tornaram maioria, para que igualmente
oferecessem as mensagens ancestrais em forma de louvor à Vida e através dos
seus sentimentos e saudades...
Não obstante, as heranças da escravidão negra, as arbitrariedades anteriores de
governantes inescrupulosos e vândalos exploradores quão perversos oriundos do
além-mar, que se estabeleceram na então colônia de Portugal sob o amparo de
religiosos destituídos de dignidade cristã, geraram lamentáveis dívidas morais
para expressiva multidão de vítimas, que reencarnaram e desencarnaram sob os
camartelos do ódio e da vingança, da revolta surda e do desejo de revide pelo mal
que padeceram.
Por outro lado, os testemunhos morais de antigos jesuítas abnegados como
Manoel da Nóbrega, Aspicuelta Navarro e muitos outros, diminuíam na esfera
espiritual inferior as refregas inglórias dos combates do desespero, facultando que
incontáveis apóstolos do Bem viessem a operar no terreno da fraternidade, para
dirimir e anular os efeitos nefastos dos renhidos desforços gerados pelo rancor e
pela inferioridade moral que predominavam nos seus combatentes.
Seria de compreender-se que o clima psíquico, nesse campo de batalha,
favorecesse a instalação de obsessões cruéis e renitentes, transformando-se em
quase epidemias periódicas, que faziam sucumbir os invigilantes, sem que, ao
menos, se dessem conta da própria responsabilidade no desfecho nefasto das
suas empresas maléficas.
O Espiritismo, portanto, teria um papel de alta relevância a desempenhar nessa
sociedade comprometida e assinalada pelos efeitos danosos das atitudes
desvairadas, conforme vem ocorrendo com segurança, cumprindo a sua missão
de Consolador prometido por Jesus.
A Comunidade espiritual, portanto, programara também o nascimento de inúmeras
Instituições devotadas à sociedade sob a bandeira do Espiritismo Cristão, de
forma que se transformassem em escolas de educação moral e espiritual, como
também de oficinas promotoras de ações enobrecidas, tanto quanto se fizessem
ambulatórios dedicados à saúde física, mental e comportamental que os desvarios
obsessivos ultrajavam.
Vinculado a esses operários da fraternidade e do amor, mantínhamos
pessoalmente ligações especiais com uma dessas Colmeias Espíritas, onde
milhares de pessoas encontram educação, apoio e socorro, conforto moral e
orientação para as suas aflições, bem como instruções libertadoras para os
dramas e conflitos que as desorientam.
Inúmeros trabalhadores da nossa Colônia reencarnaram-se especialmente para ali
servirem sob a inspiração da mártir da Independência e do venerando Francisco
de Assis.
Nas suas reuniões práticas e de desobsessão recebem atendimento e são
tratados inúmeros Espíritos comprometidos com a retaguarda e que antes se
compraziam na tenaz perseguição avassaladora contra os seus antigos algozes.
O intercâmbio entre as duas Esferas, desse modo, tornou-se natural e
espontâneo, graças às luzes fulgurantes da Doutrina Espírita, abrindo espaço para
a Era do amor entre as criaturas.
2
O PODER DA ORAÇÃO
Quando o ser humano se aperceber das infinitas possibilidades de que dispõe
através da oração, conceder-lhe-á mais atenção e cuidados.
Força dinâmica, responsável pelo restabelecimento de energias, é constituída de
vibrações específicas que penetram o orante, mantendo-lhe a vinculação com as
Fontes Inexauríveis de onde procedem os recursos vitais.
Em razão da intensidade e do hábito a que o indivíduo se permita, torna-se valioso
instrumento para a conquista da paz e a preservação da alegria, nele instaurando
um estado de receptividade permanente das vibrações superiores que se
encontram espalhadas no Cosmo, preservando-lhe a saúde, gerando-lhe
satisfação íntima e proporcionando-lhe inspiração nas mais variadas situações do
caminho evolutivo.
Como conseqüência, nenhuma louvação, rogativa ou gratidão expressa através da
prece fica sem resposta adequada, desde que os sentimentos acompanhem-lhe o
curso oracional.
Naquela noite de caras reflexões, eu me encontrava aguardando o momento para
atividades especiais ao lado de abnegados Mensageiros que fazem o intercâmbio
com os Espíritos encarnados na Terra, ajudando-os na desincumbência dos
compromissos a que se dedicam.
No momento aprazado, que corresponderia às 2h da manhã, reunimo-nos no local
reservado para a partida em direção do mundo físico.
Éramos pequeno grupo formado por amigos interessados na construção da lídima
fraternidade e do estudo dos fenômenos obsessivos, que constituem a rude peleja
entre a ignorância e o crime, a perversidade e a vingança, a loucura desmedida e
a necessidade de paz, que somente pode ser obtida quando utilizados os meios
legítimos, que são o respeito ao próximo e a desincumbência dos próprios
deveres.
A modesta caravana estava sob a orientação do irmão Anacleto, que fora
espiritista militante e se dedicara com especial empenho ao labor mediante as
terapias da Doutrina em favor da saúde mental e emocional das criaturas
humanas, particularmente quando afetada pela interferência dos Espíritos
obsessores.
Portador de formosa folha de serviços enquanto esteve no corpo somático, havia
granjeado merecido respeito em ambos os planos da vida, pela sua abnegação,
carinho e conhecimento profundo em torno da grave parasitose espiritual.
Reunidos em agradável sala de amplo edifício reservado para excursões ao
planeta terrestre, mantínhamos a privacidade dos nossos objetivos, preservando
muito reconfortante fraternidade, enquanto aguardávamos o momento de iniciar-se
a jornada.
O Benfeitor, utilizando-se de momento próprio, expôs-nos o plano que houvera
traçado para o atendimento a algumas pessoas que se encontravam em singular
circunstância das suas existências sob influências perniciosas que as dilaceravam,
e, não obstante, recorriam com freqüência e quase desespero à oração,
suplicando a ajuda dos Céus, que lhes parecia tardar.
Demorar-nos-íamos por alguns dias em nossos labores, havendo elegido como
sede de ação, o Núcleo Espírita a que nos referimos anteriormente, onde seria
possível operar com o apoio mental e das vibrações salutares em favor do êxito do
empreendimento.
Sensibilizados ante a possibilidade do serviço em tela, mantínhamos a serenidade
que deve ser preservada sempre.
Acercando-se o momento da partida, o diretor do grupo convidou-nos à oração,
que ele próprio proferiu tocado de especial emoção:
- Senhor Jesus, Amigo dos desafortunados!
No momento em que nos preparamos para mais uma experiência socorrista em
Teu nome, exoramos a Tua proteção, a fim de que possamos manter a plena
sintonia com os Teus propósitos de amor, realizando o melhor que nos esteja ao
alcance.
Sabemos que não será fácil a tarefa por executar, considerando as nossas
limitações e deficiências. Nada obstante, confiamos na Tua inspiração e apoio, de
modo que nos seja permitido executar o serviço com os mais santos propósitos de
fraternidade e de amor, conforme Tu mesmo o realizaste quando estiveste
conosco no Planeta.
Mantém-nos confiantes na irrefragável misericórdia do Pai e dulcifica-nos, para
que possamos sensibilizar aqueles Espíritos que ainda não Te conhecem, ou que,
tendo travado contato contigo, se afastaram, revoltados e infelizes, negando-se à
vinculação com o Teu inefável amor.
Semelhantes a eles, já estivemos em situação equivalente, e Tu nos arrancaste
das sombras e dos abismos a que nos arrojamos, equipando-nos de
conhecimentos e de sentimentos para modificarmos a estrutura íntima de que
somos constituídos.
Faculta-lhes, também a eles, a mesma concessão com que nos honraste,
utilizando-te de nossa pequenez colocada em Tuas seguras e generosas mãos.
Ampara-nos em todas as situações, enriquecendo-nos de inspiração e de
caridade, para que sempre sejas Tu quem estejas presente e não nós, eliminando
o nosso ego para que Te exaltemos o Espírito magnânimo e misericordioso.
Segue, pois, conosco, Amigo de todas as horas.
Ao concluir, estava com a voz embargada, e todos nos encontrávamos tocados de
especial emotividade.
Explicou-nos o condutor da empresa que, inicialmente, iríamos atender a um
jovem sacerdote que se encontrava em momento muito grave da sua existência,
lutando com tenacidade contra as tendências infelizes do passado, que o
assaltavam agora com pertinaz incidência. Embora forjado em sentimentos
humanitários e cristãos, perdia lentamente as forças na imensa pugna travada
contra as más inclinações que lhe predominavam no íntimo e porque também
estava sob indução espiritual perversa e perigosa.
Quando chegamos ao local em que deveríamos iniciar as atividades socorristas,
encontramos um jovem religioso mergulhado em terrível conflito interior.
Não obstante se encontrasse ajoelhado, orando em desespero, o seu pensamento
turbilhonado, exteriorizava imagens atormentadoras de que se desejava libertar.
Aparentava trinta anos de idade, era portador de boa constituição orgânica e
apresentava-se com harmonia física e mesmo alguma beleza nos traços que lhe
delineavam a face.
Acercando-me, ouvi o Benfeitor sugerir que lhe penetrasse o campo mental, de
modo a registrar os seus apelos aflitivos, inteirando-me do conflito que o
assaltava, levando-o a inevitável desesperação.
As emanações mentais eram carregadas de imagens infantis escabrosas e cenas
de perversão sexual com crianças nos seus aspectos mais chocantes. Entre
sombras densas, que lhe dominavam as reflexões, destacavam-se a
promiscuidade sadomasoquista e aberrações outras que o pareciam satisfazer ao
tempo que o afligiam de maneira especial.
Percebendo-me a perplexidade, o irmão Anacleto veio em minha ajuda,
elucidando-me:
- O nosso Mauro é um jovem que buscou a Religião sem qualquer inclinação
legítima, tentando fugir dos tormentos que o sitiam desde a adolescência.
Sentindo-se dominado pelo desvario das tendências sexuais infelizes procurou
refúgio na Religião, na qual poderia esconder-se e deter os desejos infrenes que o
aturdem, buscando o Seminário onde pensava disciplinar os instintos e corrigir as
más inclinações. Infelizmente não foi bem sucedido, porquanto, no lugar onde
esperava encontrar paz e orientação, defrontou-se com diversos companheiros
portadores de desequilíbrios equivalentes, que também buscavam a fuga ao invés
do enfrentamento no século, resvalando, a pouco e pouco, para comportamentos
esdrúxulos e insanos.
Silenciou por um pouco, e logo prosseguiu:
- Concluindo o curso, e sendo ordenado sacerdote, a princípio tentou manter-se
distante dos hábitos doentios, procurando exercer o ministério com atitudes
saudáveis. Todavia, lentamente o cerco das paixões se fez inexorável, e o contato
com alguns veículos de informação, especialmente a televisão, foi-lhe quase
impossível deixar de anestesiar-se outra vez pelas sensações grosseiras dos
desejos incoercíveis. Foi-se permitindo arrastar pelos programas vulgares,
recheados de paixões e vilanias, embriagando-se com as cenas portadoras de
obscenidades e aberrações, passando à convivência mental com outros
insensatos e enfermos morais, utilizando-se de fotografias para prosseguir no
tormento que ora o despedaça interiormente.
Ante a pausa natural, que me pareceu oportuna, ensejou-me interrogá-lo, o que fiz
naturalmente.
- Pude perceber - acentuei, surpreso - que o seu drama íntimo envolve crianças e
alguns jovens imaturos, que se rebolcam nas suas paisagens mentais entre
sombras e cenas de hedionda qualidade. Qual a razão dessas manifestações do
seu pensamento atormentado?
Generoso e sábio, o amigo explicou:
- O drama do nosso paciente tem suas raízes na pedofilia, desequilíbrio moral e
sexual, hoje muito difundido pelos infelizes vendedores de sexo, a prejuízo da
saúde e da dignidade de inúmeros psicopatas e perversos. Saturados pelos
excessos sexuais que se permitem, procuram novas experiências aberrantes e
cruéis, utilizando-se de crianças indefesas e ingênuas para o triste mercado das
suas vilezas.
"Por outro lado, pais inescrupulosos e de conduta esquizofrênica, igualmente
ambiciosos e cruéis, alugam seus filhos para o comércio ignóbil, no qual adultos
totalmente inescrupulosos e destituídos de sentimentos dignos, delas se utilizam
para dar vaza às suas tendências mórbidas, esfacelando essas vidas em floração,
que se estiolam, desde cedo, tornando-se, aquelas que sobrevivem, cínicas e
depravadas, sem nenhum objetivo existencial, exceto a luxúria para ganhar
dinheiro e manter o vício, logo derrapando no uso das drogas alucinantes e
destruidoras.
"O nosso Mauro encontra-se envolvido com uma gangue pornográfica que lhe
exige mais crianças para o comércio desnaturado, considerando-se a facilidade de
que ele dispõe no convívio infantil, face à sua condição de religioso... Igualmente
viciado, instalou um pequeno estúdio no qual fotografa e grava cenas hórridas
com desprevenidas vítimas que arrebanha, a princípio iludindo-as com guloseimas
e pequenos presentes, para depois viciá-las e utilizá-las abertamente no mercado
da crueldade."
Novamente silenciou, como a concatenar informações preciosas, para prosseguir
de imediato:
- Vinculado a terrível Organização espiritual jesuítica do passado, quando cometeu
arbitrariedades contra criaturas tidas como inimigas e silvícolas que lhes
tombaram nas garras ignóbeis, que deveriam evangelizar, ainda não conseguiu
libertar-se desses comparsas, que hoje prosseguem inspirando-o na situação
calamitosa em que se encontra.
Outrossim, em razão de arbitrariedades morais cometidas no século XIX,
experimenta o atual tormento. Entretanto, inspirado pela genitora desencarnada,
que o acompanha com imenso sofrimento, nos últimos tempos, percebendo o
abismo cada vez mais devorador que o traga, vem recorrendo à oração, pedindo
misericórdia e ajuda, por não mais suportar a própria insânia. A fé ingênua da
infância, que o cinismo do comportamento tisnou, vem-lhe retornando à mente, de
forma que, tomado de sincero desejo de ter diminuídas as angústias, cada dia
mais sincera se lhe torna a súplica, que chegou até aos nossos Centros de
Comunicação Oracional, graças a cuja diretriz aqui nos encontramos.
Sempre ávido de conhecimentos, utilizei-me do novo ensejo para interrogar:
- Reconhecendo-se a deficiência de comportamento do nosso paciente, os seus
graves delitos pretéritos, poderemos considerar os conflitos sexuais do momento
como efeitos da conduta infeliz de outrora ou como uma obsessão, já que não
identifico qualquer Entidade específica a sua volta?
Exteriorizando bondade e paciência, o Instrutor esclareceu:
- Estamos diante de uma resposta da Vida aos atos clamorosos perpetrados
anteriormente pelo nosso amigo. É natural que, havendo desconsiderado as Leis
que estabelecem o respeito, o amor e o dever para com o próximo, hoje sofra os
conflitos e as perturbações que lhe constituem mecanismo de depuração dos
gravames cometidos. Ao mesmo tempo, algumas das suas vítimas cercam-no de
vibrações deletérias e odientas, inspirando-o nas tendências doentias, a fim de
mais o afligirem, ao tempo em que o alucinam e o estarrecem ante os próprios
absurdos gerados pela mente em desalinho. Sempre há cobrador, quando existe
devedor na pauta dos processos atuais de evolução do planeta terrestre e dos
seus habitantes.
Examinando com atenção o enfermo que orava em desespero, estorcegando-se
na consciência culpada pelos excessos cometidos e quase arrancando os cabelos
em ato de deplorável inconsciência, o Orientador concluiu:
- Os seus adversários espirituais encharcam-no de idéias pervertidas e desejos
lúbricos insaciáveis, desvairando-o. Fixando-se-lhe nos painéis mentais,
telecomandam-no a distância, e quando se desprende pelo sono físico é atraído
ou arrebatado para os sítios de vergonha e de depravação, nos quais mais se
acentuam os desbordamentos da paixão insana.
Naquele momento vimos acercar-se do jovem sacerdote um Espírito de aspecto
feroz e asselvajado, com muitas anomalias na forma em que se apresentava, que
o examinou detidamente, e, após gargalhar zombeteiro, escarneceu-o com
palavras vulgares, em razão do anseio da vítima em buscar libertar-se do cerco
em que se debatia através da oração.
Ouvimo-lo, então, exclamar, exprobrando-o:
- Por que buscas Deus, miserável, em nome de Quem te escondes para dares
prosseguimento aos teus anseios degenerados? Pensas que Ele te atenderá ou
socorrerá àqueles aos quais mutilas moralmente e infelicitas? Quanto cinismo!
Orar, como se a prece te pudesse ajudar nesta conjuntura, senão para
encontrares mais gado para o nosso matadouro! Mudemos de atitude e vamos ao
prazer.
Assumindo uma posição de sicário ergueu um chicote que trazia numa das mãos
e aplicou sibilante golpe nas costas do desesperado.
Naquela postura de desequilíbrio, as palavras desconexas que exteriorizava não
mais constituíam uma prece, mas refletiam o estado de perturbação que se lhe
vinha sendo quase habitual, embora a intenção inicial fosse de encontrar paz e a
libertação do drama excruciante.
O jovem padre experimentou uma estranha sensação, e, à medida que os golpes
se repetiram, enquanto o adversário o fixava no chakra coronário com olhos em
brasas, expressando o ódio que o acometia, foi-se-lhe acentuando a percepção e,
logo depois de alguns breves minutos, passou a sentir o acicatar das dores que
aumentavam enquanto o chicote repetia os golpes, atirando-se, por inteiro, no
solo, entrando em delírio de torpeza sexual, no qual se misturavam gemidos e
gritos surdos, sob o delirar da mente excitada pelos clichês vulgares que lhe eram
habituais.
Entrando em exaustão, cessada a aplicação da sova inusitada, estertorou por um
pouco, e entrou em pesado sono agitado, até que se libertou do corpo envolto em
densa névoa escura, sendo surpreendido pelo algoz que o segurou com vigor,
arrastando-o do recinto com grosseria.
O corpo tombado continuava com leves estremecimentos e uma baba pegajosa
escorria-lhe da boca retorcida como se houvesse sido acometido por uma crise
epileptiforme.
Não podíamos esconder o sentimento de compaixão que nos tomou a todos, bem
como de surpresa que se me assomou, dominando-me o pensamento.
O Instrutor, que se encontrava familiarizado com a ocorrência, convidou-nos a que
seguíssemos os dois litigantes, que rumavam para um recinto espiritual de
perversão e deboche em que se compraziam.
Enquanto nos movimentávamos nessa direção, indaguei com respeito:
- As orações, embora expressando desespero, atingem o nosso Departamento de
captação?
- É claro que sim - respondeu, generoso. - Todo apelo que procede do coração,
mesmo quando as possibilidades emocionais não permitem melhor entrosamento
entre o sentimento e a razão, atingem o fulcro para o qual é direcionado. Nosso
Mauro, depois de delinqüir, inspirado pela mãezinha, conforme já acentuamos, dá-
se conta do caminho sem volta por onde segue e, na falta de outra alternativa,
vem buscando o concurso do Céu, apesar dos clamorosos erros que prossegue
cometendo sob a guarda da fé religiosa na qual se oculta.
- E o sarcasmo do seu comparsa em relação a essa atitude, conforme vimos, teria
razão para fundamentá-lo?
- De forma alguma - esclareceu, bondoso. - O antagonista sabe que o seu
paciente poderá fugir do seu comando, caso continue na busca de Deus. Para
atemorizá-lo e anular-lhe a inesperada disposição, critica-o, zurzindo-lhe o látego,
cujo açoite vibratório faculta-lhe o prazer masoquista que a mente desorientada
cultiva.
"Nenhuma solicitação ao Pai Amantíssimo fica sem resposta, seja qual for a
natureza do seu conteúdo, recebendo-a de acordo com o propósito de que se
reveste.
"Sigamos os nossos irmãos."
3
A COMUNIDADE DA PERVERSÃO MORAL
Embora não pudéssemos ver Mauro e o seu adversário que seguiam para ignota
região, o irmão Anacleto conduziu-nos com segurança para o perímetro fora da
cidade, em vasta área pantanosa e sombria, que certamente conhecia, e de onde
recendiam odores pútridos e uma gritaria infrene enchia a noite com blasfêmias,
expressões chulas e sórdidas, gargalhadas estentóricas, movimentação agitada...
O cuidadoso Guia advertiu-nos que nos estávamos adentrando em uma
Comunidade totalmente dedicada à perversão sexual, dirigida por implacáveis
sicários da Humanidade, que ali reuniam o deboche à degradação, o cinismo à
rudeza do trato, onde encontravam inspiração muitos indivíduos reencarnados e
dali procedentes na área da mórbida comunicação social, da literatura doentia e
da arte escabrosa para os seus espetáculos de hediondez e de degeneração
moral.
Reduto imenso, criado pelas emanações morbíficas das próprias criaturas da
Terra, que para lá seguiam por imantação magnética opcional, quando
parcialmente desprendidas pelo sono físico, constituía um sorvedouro de paixões
primárias que, no passado, destruíram culturas e civilizações, qual está
acontecendo no presente com grande parte da nossa sociedade.
Quando irrompem o deboche e a insensatez, o desvario do sexo e dos
compromissos morais nos grupamentos sociais, a ética, a cultura e a civilização
tombam no desalinho, avançando para o descalabro e a servidão.
Tem sido assim através dos tempos e, por enquanto, ainda parece que se
demorará por algum tempo, até quando o ser humano se resolva por absorver os
compromissos elevados e os deveres dignificadores da Vida na pauta das suas
existências. A consciência de si mesmo, a responsabilidade perante o seu próximo
e a mãe Natureza, nunca devem sair da linha da conduta humana, pois que nisso
residem as aspirações máximas do Espírito para a conquista da beleza e da
plenitude.
Torna-se-me muito difícil descrever o local e o ambiente de festiva degradação
com as suas personagens, participantes que, exaltados, formavam a grande
massa deambulante e movimentada em todos os lados.
A tonalidade avermelhada da iluminação, que fazia recordar os archotes
fumegantes do passado, colocados em furnas sombrias para as clarear, produzia
um aspecto terrificante no ambiente que esfervilhava de Espíritos de ambos os
lados da vida em infrene orgia de alucinados.
Podia-se perceber que Espíritos vitimados por graves alterações e mutilações no
perispírito misturavam-se à malta desenfreada na exaltação do sexo e das suas
mais sórdidas expressões.
Figuras estranhas, com aspecto semelhante aos antigos seres mitológicos do
panteão greco-romano, confundiam-se com muitos outros indivíduos
extravagantes em complexas simbioses de vampirismo, carregando-se uns aos
outros, acompanhando freneticamente um desfile de carros alegóricos, que faziam
recordar os carnavais da Terra, porém apresentando formatos de órgãos sexuais
disformes e chocantes, exibindo cenas de terrível horror, espetáculos de grosseira
manifestação da libido, nos quais se mesclavam apresentações de conúbios
sexuais entre animais e seres humanos deformados sob o aplauso descontrolado
da massa desnorteada.
Decorando os peculiares veículos, homens e Mãelheres se apresentavam com
aspecto de cortesãos que ficaram célebres pela baixeza de caráter, exibindo-se de
maneira servil e provocando galhofas de uns e desejos de outros em uma terrível
mescla de animalidade soez.
Aquele circo de hediondez apresentava em cada momento novos e agressivos
quadros, enquanto se exibiam sessões de sexo grupai ao som de música
estridente e desconcertante, que mais açulava os apetites insaciáveis dos
comensais da loucura.
O antro asqueroso dava-me a idéia de ser o mundo inspirador de alguns
espetáculos da Terra, que ainda não atingiram aquele nível de vileza, mas que
dele se vêm aproximando, especialmente durante a apresentação de alguns dos
turbulentos e torpes desfiles de Carnaval.
Sim, era naquela Região que se inspiravam muitos multiplicadores de opinião, que
ainda insistem na liberação total dos costumes vis, como se já não bastassem o
sexo explícito e vulgar, a violência absurda, a agressividade sem limites, a luxúria
desmedida, o cinismo odiento, o furto desbragado, o desrespeito a tudo quanto
constitui a dignidade humana, descendo a níveis já insuportáveis...
De quando em quando, aparentando a postura de guardadores da Comunidade
horripilante, verdadeiros espectros humanos semi-hebetados, conduzindo mastins
de grande porte, vigiavam a população, contra a qual atiçavam os ferozes animais.
Telepaticamente o nobre Mentor advertiu-nos para que mantivéssemos cuidados
especiais com o pensamento elevado ao Supremo Amor, sem crítica ou
observações descaridosas em relação ao que víamos, a fim de não sermos
surpreendidos por esses vigias terrificantes.
Num dos quadros dantescos, pudemos defrontar diversos Espíritos reencarnados,
que seguiam jugulados aos seus algozes, presos a coleiras como se fossem
felinos esfaimados, babando ante o espetáculo que lhes aguçava os instintos
grosseiros.
Entre outros, encontrava-se Mauro com o seu sicário, que dele escarnecia e o
amedrontava, enquanto, debatendo-se, para liberar-se da retenção e atirar-se no
vulcão de asquerosa sensualidade, urrava em deplorável aspecto.
Observamos que crianças despidas em atitudes obscenas decoravam o carro
exótico, gritando e movimentando-se sensualmente, inspirando mais compaixão
do que outro qualquer sentimento. Acurando, porém, a visão, surpreendemo-nos,
ao constatar que se tratava de anões cínicos, apresentando-se como criaturas
infantis, assim despertando os viciados em pedofilia a terem mais acicatados os
seus impulsos grosseiros.
A bacante, com as suas aberrações, alongou-se, na sucessão das horas, até
quando os primeiros raios do amanhecer penetraram a névoa densa, fazendo
diminuir o desfile horrendo e a movimentação foi desaparecendo até ficar o
ambiente, com a sua pesada psicosfera pestífera, quase vazio, exceção feita aos
vigilantes e seus animais em contínua atividade.
A esdrúxula sociedade ali residente seguiu no rumo das suas furnas e mansardas,
a fim de continuar na exorbitância dos sentidos torpes, terminado o desfile que se
repetia todas as noites...
O irmão Anacleto convidou-nos mentalmente a segui-lo, afastando-nos tão
discretamente quanto nos adentráramos no dédalo infernal, aturdidos e algo
asfixiados, até nos acercarmos de formosa praia que se dourava à luz solar e
recebia os primeiros raios do Astro-rei como bênção de luz após a noite
ensombrada no reduto em que estivéramos.
O odor do haloplancto que vinha do mar renovava-nos, tanto quanto oprana da
Natureza em bênçãos de vitalização restaurava-nos as forças momentaneamente
alquebradas pelos fluidos morbosos da Comunidade de perversão.
Sem que enunciássemos alguma interrogação, embora o grande número delas
que bailavam na mente, o Mentor gentil, utilizando-se da beleza natural do dia em
começo, elucidou-nos:
- O recinto infeliz onde estivemos é mantido e dirigido por alguns verdugos da
Humanidade, que se nutrem dos pensamentos perversos e lúbricos dos seres
humanos, que sustentam, dessa forma, a estranha coletividade que ali se homizia
e que, longe de qualquer ambição idealista ou espiritualizante, reencarna-se no
mundo físico trazendo as imagens das experiências vivenciadas, procurando
materializá-las posteriormente entre as demais criaturas.
"Muitos desses Espíritos, ora no corpo físico, são encontrados no mundo físico
realizando espetáculos chocantes, vivendo em verdadeiras tribos de
promiscuidade primitiva, vestindo-se e assumindo posturas caricatas e ridículas,
de que se não conseguem libertar facilmente. Tornam-se, assim, representantes
do curioso país espiritual de onde procedem e, telementalizados pelos que lá
ficaram, fazem-se verdadeiros propagandistas da orgia despudorada, tentando
arrebanhar mais vítimas para a bacanal da extravagância."
Após uma breve reflexão, deu prosseguimento:
- Não são poucos os indivíduos que sentem a atração para o mal, para o vício,
para as tendências ancestrais e permanecem receosos, vivendo o claro-escuro da
decisão a tomar. Subitamente, porém, enveredam pelos escusos caminhos da
morbidez e do escândalo, assumindo comportamentos que envilecem em atitude
de desrespeito aos valores morais e sociais vigentes, logo transformando-se em
líderes e modelos singulares.
"Invariavelmente são arrebanhados por esses representantes perversos que lhes
influenciam a conduta, demonstrando-lhes a necessidade de serem assumidos
exteriormente os conflitos e torpezas interiores, a fim de experienciarem a
liberdade e o direito de viver conforme lhes apraz.
Demonstram uma alegria que estão longe de possuir, um cinismo que, em
verdade, é a máscara que esconde as aflições quase insuportáveis que os
transtornam, porém, insensatamente, vinculando-se a esses campeões do
desequilíbrio, tombam-lhes nas redes bem urdidas do prazer, não conseguindo
desvincular-se deles com facilidade. Somente através das dores excruciantes, das
enfermidades dilaceradoras, das angústias morais que os assaltam é que,
encontrando orientação e compaixão, liberam-se das amarras fortes do mal em
predomínio. A grande maioria, porém, desencarna durante esse comportamento
doentio e quase todos são arrastados para o sórdido campo de luxúria, sofrendo
por decênios e mesmo séculos até o momento em que buscam a renovação e são
socorridos por especialistas em libertação, que periodicamente visitam esses
sítios de horror e de sofrimento irracional."
Novamente silenciou, e, tomado de imensa ternura acompanhada de compaixão,
deu prosseguimento:
- A mente é sempre a construtora da vida, oferecendo a energia com a qual são
condensados os anseios e as necessidades de todas as criaturas.
"O sexo, por sua vez, porque carregado de sensações e de emoções, quando
vilipendiado e exercido com ignorância das suas sagradas funções, transforma-se
em geratriz de tormentos que dão curso a outros vícios e alucinações, empurrando
as suas vítimas para as drogas, o álcool, o tabaco, a mentira, a traição, a infâmia e
todo um séquito de misérias morais que entorpecem os sentimentos e obnubilam
a razão. Enquanto não houver um programa educativo baseado nas nobres
finalidades da existência humana, cujo objetivo essencial é o progresso intelectomoral
e não a utilização do corpo para o prazer e a leviandade, permanecerão
equivocados os valores éticos, sendo utilizados pelo egoísmo para o gozo e a
insensatez.
"Vive-se, na Terra da atualidade, a exorbitância da lubricidade, da pornografia, da
exibição das formas físicas direcionadas para o comércio da lascívia e da
exploração.
"A morte, porém, que a ninguém poupa, ao desvestir da carne os equivocados,
abre-lhes a cortina da realidade, e todos se dão conta do alto significado da vida
física e do respeito que merece dos aprendizes da evolução. Por enquanto,
somente nos cabem as atitudes de compaixão e de solidariedade, de
compreensão e de amor, porque os irmãos anestesiados pelo prazer,
inconscientes do que lhes ocorre, aguardam ajuda e orientação fraternal para
despertarem para a verdadeira alegria de viver. Nesse empreendimento, incluímos
também os companheiros desencarnados que, com eles, se encharcam de
sensações doentias.
"Chegará o momento adequado, e todos nos deveremos empenhar por apressá-
lo, quando luzir o pensamento de Jesus nas consciências humanas, em que o
homem e a mulher compreenderão que o sexo existe para fomentar a vida e
procriar, amparado por emoções enobrecedoras do intercâmbio de energias
revigorantes, e não para o banquete asselvajado dos instintos e das sensações,
desbordando em crimes e destruição da vida. Que possamos contribuir em favor
desse momento, edificando-nos no bem e preservando-nos interiormente das
ciladas do mal e das tentações perturbadoras."
Calou-se o nobre amigo, deixando-nos a refletir.
O dia luculiano estuava em festival de bênçãos demonstrando a vitória da luz
sobre a treva, infundindo-nos confiança e coragem para a luta.
4
O DRAMA DA OBSESSÃO NA INFÂNCIA
Logo que foi possível, acorremos à Casa paroquial onde residia Mauro, a fim de
acompanharmos o seu despertar no corpo físico.
O jovem teve dificuldade de reassumir as funções mentais coordenadas. Terrível
torpor assomara-lhe à consciência, dificultando-lhe o raciocínio lúcido. Dores
musculares mortificavam-no, espalhadas por todo o corpo, enquanto expressiva
debilidade orgânica se lhe apresentava dominadora.
Exalava fluidos deletérios através da expiração ao tempo em que se encontrava
envolvido nos chakras coronário, cerebral e genésico por densa energia que se
evolava pastosa a princípio, desvanecendo-se paulatinamente.
Quase cambaleante buscou a ducha com água fria e banhou-se, tentando
recuperar-se, o que de certo modo conseguiu parcialmente.
Logo após, sentando-se na cama, começou a refletir e coordenar as idéias, que
lhe traziam à memória as terríveis lembranças das cenas bestiais da noite, que
passou a considerar como registros do inconsciente sobre algo terrível que não
conseguia compreender plenamente. O pesadelo assustou-o, quase o levando a
um choque nervoso, por identificar a perigosa trilha que percorria, conduzindo-o a
delírios exorbitantes qual o vivenciado fazia pouco.
Com muita dificuldade começou a orar. A prece era formulada em gritos interiores
de desespero entre objurgatórias e pedidos de socorro aos Céus.
Interrogava-se, aturdido:
- "Que me estaria acontecendo? Os devaneios e atos reprocháveis estão-me
conduzindo à loucura? Estarei sendo vítima de uma trama demoníaca? Quando
irei parar no resvaladouro do crime hediondo que vivo praticando?"
Ante a reflexão, recordou-se do ser perverso que o jugulara, arrastando-o para o
paul de misérias morais, e sentiu-se mais indisposto. A figura estranha e cruel
retornou-lhe à memória, aparvalhante, como se lhe comandasse a mente em
desalinho com um poder sobre-humano ao qual não se podia furtar.
O medo assenhoreou-se-lhe dos sentimentos e as lágrimas banharam-lhe o rosto
desfigurado e pálido.
Só então pôde orar com mais serenidade, beneficiando-se do refrigério da prece.
Jamais qualquer pedido fica sem resposta ante os Soberanos Códigos da Vida.
O ambiente psíquico do quarto, possivelmente em razão das emanações habituais
do residente vinculado aos desejos mórbidos, era deplorável. Entidades ociosas e
viciadas ali permaneciam, umas em atitude de vigilância, enquanto outras se
apresentavam como parasitas que se nutriam dos vibriões mentais e das formaspensamento
exteriorizadas pelo paciente infeliz.
Algo aturdido, em processo de recuperação, dirigiu-se ao refeitório para o
desjejum.
Permanecendo na habitação empestada pelas ondas sucessivas de baixo teor
vibratório, Anacleto convidou-nos a um trabalho de assepsia psíquica, a fim de
que a ingestão continuada da psicosfera doentia, que sempre afetava mais o
paciente, fosse modificada, diminuindo-lhe o transtorno emocional.
Concentrando-se, silenciosamente, o Mentor exorou o auxílio divino, no que o
acompanhei, incontinenti, transformando-se, a pouco e pouco, em um dínamo
emissor de ondas vigorosas e luminosas que se exteriorizavam, diluindo as
construções fluídicas perniciosas e afastando as Entidades viciosas que ali se
homiziavam. A operação prolongou-se por alguns minutos, enquanto podíamos
ouvir os gritos e blasfêmias dos infelizes que eram expulsos pelas ondas mentais
direcionadas pelo pensamento do nobre Espírito.
Ao terminar, tomando contato com o recinto, tive a impressão de que me
encontrava num outro lugar, no qual o Sol entrava gentil, completando a assepsia
com os seus raios luminosos benéficos.
- Acompanhemos o nosso amigo - propôs-nos o trabalhador do Bem.
Mauro havia terminado a refeição frugal, sem haver superado totalmente o malestar
que o acometia. A mente continuava tomada por interrogações
perturbadoras, o peito arfava sob peculiar fardo de sentimentos desencontrados, e
a consciência de culpa acoimava-o sem piedade.
Cabia-lhe seguir ao Educandário onde lecionava a crianças.
Normalmente, o pedófilo, a fim de ocultar os seus conflitos e tormentos sexuais,
procura atividades respeitáveis que o ponham em contato com as suas futuras
vítimas, de forma que não provoquem suspeitas em torno do seu comportamento.
A própria perturbação torna-os muito hábeis na arte da dissimulação,
apresentando-os como pessoas gentis e dedicadas, compreensivas e bondosas,
que conquistam os incautos. A camuflagem abre-lhes as possibilidades para os
intentos infelizes que quase sempre se coroam de êxito temporário...
Por outro lado, pais invigilantes permitem que os seus filhos relacionem-se com
adultos desconhecidos, demasiadamente generosos, permitindo-lhes convivência
não acompanhada, que resulta em descalabro e perturbação. Isso, quando alguns
dos genitores, igualmente desequilibrados, não se fazem os exploradores
perversos da prole, que submetem aos caprichos degenerados da sua
personalidade psicopata.
Há muito ainda para se aprender, debater e vigiar, em torno dos relacionamentos
de adultos malvados com crianças inocentes e desprevenidas.
Chegando à Escola, alguns colegas notaram a palidez quase mortal do professor,
e comentaram-na, havendo recebido explicação de distúrbio gástrico que
justificava o estado de indisposição assinalado.
A alacridade infantil, a movimentação dos alunos na direção das salas de aula,
produziram peculiar sensação no sacerdote que se sentiu estimulado, mudando
de atitude mental e de disposição orgânica.
Parecia alimentar-se da vibração musical e da presença da infância.
Era um dia fascinante de luz e tudo respirava alegria.
A natureza em festa e a algazarra das crianças renovavam as forças debilitadas
do jovem sacerdote.
Subitamente, porém, se lhe tisnou o júbilo ante a chegada de um menino de oito
anos aproximadamente que se lhe acercou, sorridente e inundado de
encantamento.
A mente de Mauro recuou à própria infância, e foi assaltada pela presença
grosseira do genitor, que o acariciava e abusava da sua inocência, há algum
tempo. Sem poder fugir às cenas interiores que o afligiam, desencadeadas pelo
pequeno que lhe tocou a mão, beijando-a carinhosamente, ele se reviu no flagício
que lhe fora imposto pelo pai desnaturado, começando a transpirar e a sentir
disritmia cardíaca.
Sem nada perceber, o jovenzinho dizia-lhe palavras de ternura e de alegria por
havê-lo reencontrado, o que mais o afligia, pois que os clichês mentais perversos
eram liberados ante esses estímulos, levando-o quase a um transtorno emocional.
Tentando manter-se equilibrado, soltou a sua da mão do pequeno, e sorriu
canhestramente, pedindo-lhe que o procurasse em outro momento, durante o
intervalo para a merenda.
A criança disparou na direção de outro grupo infantil enquanto ele buscou abrigo
sob generosa copa de árvore, para recobrar a serenidade.
No entanto, a imagem do pai continuou assaltando-o, e um estranho sentimento
de ódio dominou-o por completo.
Conjeturou interiormente, que fora o inditoso genitor quem o iniciara no tormento
sexual que ora se lhe transformara em cravo perfurante nas carnes da alma,
revolvendo-as quase sem cessar, levando-o ao não ignorado crime a que se
entregava em busca de prazeres da sensualidade pervertida.
Ademais, pensava que era o caminho para a alucinação, porque sempre saía das
infelizes experiências sem alegria, dominado pela culpa, exaurido de energias
valiosas que tinha dificuldade em recuperar.
Ignorando totalmente a parasitose da obsessão de que também era vítima, não
podia raciocinar com clareza e encontrar uma explicação capaz de acalmá-lo,
acreditando-se ser um verdadeiro monstro, face ao descalabro a que se
entregava.
Nesse comenos, o irmão Anacleto aproximou-se-lhe e aplicou-lhe energias
restauradoras do equilíbrio, considerando que, naquele momento, as suas eram
disposições de luta, de renovação e de busca do equilíbrio perdido.
Sentindo-se renovar, respirou aliviado, e adentrou-se no Educandário.
Saudado cordialmente pelos colegas de magistério, não mais deixava
transparecer o conflito em que se debatia minutos antes.
Continuamos naquele recinto e, como era a primeira vez que tinha oportunidade
de encontrar-me em uma Escola para crianças, pude observar que todas eram
acompanhadas por Espíritos, algumas felizes, e não poucas por Entidades cruéis
que, desde cedo, intentavam perturbá-las, vinculando-se-lhes psiquicamente.
Diversas podiam situar-se no diagnóstico de obsidiadas, tão estreito era já o
conúbio mental entre os desencarnados e elas, que não pude sopitar o interesse
de aprender mais, interrogando ao caro Mentor, que me observava com
serenidade:
- Sabemos que a criança é sempre um Espírito velho, que conduz muitas
experiências evolutivas, embora a forma em que se apresenta. Não obstante,
nesse período de infância sempre recebe maior apoio, a fim de que não haja
prejuízos e impedimentos ao processo reencarnacionista que está empreendendo.
Como se explicam, então, esses processos obsessivos que ora defrontamos?
Com a sua cordial bondade, o Orientador não se fez rogado, logo esclarecendo:
- Não ignorássemos que a misericórdia de Deus está presente em toda a Criação,
e não seria o ser humano quem marcharia sem a necessária proteção para
alcançar a meta que busca no seu desenvolvimento intelecto-moral. Todavia,
sabemos, também, que muitos processos de obsessão têm o seu início fora do
corpo físico, quando os calcetas e rebeldes, os criminosos e viciados reencontram
suas vítimas no Além-Túmulo, que se lhes imantam, nos tentames infelizes e de
resultados graves em diversas formas de obsessões. A obsessão na infância
muitas vezes é continuidade da ocorrência procedente da Erraticidade. Sem
impedir o processo da reencarnação, essa influência perniciosa acompanha o
período infantil de desenvolvimento, gerando graves dificuldades no
relacionamento entre filhos e pais, alunos e professores, e na vida social saudável
entre coleguinhas.
Irritação, agressividade, indiferença emocional, perversidade, obtusão de
raciocínio, enfermidades físicas e distúrbios psicológicos fazem parte das
síndromes perturbadoras da infância, que têm suas nascentes na interferência de
Espíritos perversos uns, traiçoeiros outros, vingativos todos eles...
Olhando, em derredor, enquanto não se iniciavam as aulas, apontou uma menina
loura de olhos claros e cabelos encaracolados com mais ou menos sete anos, que
gritava, agredindo outra com palavras e gestos vulgares, quase aplicando-lhe
golpes físicos. Parcialmente fora de si, foi retirada da cena chocante pela mestra,
que nesse momento chegava e, repreendendo-a, conduziu-a para dentro da sala.
Dando curso à explicação, Anacleto continuou:
- Aí está um exemplo. A pequenina, como podemos observar, é uma obsessa. No
lar é tida como recalcitrante e teimosa, não obstante os castigos físicos que lhe
aplicam os pais desinformados e confusos, por não entenderem o que ocorre com
a filha que esperaram com imenso carinho e os decepciona. Consultado um
psicólogo, o mesmo anotara distúrbios de comportamento, que vem tentando
solucionar, sem penetrar na causa dos mesmos, que lhe escapam por falta de
conhecimento dessa parasitose espiritual. No curso em que o processo vem
recebendo atendimento, dar-se-á que, no futuro, essa criança seja candidata a
terapias muito violentas e inócuas em grande parte, em razão das mesmas
alcançarem somente os efeitos, não erradicando a causa central. Os fármacos ou
neurolépticos conseguem, muitas vezes, auxiliar os neurônios na execução das
sinapses, bloqueando as interferências espirituais, porém por pouco tempo.
- E não terá ela - voltei a interrogar - a proteção do seu anjo da guarda, que
contribua para impossibilitar a obsessão?
- É certo que sim - respondeu, gentil. - Sucede, porém, que os débitos contraídos
são muito graves, e a misericórdia divina já vem amparando-a, sendo a
reencarnação o melhor instrumento para a sua reparação.
O processo, que se desenvolve sob as bênçãos da lei de causa e efeito, culminará
quando, certamente, a maternidade trouxer o adversário aos braços da sua antiga
inimiga, selando com amor os propósitos para futuros conúbios de felicidade.
Ninguém caminha a sós e, por isso mesmo, na conjuntura aflitiva em que a
menina se debate, o seu Espírito protetor muitas vezes impede que seja arrastada
pelo seu algoz para as regiões mais infelizes em que se situa, nos períodos do
parcial desdobramento pelo sono físico, dificultando-lhe o domínio quase total que
teria sobre as suas faculdades mentais e os seus sentimentos de afetividade e de
comportamento.
Procurando esclarecer-me mais, em torno do drama da obsessão na infância, o
Benfeitor elucidou:
- Inúmeros casos de autismo, quando detectados na primeira infância, procedem
de graves compromissos negativos com a retaguarda espiritual do ser, que
renasce com as marcas correspondentes no perispírito, que se encarrega de
imprimir as deficiências que lhe são necessárias para o refazimento. Outrossim,
aqueles que padeceram nas suas mãos cruéis acompanham-no, dificultando-lhe a
recuperação, gerando situações críticas e mui dolorosas, ameaçando-o com
impropérios e vibrações deletérias que não sabe decodificar, mas registra nas
telas mentais, fugindo da realidade aparente para o seu mundo de sombras, isto
quando não se torna agressivo, intempestivo, silencioso e rude...
Calou-se, por um pouco, logo dando prosseguimento às informações:
- Por uma natural lei de afinidade, os Espíritos renascem no mesmo grupo
consangüíneo com o qual agrediram a ordem e desrespeitaram os deveres.
Assim sendo, quando algum deles apresenta na infância a parasitose obsessiva,
os seus genitores igualmente aturdidos não dispõem de recursos para os
auxiliarem, utilizando-se da docilidade, da paciência, da compaixão, do fervor
religioso, que sempre se contrapõem às aflições dessa natureza. Desesperam-se
com facilidade, aplicam castigos físicos e morais injustificáveis no paciente infantil,
agravando mais a questão pelos resíduos que ficam nos sentimentos
prejudicados, especialmente o ressentimento, o ódio, a antipatia, a consciência da
injustiça de que foram objeto. À medida que atingem a maturidade e a idade
adulta, adicionam a esses transtornos íntimos, a mágoa contra a sociedade que
não lhes soube respeitar as aflições e mais as aguçaram com rejeição, críticas
ásperas e desprezo...
"A obsessão na infância é um capítulo muito expressivo para integrar a relação
das psicopatogêneses dos distúrbios de comportamento e mentais, necessitando
urgente atendimento especializado, desse modo facultando oportunidades para a
recuperação do paciente, para a sua saúde, para o ressarcimento dos seus
débitos através do bem que poderá fazer, ao invés do sofrimento que
experimenta."
Logo após, reflexionando, adiu em feliz conclusão:
- Quando luzir na Humanidade o conhecimento espírita e as sutilezas da obsessão
puderem ser identificadas desde os primeiros sintomas, muitos transtornos
infanto-juvenis serão evitados, graças às terapias preventivas, ou minimizados
mediante os tratamentos cuidadosos que o Espiritismo coloca à disposição dos
interessados.
No caso em tela, a terapêutica bio-energética, a sua participação nas aulas de
orientação evangélica sob a luz do pensamento espírita, a água magnetizada e a
psicoterapia da bondade, do esclarecimento, da paciência dos genitores libertá-laiam
da influência perniciosa, auxiliando-a a ter um desenvolvimento normal.
Concomitantemente, porque em ambiente propício, os Benfeitores da Vida Maior
poderiam também conduzir o seu desafeto ao tratamento espiritual desobsessivo,
alterando completamente o quadro em questão.
"É claro que os débitos por ela contraídos em relação às Leis Cósmicas não
ficariam sem a devida liquidação, mudando somente os processos liberativos, já
que o Pai não deseja a morte do pecador, mas sim a do pecado, como bem
esclareceu Jesus, o Psicoterapeuta por excelência. Como o amor libera do
pecado, todo o bem que viesse a realizar através da saúde comportamental e
psíquica se lhe transformaria em recurso terapêutico, liquidando as dívidas e
compromissos infelizes que lhe pesam na economia da evolução."
Quando o Instrutor silenciou, repassei mentalmente alguns casos de crianças
neuróticas, autistas, com distúrbios neurológicos, superativas, que houvera
conhecido na Terra e algumas que atendera particularmente, suspeitando da
presença de Entidades perturbadoras que as afligiam ou pioravam o seu quadro
orgânico, agora constatando que a epidemia da obsessão a ninguém poupa em
período algum da existência física ou mesmo após a desencarnação.
Desde que haja tomadas receptivas, que são os desacatos às Leis Divinas,
sempre existirão plugs para se lhes fixarem produzindo a ligação doentia e
desgastante da obsessão.
Permanecemos algum tempo na Escola acompanhando as atividades
educacionais que ali se realizavam, quando o vigilante Instrutor convidou-me a
segui-lo em direção à sala de Mauro.
5
CONFLITO OBSESSIVO
Ao adentrar-nos no recinto, deparamo-nos com uma cena dolorosamente
chocante.
A delicada criança que saudara o sacerdote, havia poucas horas, encontrava-se
sentada sobre os seus joelhos, enquanto, emocionado e aturdido, o inditoso
sedutor acariciava-a, falando-lhe palavras iníquas, que não eram alcançadas pela
mente infantil.
Revendo-se, de alguma forma, sendo seduzido pelo próprio pai enfermo, começou
a sentir-se estimulado e a perder o controle. A mente em desalinho disparava
ondas de energia mórbida, que logo atraíram o sequaz desencarnado da véspera,
que se lhe acercou truculento e vil, acoplando-se-lhe ao chakra coronário e
imantando-se ao paciente a partir do hipotálamo e descendo pela medula
espinhal...
O espetáculo tinha características truanescas, escandalosas, e a sala, com as
cortinas cerradas num ambiente de semi-obscuridade, facilitava a ocorrência
absurda.
A criança, totalmente seduzida, sem noção da gravidade do ato vil que iria
suceder, sorria ante as carícias do adulto, agora teleguiado pelo seu terrível
obsessor, comprazendo-se os dois no intercâmbio fisiopsíquico, que lhes facultava
o recrudescer das paixões mais primitivas. Lentamente o bafio pestilencial de
ambos passou a envolver o menino, que não podia suspeitar da trama sórdida,
quando se adentrou na sala a mãezinha desencarnada do pedófilo que, em
lágrimas, solicitou a Anacleto que interferisse antes da execução de mais um
crime.
O venerando amigo, compreendendo a gravidade do momento, e dando-se conta
da necessidade de uma terapia de emergência, cujos resultados fossem capazes
de frear futuras crueldades, retirou-se do recinto e trouxe, telementalizada, a
diretora do Estabelecimento que, estranhando o silêncio no ambiente e a porta
cerrada, solicitou a uma auxiliar a chave mestra, com a qual, abrindo-a,
surpreendeu o obsesso, segundos antes da prática do atentado ao pudor.
Tomada de espanto, e gritando, fez com que o indigitado parasse, trêmulo,
procurando apresentar escusas para o ato vergonhoso, enquanto o obsessor,
colérico e odiento, tentou agredir a mestra que, amparada por Anacleto, e
captando-lhe o pensamento, conseguiu dominar-se, libertando a criança das
garras do desequilibrado, e impondo-lhe com severidade:
- O assunto será tratado conforme convém em momento próprio. O senhor retirese
da Escola, por favor, imediatamente!
Tartamudeando, Mauro procurou justificar-se, elucidando que não havia nada
além de um mal-entendido, já que ele e a criança eram muito afins, e não via
motivo algum que, em verdade, justificasse a encenação do escândalo.
A senhora, visivelmente perturbada, segurou a criança no braço com energia, e,
embora pálida, manteve a atitude de advertência, solicitando-lhe o afastamento
imediato daquele lugar.
A providência radical operada pelo Mentor fora a única maneira de deter a onda
de crueldades que o sacerdote vinha praticando.
Atônito e envergonhado, Mauro afastou-se, quase cambaleante, sem forças para
prosseguir na própria defesa, face às evidências da sua conduta reprochável e
cruel.
Logo se afastou do Educandário, saiu, quase a correr, como se desejasse fugir de
si mesmo.
Convidado pelo Mentor, acompanhamo-lo, a fim de que fosse evitado outro tipo de
crime, que seria o suicídio, já que o indigitado obsessor, induzia-o à fuga da
realidade, cuja trama o subjugaria por tempo indeterminado na sua região
espiritual de obscenidades inimagináveis.
Enquanto isso, Anacleto solicitou, mentalmente, a cooperação de outro amigo
espiritual, e logo se apresentou o irmão Dilermando, que foi encaminhado para
inspirar a diretora, antes que a mesma assumisse uma conduta não conveniente
para o momento, envolvendo a criança, seus pais e a Escola em um escândalo
perfeitamente dispensável. O assunto teria que ser tratado com cuidados
especiais e com pessoas capazes de solucioná-lo, sem trazer seqüelas morais
para a criança e sua família, bem como para outros alunos não envolvidos no
drama infeliz.
Chegando à Casa paroquial, Mauro atirou-se sobre a cama e começou a soluçar,
quase convulsionando, enquanto era inspirado ao autocídio pelo seu inimigo soez.
Tremia como varas verdes e batia a cabeça na parede como se desejasse
arrebentá-la, a fim de ver-se livre da pressão cruel de que se sentia objeto. Quase
ardia em febre emocional que irrompera após o choque traumático...
A genitora desencarnada pôs-se a suplicar a misericórdia do Pai Todo Amor para
o Seu filho doente, reconhecendo a gravidade do delito, porém, aguardando,
senão o perdão, pelo menos uma nova oportunidade para a reparação dos
dislates que vinham sendo praticados.
O irmão Anacleto acercou-se do infeliz e começou a aplicar-lhe a bioenergia no
chakra coronário, desligando o obsessor, que se afastou ruidosamente,
blasfemando e ameaçando com impropérios nova urdidura de vingança, ao tempo
em que diminuía a capacidade de raciocínio e alucinação do atormentado jovem.
Prosseguiu na ação fluídica, agora distendendo-lhe energias relaxantes, que lhe
diminuíssem a rigidez nervosa, a fim de o adormecer, retirando-o
momentaneamente do casulo físico, de modo a prepará-lo para o enfrentamento
das conseqüências que a sua sandice havia provocado.
Não demorou muito e Mauro desprendeu-se parcialmente do corpo, sendo
carinhosamente recebido pela genitora e por nós outros.
Estavam estampados no seu rosto o horror e a vergonha, o desespero e o medo,
não entendendo o que acontecia naquele momento.
Reconhecendo a mãezinha enternecida, atirou-se-lhe aos braços, qual criança
assustada que busca apoio, e entregou-se às lágrimas de dor e angústia que lhe
explodiam do peito.
A nobre senhora procurou acalmá-lo com palavras de ternura impregnadas de
dúlcido amor, enquanto o infeliz se maldizia, acusando o genitor que o desgraçara
emocionalmente.
- Não acuses o teu pai - propôs a Entidade gentil - procurando justificar um erro
através de outro. Sem dúvida, a conduta do teu desditado genitor é perversa e
infame, no entanto isso não se faz argumento para que te atires pela mesma
rampa da alucinação, destruindo a esperança e a pureza de outras vidas que
chegam ao teu regaço, buscando orientação e apoio. A fé religiosa que elegeste é
filha do Calvário, havendo nascido dos lábios e da conduta de Jesus, quando
preconizou o amor e a caridade, as bem-aventuranças e a misericórdia, nunca um
valhacouto para que nele se homiziassem destruidores de existências infantis, que
necessitam de exemplos de dignidade e honradez, para prosseguirem pela senda
evolutiva.
Parecendo coordenar as idéias, igualmente aflita como se encontrava, prosseguiu,
severa, embora sem censura:
- Como pudeste, filho amado, utilizar das tuas forças mentais e físicas para
perturbar e desorganizar projetos espirituais materializados em vidas, que são
encaminhados para os teus sentimentos? Onde colocaste o raciocínio e os valores
morais, para perderes completamente a dignidade e desceres ao abismo das
aberrações, utilizando-te dessas flores ainda não desabrochadas, que são as
crianças? Como podes alucinar-te ante elas e feri-las mortalmente, a fim de dares
vazão aos teus vícios e perplexidades? Onde tens colocado Deus e Seu filho
Jesus?
Como conseguiste expulsá-los da mente e do sentimento?
- Sou um monstro, mamãe - gritou, estorcegando-se - que não merece sequer
misericórdia, quanto mais o perdão. Não nego que conheço a gravidade do meu
delito e que me debato na prece, procurando amenizar a volúpia insana que me
toma com freqüência. Mas não consigo libertar-me da sede maldita. Sinto-me
arrastar cada dia para a parte mais profunda do abismo, sem esperança de
retorno, asfixiando-me com sofreguidão no pântano a que me arrojo. Apieda-te de
mim, tu que convives com os anjos dos Céus!...
- Sem dúvida, tenho-te buscado amparar - explicou a senhora dedicada - mas
vives surdo aos meus apelos. Os anjos do Senhor têm-te procurado proteger e
resguardar-te da doença sórdida que te devora de dentro para fora, mas os
impulsos inferiores que vitalizas com a mente em desalinho não te permitem
escutá-los, e foges para o deboche, para as cenas de perversão que registras em
películas para futuros gozos... As tuas horas, que deveriam ser de estudo,
meditação, prece e caridade, como recomenda o Evangelho libertador, aplica-as
em viagens, mantendo contato com outros atormentados como tu mesmo,
intercambiando fotografias obscenas e películas devassas, nas quais as
personagens são essas vidas em formação, que com eles arrebentais, nos tristes
espetáculos de aberração e selvageria. Hoje, meu filho, soa o teu momento de
retificação, de despertamento. A dor, que te dilacerará a alma, a partir deste
momento, será também o teu salvo-conduto para novas experiências de
reparação. Não temas o aguilhão, nem fujas do necessário resgate, seja qual for o
preço que se te imponha. Agora ouve o que te orientará o Benfeitor Anacleto, que
veio, atendendo aos meus e aos teus rogos, para auxiliar-te.
Mauro relanceou o olhar e deparou-se conosco, tomado de grande espanto.
Recompôs-se, sentando-se no leito, e sem ocultar a vergonha que o dominava,
continuou chorando em silêncio.
Anacleto, portador de grande sabedoria e com admirável tato psicológico saudouo
em nome de Jesus, conforme faziam os cristãos primitivos, e elucidou:
- Todos procedemos do mundo de sombras dos instintos, adquirindo lentamente a
razão, a fim de alcançarmos a angelitude distante, que nos aguarda. Essa jornada
imensa e grandiosa é assinalada por dificuldades e desafios crescentes. Não é,
pois, de estranhar, que muitos de nós nos demoremos na retaguarda, vinculados
aos prazeres apaixonantes e escravizadores com os quais nos comprazemos.
Etapa a etapa, experiência a experiência, adquirimos entendimento e
compreensão dos deveres que, só vagarosamente, nos libertarão dos vícios
longamente preservados.
Somos efeito dos próprios atos, trabalhando para alcançar patamares mais
elevados de virtudes e de santificação. Desse modo, encontras-te recolhendo a
urze deixada pela estrada, que deves retirar, percorrendo-a novamente, agora a
duras penas. O crime praticado vincula o seu responsável ao cenário onde
aconteceu, e somente retornando ali é que o mesmo terá recursos para superar as
conseqüências inditosas dele resultantes.
Mauro estava surpreso. Ignorava completamente o que estava acontecendo. Em
determinado momento, tomado de mais espanto, indagou, quase a medo:
- Quem sois? Algum anjo julgador dos meus erros ou Emissário divino para punirme?
- Nem uma, nem outra coisa - respondeu o generoso Espírito. - Sou teu irmão, que
vem em teu auxílio, atendendo as rogativas que dirigiste ao Senhor da Vida, qual
vem fazendo tua genitora sofrida e ansiosa. Aqui estou, a fim de despertar-te para
o dever que ficou esquecido, e para o ressarcimento dos gravames que têm sido
praticados, nas orgias da loucura e da perversão. Não te censuramos, menos te
julgamos, porque também já transitamos pela Terra, conhecendo as armadilhas
que nos retêm o passo e as dificuldades que se multiplicam, a cada instante,
ameaçadoras. Não te espantes, portanto. Somos teu companheiro de jornada,
mais vivido, é certo, porém, mais sofrido, mais confiante em Deus.
- Por que, então, a sina que me desgraça, este destino cruel que me consome,
essa perturbação que me cilicia, se fui vítima de meu pai e sei quanto é cruel para
uma criança a marca que lhe fica após o atentado ao seu pudor?
- Somos viajantes e sobreviventes de muitas marchas e procelas, nas quais
assumimos comportamentos indesejáveis e crucificadores, que se repetem até
que os superemos pelo amor que vem de Deus e teimamos em não levar em
consideração.
Esse estigma te segue, desde há muito, quando te entregaste a desmandos e
desvarios sexuais, em ocasião que desfrutavas do poder transitório no mundo
terrestre. Iremos fazer-te recordar algumas das cenas mais fortes que ficaram
gravadas em teu mundo íntimo, e de onde procedem os males atuais que te
aturdem.
Repousa...
O corpo de Mauro se encontrava em sono profundo, enquanto, em espírito, era
também adormecido, a fim de que a sua memória liberasse algumas lembranças
anestesiadas pelos neurônios cerebrais e seus neuropeptídeos. Com a voz muito
calma, em cadência harmônica, o Instrutor impunha o repouso profundo ao
paciente:
- Recorda, agora recorda o início do século XIX; volve à Paris napoleônica, retorna
à Mansão de M., às orgias comandadas por Madame X... Observa o bosque em
torno da casa palaciana e acompanha as festas de exaustão dos sentidos, a
embriaguez pelo álcool, pelo absinto, pela luxúria esfuziante e depravada...
Madame X comanda o espetáculo, em razão dos seus vínculos obscenos e
extravagantes com o palácio das Tulherias, a mansão de Malmaison e alguns dos
seus famosos políticos e parasitas sociais...
O nobre Amigo espiritual sugeriu-nos que nos concentrássemos no centro da
memória do paciente e acompanhássemos o desenrolar dos fatos.
À medida que lhe da enunciando o lugar e seus acontecimentos, o rosto de Mauro
se modificava, assumindo outras características, agora femininas e vulgares.
Vagarosamente plasmavam-se nos delicados tecidos perispirituais as formas e a
aparência anteriores, quando, utilizando-se de verbetes e versos fesceninos, o
paciente sob hipnose volveu ao lupanar onde vivia e comandava a orgia
desenfreada.
Entre as ordens que seus lábios expediam, assinalava-se a hedionda imposição
da necessidade de crianças para os banquetes da loucura desenfreada, de
psicopatas e de histéricas para os histriões e viciados que, à semelhança de
animais no cio, se atiravam uns sobre os outros locupletando-se em aberrações
de muitos gêneros sob o comando compassivo da proprietária, igualmente
debochada.
Num desses momentos, um lacaio apresentou-lhe uma criança de oito anos que
ora tomada quase à força do pai devotado e trabalhador, que residia na periferia
da cidade, e que se encontrava à porta, desejando falar-lhe, suplicar-lhe a
libertação da presa valiosa.
A infeliz mulher mandou-o entrar, e, sem delongas nem pudor, propôs ao genitor
aturdido a compra do seu filho, atirando-lhe um saco de moedas de ouro que,
recusadas, conduziram-no a um quase delírio de ódio, ameaçando-a com palavras
chulas de vingança pelo descalabro de roubar-lhe o filho... Expulso, sem piedade,
e sem ter a quem queixar-se, o desditoso, em pranto e alucinado, desapareceu na
noite, ruminando o desforço ante a tragédia que se abatera sobre o seu lar.
- Reconheces, Mauro - interrogou o Mentor- esse homem que vitimaste com a tua
crueldade e desabrida falta de moral? Reencarnou-se como teu genitor, e não te
havendo perdoado, sem mesmo saber a procedência dos sentimentos ambíguos
que mantinha em relação a ti, tornou-se o teu algoz infantil, o cruel explorador das
tuas forças e pureza. Desditoso, sim, continua, porque ninguém tem o direito de
fazer justiça com a própria indignidade, pois que as Leis Soberanas da Vida
sempre buscam o calceta e o alcançam, levando-o à reparação. O ódio, porém,
semeia venenos que são absorvidos, intoxicando aqueles que o conservam.
Houve um silêncio de perplexidade. Mauro/Madame X, comoveu-se, e estertorou.
Anacleto, porém, prosseguiu:
- Conservas uma herança infeliz daqueles dias passados em desrespeito à Vida.
A misericórdia do Pai Criador trouxe-te de volta ao corpo, a fim de reparares,
encarcerado em corpo diferente, e para que não resvalasses pela borda de novos
crimes, porém como filho daquele a quem infelicitaste, para experimentares o licor
amargo da recuperação moral. Isso, entretanto, não justifica o desbordamento das
paixões a que te vens atirando, afogando-te no trágico pantanal de lascívia e
perversão.
O paciente sofria ante as cenas que ressumavam do inconsciente, e que
conseguíamos acompanhar na sucessão de suas tragédias.
Repentinamente, vimos um poderoso membro do Império napoleônico acercar-se
da grandiosa mansão com o seu séquito, e manter entrevista com Madame X.
- Necessitava - expunha, diabólico, logo que foi recebido - de carne moça, muito
jovem, sem experiência, a fim de ser-lhe o iniciador...
Madame, besuntada de tintas escarlates na face envilecida, não teve dificuldade
em atender a hórrida solicitação, mandando trazer-lhe a criança recém-chegada
ao bordel de luxo, após o que entregou-a ao psicopata que, cansado de batalhas
cruéis e de excessos de perversão, aspirava por prazeres novos ainda não
desfrutados à exaustão.
O menino, apavorado, conduzido à força, foi entregue ao militar desnaturado, que
o levou com a sua corte igualmente insensata...
A voz do Benfeitor fez-se ouvir, interrogativa:
- Sabes quem é este ser? Consegues identificá-lo hoje? Dir-te-ei que o mesmo, ao
largo dos anos, adaptou-se à situação, mantendo terrível ódio contra ti. Na idade
adulta, tornando-se corrompido ao máximo, nunca esqueceu a cena em que o pai
desesperado recusou a oferta de ouro pela sua inocência e a tua perversidade
empurrou-o para o lixo e o apodrecimento moral a que foi relegado. A morte, que a
todos recolhe, tomou-vos a todos, e a Vida voltou a reunir-vos no momento
próprio, a fim de que recupereis os tesouros atirados fora e as oportunidades
perdidas. Sabes de quem se trata?
O sacerdote, incapaz de responder com segurança na aflição que o dominava,
facultou que o Mentor concluísse:
- É o algoz que ora te arrebata e te conduz ao abismo sórdido da cidade do
deboche onde reside com outros comensais dos prazeres exorbitantes e
exaustivos do sexo pervertido. Manténs com ele identificação vibratória que lhe
faculta o domínio das tuas forças mentais, saturando-te de fluidos venenosos e
desordenados desejos de prazeres não saciáveis.
Após uma curta pausa, voltou a propor com energia e bondade:
- Agora, desperta, volta à consciência lúcida atual. Volta... acorda... confia e
tranqüiliza-te...
O Espírito estremeceu, desapareceram-lhe as marcas da reencarnação anterior e
ele abriu os olhos, angustiado, inseguro, temeroso.
- Tem bom ânimo, meu irmão - acalmou-o o nobre Anacleto. Estás agora entre
amigos e companheiros do caminho, que te desejamos o bem, a felicidade, o
despertar para a vida, a fim de que esse tormento e esse capítulo hediondo da tua
existência cedam lugar a novas experiências iluminativas, libertadoras.
Voltarás ao corpo físico mantendo vagas lembranças destas ocorrências, que
estarão presentes em tua memória atual, a fim de ajudar-te a enfrentar as
conseqüências da conduta atroz a que te relegaste. Nunca, porém, esqueças de
Jesus. Abraças uma doutrina religiosa que consagrou santos e heróis, mártires e
benfeitores da Humanidade, na qual também tiveram lugar homens e mulheres
temerários, que respondem por crimes contra a criatura e a sociedade, mas que te
poderá conduzir à paz, se souberes aceitar as injunções que desencadeaste
contra ti mesmo e que logo mais te chamarão ao acerto de contas.
A genitora abraçou-o com especial ternura, despedindo-se e acalmando-o com
palavras tecidas em fios de esperança e fé em Deus, auxiliando-o a reintegrar-se
ao corpo, que ressonava um pouco agitado, pelos reflexos dos acontecimentos
revividos na esfera espiritual.
A seguir, vimos Mauro despertar, sentindo-se muito cansado e confuso. Levantouse,
banhou o rosto em água fria, absorveu o ar da manhã em festa, aproximandose
do meio-dia, e volveu à meditação, sucumbindo sob os camartelos dos receios
que o dominavam.
6
SOCORROS ESPIRITUAIS
Trêmula e perplexa, a diretora do Educandário conduziu a criança, que de nada se
apercebera, à sua sala, derreando-se na cadeira, enquanto tentava coordenar as
idéias. Era a primeira vez que se deparava com algo tão estarrecedor e debatia-se
em rude confusão mental, por não saber qual a atitude correta a tomar. Jamais
poderia ocorrer-lhe um pensamento de que o jovem sacerdote fora capaz de algo
tão inditoso e cruel. Nesse estado de espírito, vinculada à religião dominante,
apesar do choque sofrido, buscou sabiamente o concurso da oração silenciosa, a
fim de ser inspirada, enquanto o menino aguardava instruções.
Nesse comenos, utilizando-se da natural concentração da senhora, Dilermando
envolveu-a com fluidos refazentes e calmantes, asserenando-a e inspirando-a a
comportamento de equilíbrio, já que um escândalo em nada auxiliaria a Escola, à
quase vítima, aos demais alunos e aos seus familiares.
A Mídia insensata, que se compraz em escabrosidades, logo se envolveria,
tornando o fato isolado uma tragédia generalizada, criando situações muito
embaraçosas para todos.
Assim, quando as idéias se lhe aclararam, ela solicitou a uma auxiliar conduzir o
menino à sua sala, diluindo a gravidade da ocorrência que não deveria tomar
dimensões maiores do que as reais.
Nada obstante, o conflito permaneceu-lhe na mente, considerando a alta
responsabilidade que lhe pesava sobre os ombros.
Durante as horas que se passaram, interrogava-se, interiormente:
"Ter-se-ia equivocado ou chegado a uma conclusão por demais apressada? E, se
realmente, o gesto de carícia do sacerdote não passasse de uma atitude de
enternecimento sem máculas nem intenções mórbidas?"
Invariavelmente, as pessoas sempre analisam a conduta das outras, conforme as
suas possibilidades e os seus padrões de comportamento, transferindo ou não
para as demais suas culpas, suas inquietações, seus valores éticos.
Resolveu, desse modo, após muitas reflexões, aguardar os acontecimentos
futuros, o reencontro com Mauro.
Naquela noite, o Benfeitor providenciara atrair o obsessor do sacerdote à atividade
mediúnica de socorro, na Instituição em que nos alojávamos, utilizando-se do
concurso de alguns médiuns bem orientados e capacitados para o labor
específico.
À hora regulamentar da Instituição, os membros da equipe socorrista reuniram-se
como de hábito para a atividade da noite. Tratava-se de um grupo bastante
harmonizado, qual uma orquestra bem treinada sob a batuta de devotado
trabalhador da Causa Espírita, o amigo Felipe, que militava nos seus diversos
labores há algumas décadas, e que se afeiçoara, especialmente, ao ministério da
psicoterapia com desencarnados infelizes.
Após as leituras preparatórias e os comentários breves que antecederam à oração
de abertura dos serviços espirituais, a Mentora da Instituição trouxe palavras
sucintas de orientação em torno dos trabalhos terapêuticos que teriam lugar
naquela noite, e alguns dos médiuns, recolhidos em prece, a pouco e pouco
entraram em transe, facultando que as comunicações dos Espíritos sofredores
uns, atormentados outros, tivessem lugar.
O médium Ricardo havia-se destacado pela facilidade da ocorrência dos
fenômenos da psicofonia e da psicografia. Adestrado pelo estudo e prática da
mediunidade com Jesus, era sensível e gentil aos apelos do Mundo Maior, jamais
se recusando ao serviço de esclarecimento e de caridade para com os Espíritos
infelizes.
Desde quando fora deslocado do organismo de Mauro, o seu adversário ficara
emaranhado nas vibrações do irmão Anacleto que o retinham, embora o mesmo
não se desse conta. Porque estivesse curioso com a sucessão das ocorrências
que envolviam o seu desafeto, acompanhou-nos ou foi conduzido para que
participasse da experiência evocativa dos desmandos praticados pelo desastrado
sacerdote, comprazendo-se em sentir-lhe os sofrimentos que o desvairavam.
Planejada a ação do Bem, o servidor de Jesus concentrou-se fortemente no
desditado espiritual e trouxe-o, face à imantação psíquica, ao reduto da caridade
evangélica, aproximando-o do médium Ricardo, que lhe pressentiu a vibração,
deixando-se incorporar embora o visitante não o desejasse.
Ato contínuo, entre estremecimentos e reações compreensíveis, o agressor
desnaturado, dando-se conta do que ocorria, rugiu, raivoso, com dificuldade verbal
para expressar-se:
- Que trama é esta? Que se passa? Que se deseja de mim?
Concomitantemente, procurava desembaraçar-se dos fluidos que o retinham
ligado ao perispírito do médium em transe, que se entregara totalmente ao
fenômeno da psicofonia atormentada.
O irmão Felipe, muito sereno, inspirado pelo ativo Mentor, elucidou que não se
tratava de uma armadilha, mas de um encontro muito feliz, por ser aquela a Casa
de Jesus, onde o amor tinha primazia e os visitantes eram recebidos como
verdadeiros irmãos, que realmente o eram.
Blasfemando e espumando de cólera, o indigitado comunicante inquiriu:
- Sabe quem eu sou e o que faço? Por acaso se atrevem a interferir em meus
planos que se encontram dentro das Leis da Vida? Sou vítima, que ora se
compraz em recuperar o tempo sofrido, impondo a adaga da justiça sobre aquele
que me infelicitou, aguardando apenas o momento para aplicar-lhe o golpe final.
Sem perder a serenidade, o doutrinador ripostou:
- Sentimo-nos muito felizes por recebê-lo, sendo informado dos seus objetivos,
que lealmente ignorávamos. Discordamos, porém, que o processo de que se
utiliza para o desforço se encontre dentro dos Códigos Superiores, porque o amor
é o único instrumento para regularizar todas as situações penosas e infelizes da
trajetória humana. Desde que o amigo é vítima, desfruta de uma situação
privilegiada, porquanto o algoz é sempre o infeliz que desacata o Estatuto Divino e
passa, a partir desse momento, a experimentar-lhe os impositivos reparadores,
não cabendo .a ninguém o direito de vingança, que é sempre um ato de
inferioridade moral.
- Como aguardar que as Leis se cumpram, se elas estão fixadas em nossos
sentimentos? Aquele que me infelicitou fez o mesmo a muitas outras vidas que ora
estorcegam na agonia, enquanto o miserável mistifica em nome da Religião, na
qual esconde a indignidade para dar prosseguimento aos seus infames propósitos.
É claro que o inspiro à continuidade, porque isso também me satisfaz, e, nos
momentos do seu desprendimento pelo sono, arrebato-o para a cidade onde
resido com outros, e onde ele se compraz no deboche e na exaustão dos
sentidos. Já nem sei se o odeio ou se me agrada o conúbio com a sua
degradação.
- O amigo não está sendo sincero com a verdade. Certamente reconhece que os
semelhantes se atraem, enquanto os contrários se repelem, o que constitui uma
das leis da Vida. O mesmo ocorre entre as criaturas, que sempre se unem ou se
afastam em razão das afinidades que vicejam entre elas. Se o amigo-irmão tem tal
postura ante a sua vítima, é porque a sua não é uma situação diferente da que ele
mantém. Quanto a levá-lo para o lugar em que se refugia, o fato ocorre em razão
da mente distorcida e vulgar que o outro cultiva, preservando a morbidez e a
intemperança, sem o que lhe seria totalmente inviável o êxito do que pretende.
- O certo é que o matarei, senão de imediato, ao primeiro ensejo - disparou feroz.
Desde o primeiro momento, quando do encontro com o perverso inimigo de
Mauro, chamou-me a atenção a sua fácies deformada, o conjunto de aberrações
expostas e o aspecto de lesma disforme, viscoso e tresandando odores pútridos.
Imantado fortemente ao perispírito do médium sensível, mais se podiam perceber
os detalhes da deformação que lhe tomara o ser ante os desmandos e práticas
absurdas a que se entregava. O seu psiquismo, concentrado nas funções sexuais
servis, havia criado na sua estrutura perispiritual uma forma degenerada que
traduzia os seus conflitos e torpezas.
Sentindo-se fortemente aprisionado nos tecidos vigorosos do corpo perispiritual do
sensitivo, blasonou:
- Aqui me encontro porque quero, podendo retirar-me no momento que me
comprazer.
- Não duvido, concordou Felipe. Apesar disso, a sua visita tem um fim, um
propósito muito elevado. Trata-se da sua felicidade, que vem postergando ao
longo do tempo, cada dia mais desnaturado e sofredor.
- Está equivocado - redarguiu, com sonora gargalhada. - A felicidade em mim é o
prazer que desfruto nas atividades sexuais com parceiros humanos, adultos e
especialmente crianças que muito me agradam. Para tanto, disponho de um
instrumento perfeito, que se oculta no disfarce da Religião e da Educação para
dispor de mais variado estoque de comparsas, alongando-me pelas sensações
exuberantes que fruo na comunidade onde vivo ditoso...
- Todo esse prazer e felicidade são fictícios, porque se trata de uma ilusão a que o
amigo se impõe, e que, mediante ideoplastia muito bem elaborada, experimenta
como fixações que lhe ficaram do corpo físico, hoje um monte de ossos ou pó que
o tempo transformou. O mesmo ocorrerá, se é que não vem sucedendo, com as
suas atuais aspirações e gozos. O Espírito não necessita dos envolvimentos
materiais para alcançar a felicidade. Quando assim ocorre, ele mesmo se
equivoca, mantendo toda uma estrutura de quimeras e absurdos com os quais se
auto-hipnotiza, vivenciando aquilo que não mais pode ocorrer. A realidade, que
nunca falta, se encarrega de esboroar os castelos da ilusão e despertar para a
consciência, dilacerada por muito tempo pela perversidade, pelo egoísmo, pelas
enfermidades interiores do Espírito... Este é o seu momento de
autoconscientização através do contato conosco. Observe o corpo de que se
utiliza neste instante. Dê-se conta dos limites que lhe impõe. Sinta as experiências
diferentes que lhe transmite, as sensações de paz e de esperança, emoções já
quase esquecidas...
- Não me faça rir - interrompeu o obsessor, abruptamente. - Afinal, sou eu quem
tem muito a comentar e não você que nada entende da realidade do lado de cá.
Neste mundo no qual me movimento, a mente é tudo, e com ela cada qual
experimenta o que melhor lhe apraz.
- Não ignoramos isso, os espiritistas, que transitamos de uma para outra faixa
vibratória e mantemos contato contínuo com essa esfera das causas. O fato a que
me refiro são as construções mentais doentias, os redutos de ignorância e de
crueldade, de licenças morais e vacuidades espirituais, que um sopro do amor da
Realidade dilui, tudo reduzindo a expressões que não mais podem atender aos
desmandos dos tresvariados como o amigo...
Observe que o fenômeno que agora ocorre é quase o mesmo que se dá, quando
você envolve aquele que o prejudicou. Somente que esta ocorrência é proposta
como terapêutica e a sua influência tem limites, em razão dos controles morais do
médium de quem se utiliza.
- Reconheço que o posso comandar com limites esclareceu, desagradado. - Não
obstante, as energias que ele exterioriza não conseguem impedir-me a lucidez
nem a minha própria vontade. O certo é que este diálogo, que se alonga inútil, não
conseguirá alterar o meu comportamento. Volverei ao meu reduto, onde me
reabastecerei de forças para dar prosseguimento à guerra.
- A guerra, amigo querido, está dentro das fronteiras do seu mundo íntimo, em
razão dos seus conflitos e desordens morais, que o consomem sem o aniquilar,
que o desarticulam sem o destruir. Somente o amor possui os valores e recursos
que propiciam a paz, estando ao alcance de todos aqueles que o desejemos
vivenciar.
Não se engane mais, nem continue mentindo a si. Você sabe que a sua hora soa
e chega o instante da sua renovação. Ninguém pode prosseguir por tempo
indeterminado nos propósitos inferiores sem que haja a intervenção divina.
Totalmente envolvido pelos fluidos do médium e pelas vibrações emanadas do
Mentor Anacleto, o inditoso começou a blasfemar e a repetir ameaças que faria
estremecer até mesmo estruturas emocionais mais resistentes.
Felipe, sem perder o autocontrole, conduzido espiritualmente aproximou-se do
médium em transe e começou a aplicar energias balsamizantes, enquanto
elucidava:
- Por hoje o nosso diálogo está encerrado. Não faltarão outras oportunidades para
esclarecimento. O nosso desejo de afastá-lo daquele a quem explora
psiquicamente, roubando-lhe as energias e o discernimento, aguçando-lhe os
desejos inferiores, está coroado de êxito. Você será mantido em tratamento
especializado em outra área do mundo causal, recuperando-se a pouco e pouco,
de forma que desperte completamente lúcido para outra realidade.
O verbo ameno e caridoso, as vibrações saudáveis que eram aplicadas no
médium e no Espírito culminaram com o afastamento do sofredor, logo recolhido
por cooperadores da Equipe espiritual da Casa, naquele momento sob a direção
do irmão Anacleto.
As atividades mediúnicas prosseguiram com outras psicofonias dolorosas,
assinaladas pelo sofrimento, pela revolta, pela angústia, pela necessidade de paz,
assinaladas pelos comunicantes espirituais.
O Espírito é, realmente, o construtor das suas emoções que variam da desdita à
plenitude. De acordo com os comportamentos mentais e emocionais, as condutas
no cotidiano, constrói-se, projetando na direção do futuro todo esse arsenal de
realizações que lhe constituem o patrimônio existencial.
Enquanto o agressor de Mauro era adormecido em nossa esfera de ação,
interroguei o irmão Anacleto:
- Considerando-se que o amigo espiritual atendido não estava interessado na
própria renovação, trazê-lo a contragosto a esta reunião de esclarecimento e de
libertação, não incidiria em violência contra o seu livre-arbítrio?
Com paciência e sabedoria o interrogado esclareceu-me:
- O livre-arbítrio é concessão divina que tem caráter relativo, não podendo ser
facultado sem responsabilidade por aquele que o utiliza. No caso em tela, a fim de
auxiliarmos Mauro, que necessita de recuperar-se dos males praticados, somos
convidados a contribuir em favor de todos aqueles que se encontram enredados
nas teias dos problemas desencadeados pela insânia dele. E porque o mal que
Jean-Michel este é o nome que teve na reencarnação anterior persiste em
preservar, arrastando o seu inimigo e a si mesmo desvairando, não pode
permanecer indefinidamente, o nosso ato é de misericórdia e de compaixão, não
constituindo violência, porque o seu discernimento encontra-se obliterado pela
paixão alucinada. Qual ocorre com crianças e jovens, ou mesmo com adultos sem
amadurecimento psicológico e moral, determinadas decisões não necessitam de
passar-lhes pelo crivo da opinião, porque destituídos de discernimento não
saberiam o que ou como fazer. Não poucas vezes, determinados tratamentos
cirúrgicos e psiquiátricos são decididos pela família do paciente, mesmo que sem
o seu consentimento, a fim de salvar-lhe a existência. A responsabilidade é o
melhor aval para a utilização do livre-arbítrio, mas que ainda falta a muitos
Espíritos durante o seu atual processo de evolução.
"Certamente a Vida estabelece os seus Códigos e a transgressão dos mesmos
gera as ocorrências que se transformam em infortúnio para os seus desavisados,
estejam ou não conscientes da responsabilidade da ação que pratiquem.
É óbvio que haverá sempre fatores ponderáveis que são levados em conta,
agravando ou diminuindo as conseqüências, conforme a consciência de cada um."
A movimentação espiritual era muito grande na sala, relativamente exígua no seu
espaço físico. As paredes, no entanto, haviam desaparecido e o ambiente
alargava-se além dos limites estabelecidos pela construção material. Genitores
aflitos já desencarnados traziam solicitações de socorro aos filhos rebeldes e
ingratos que ficaram na Terra, rogando amparo e libertação das Entidades
inferiores com as quais se compraziam; esposos saudosos imploravam ajuda e
oportunidade para enviarem notícias aos parceiros que ficaram no mundo; amigos
ansiosos requeriam o concurso dos Benfeitores em favor dos companheiros da
experiência carnal; obsessores de má catadura apareciam intempestivamente,
arrebanhados para área própria de contenção, tudo porém supervisionado pela
Mentora da Casa, assessorada por um grupo de especialistas em socorro
espiritual, que se movimentavam com discrição e ordem, preservando o ambiente
psíquico.
Sobre a mesa mediúnica uma faixa de luz diamantina descia de ignorada região,
envolvendo todos aqueles que ali se encontravam no ministério socorrista.
Vibrações vigorosas vinculavam uns aos outros trabalhadores, formando um
círculo luminoso que os mantinha em equilíbrio.
Na assistência, fora da mesa onde se dava a maioria das comunicações, círculos
de luz variavam de tonalidade conforme a emissão de onda de cada pessoa,
concentrada ou não, vibrando em uníssono com os Espíritos trabalhadores, ou
que, por uma circunstância qualquer se distanciava do local através do
pensamento indisciplinado, ali permanecendo fixado às impressões que lhe eram
familiares e nas quais se comprazia, porém sem nenhuma luminosidade.
Aparentemente encontrava-se deslocada das correntes de energia que a todos
uma num todo vibrante e harmonioso, sem que, todavia, se encontrasse à míngua
de proteção em relação aos seus inimigos pessoais...
Uma reunião mediúnica de qualquer natureza é sempre uma realização nobre em
oficina de ação conjugada, na qual os seus membros se harmonizam e se
interligam a benefício dos resultados que se persegue, quais sejam, a facilidade
para as comunicações espirituais, o socorro aos aflitos de ambos os planos da
vida, a educação dos desorientados, as terapias especiais que são aplicadas, e,
naquelas de desobsessão, face à maior gravidade do cometimento, transforma-se
em Clínica de saúde mental especializada, na qual cirurgias delicadas são
desenvolvidas nos perispíritos dos encarnados, assim como dos liberados do
corpo, mediante processos mui cuidadosos, que exigem equipe eficiente no que
diz respeito ao conjunto de cooperadores do mundo físico.
Acercando-se o momento do encerramento das atividades da noite, após a
aplicação de passes coletivos nos médiuns e demais membros do grupo,
dispersão das energias condensadas que haviam ficado como seqüelas das
comunicações e mesmo da psicosfera produzida pelos mais infelizes, o irmão
Anacleto foi convidado a transmitir a mensagem final de encorajamento e de
iluminação a todos os presentes por solicitação da Diretora espiritual.
Orando silenciosamente para o cometimento, o Amigo tomou os recursos
psicofônicos de Ricardo, que se iluminou, exteriorizando peculiar claridade nos
chakras coronário e cerebral, em tonalidade violáceo prateada que lhe tomava
todo o sistema endócrino, partindo da glândula pineal, verdadeiro fulcro de luz, e
percorrendo todas as demais, com predominância nas do aparelho genésico que
emitia radiações poderosas, sustentando a bomba cardíaca, os pulmões, os rins e
todo o organismo.
O médium apresentava-se transfigurado, com a face em delicado sorriso e em
serenidade, facultando que o pensamento do comunicante fosse decodificado pelo
seu cérebro e transformado em palavras.
"Amigos-irmãos - começou o nobre Espírito -prossiga a paz de Jesus em nossos
corações.
O amor que flui de Nosso Pai jamais cessa.
Expressando-se de mil formas alcança todas as manifestações da Sua vontade
materializada no universo.
Vibrando nas micropartículas e imantando o Cosmo, mantém a ordem e o
equilíbrio das moléculas e das Esferas que pulsam além da nossa imaginação.
Entre nós, manifesta-se como dever em relação ao nosso próximo, após a própria
transformação moral para melhor. Sem essa renovação interior, mui dificilmente
alcança outros corações. Exteriorizando-se como forma de construir a alegria em
outras vidas, para tornar o mundo melhor e as criaturas menos sofridas, é o
alimento das almas, sem o qual todas pereceriam.
Extrapola a dimensão do mundo físico e agiganta-se além da organização
material, abrangendo os espaços siderais onde estão edificados os ninhos
espirituais e as mansões da felicidade, descendo aos pauls da miséria moral e da
vergonha, nos antros de devassidão e de perversidade...
Luze, soberano, em todo lugar, e vige como força que conduz à meta da
felicidade.
Nada obstante, o egoísmo humano engendra a rebeldia e a ignorância das Leis,
proclamando a vigência do ódio, que é apenas doença da alma, produzindo
alucinações e desaires.
Atos irrefletidos, comportamentos desastrosos, ações perversas, que são frutos
espúrios da ignorância e do egotismo, enfermam os Espíritos que se alucinam,
convidando-os aos revides e às desestruturadas vinganças, aos disparates da
revolta que consumam com atitudes de perseguição e de insânia, perdendo o
tempo e a oportunidade de serem plenos.
Surgem, então, os espetáculos inditosos das obsessões vigorosas, nas quais o
intercâmbio de vibrações deletérias ceifa a alegria e a paz, a saúde e o júbilo,
arrastando-se por largos períodos de insânia e desespero, quando poderia ser
muito diferente, caso se permitisse que o amor lenisse as mágoas e apagasse os
sentimentos de revolta... E vemos a multidão aturdida, sobrecarregada pelo peso
das alienações espirituais de simples como de complexo conteúdo
psicopatológico.
Por outro lado, esses processos de orgulho e de presunção desencadeiam
transtornos emocionais e psíquicos que se convertem em enfermidades
dilaceradoras cruéis, transformando o planeta em um grande hospital, quando a
sua é a função de escola, para educação e para reeducação, reduto de
crescimento íntimo e de iluminação interior.
Dessa forma, campeiam as obsessões espirituais e físicas, os dislates dos
sentimentos e os ódios em guerras sórdidas de uns contra os outros, quando se
deveria laborar para que ocorresse a união de uns com os outros, conforme a
recomendação do Príncipe da Paz, que é Jesus-Cristo.
Apesar disso, O Consolador chegou à Terra, a fim de auxiliar o ser humano na sua
recuperação, influenciando-lhe a conduta, oferecendo-lhe a visão da realidade
que, outrora, não tinha como entender, por faltarem os recursos valiosos da
Ciência e da Tecnologia, do pensamento e da razão. Levanta-se agora a cortina
que impedia a visão do mundo espiritual e constata-se a grande realidade da vida
em outra dimensão, de onde todos procedemos e para onde todos retornamos.
Com o seu advento, os Espíritos do Bem vêm conclamar-vos à concórdia, à
compaixão, à caridade, ao culto dos deveres.
Não tergiverseis, nem temais nunca, pois que o Senhor da Vida está convosco,
conduzindo-vos com segurança ao Seu aprisco.
Distendei as mãos caridosas a todos, particularmente aos irmãos da Erraticidade
inferior, que constituem a multidão dos equivocados e infelizes, que se encontram
na psicosfera do planeta e logo mais estarão de retorno, caminhando no corpo
físico com as massas no rumo do porvir.
Ajudai-os, auxiliando o vosso próximo mais próximo no lar, no trabalho, nas ruas,
na comunidade...
O bem começa no lar e expande-se em catadupas de luz, rompendo a grande
noite que predomina no mundo atormentado dos nossos dias.
Vivei conforme os ditames do Evangelho de Jesus, caindo e levantando-vos,
errando menos e acertando o passo com o amor, a fim de tornardes as vossas
existências um pomar de bênçãos e a vossa estrada assinalada por marcas de
segurança, apontando o rumo de plenitude.
Tende paciência ante as injunções dolorosas e confiai no amanhã. Realizai o
melhor agora, e aquilo que não possa ser executado no momento, aguardai o
instante propício no futuro que alcançareis.
Agradecendo-vos a cooperação fraternal em favor dos irmãos atormentados, que
se encontram na retaguarda do processo da evolução, exoro as bênçãos de Deus
para todos nós.
Afetuosamente, vosso amigo e irmão, Anacleto."
Pairavam no ar dúlcidas vibrações de paz. Muitos de nós, de ambos os planos da
Vida, tínhamos lágrimas de justa emoção, que escorriam suavemente pela face,
em forma de gratidão ao Pai e ao querido Benfeitor.
Ante o magnificente espetáculo de luzes espirituais que penetravam todos os
presentes, a reunião foi encerrada com sentida oração de graças, proferida pelo
irmão Felipe.
7
PROGRAMAÇÕES ABENÇOADAS
Concluídos os trabalhos mediúnicos e afastados os membros encarnados do
grupo da Instituição, rumando aos seus lares, continuamos em febril atividade
espiritual junto àqueles que haviam sido atendidos, mas cuja terapia deveria ser
mais acurada. Alguns seriam transferidos para nossa Esfera de ação, outros
ficariam alojados nas instalações da Casa, diversos seriam liberados, a fim de
elegerem o melhor caminho a seguir, respeitando-se a liberdade de escolha de
cada qual.
Experimentaram a claridade que deslumbra, agora seria necessário deixar-se
penetrar pela luz de modo a beneficiar-se largamente dos seus recursos
preciosos.
Aos primeiros minutos da madrugada, o irmão Anacleto convidou-nos, a mim e a
Dilermando, para rumarmos à Casa paroquial, a fim de trazermos Mauro a
reflexões através do desdobramento pelo sono, o que não foi muito difícil. O seu
estado de ânimo em quebrantamento facilitou-nos o recurso especializado e,
adormecido, conduzimo-lo ao recinto onde se operara a reunião mediúnica.
De imediato, seguimos o Mentor na direção do lar da Profa. Eutímia, a nobre
diretora do Educandário onde Mauro lecionava.
A senhora permanecia acabrunhada, com a mente em torvelinho.
Àquela hora, embora houvesse tomado um medicamento calmante, sem haver
dito nada ao marido, evitando precipitação de conduta, não conseguia o sono
reparador.
Despertava assustada com freqüência, recorrendo à ajuda da oração, conforme os
padrões dos seus conceitos religiosos.
Enriquecida por uma família bem constituída, mãe devotada de duas crianças com
idades entre 8 e 10 anos, uma linda garota e um simpático varão, o esposo era
homem sério, voltado para as questões espirituais da religião que ambos
professavam.
Podemos afirmar que se tratava de um lar construído em bases cristãs, sem as
excentricidades dos comportamentos mundanos da atualidade, onde o vazio
existencial e a vulgaridade têm primazia nos relacionamentos que deveriam ser
afetivos.
Adentramos pelo lar e encontramos alguns Espíritos amigos que ali também se
domiciliavam, face às vinculações afetuosas com a família. Tudo transpirava paz e
bem-estar, numa psicosfera de harmonia, o que é, de certo modo, bastante raro,
nas famílias contemporâneas e nos seus ninhos domésticos.
O nosso Instrutor adentrou-se na alcova e, enquanto o aguardava, do lado de fora,
em bom diálogo com os novos amigos, após breves minutos, trouxe, em
desdobramento parcial, a digna senhora, que dormia também em Espírito,
experienciando um repouso saudável, que faria muito bem ao seu organismo
vitimado pelo choque pós-traumático.
Conduzida à Entidade espírita onde deveriam ter continuidade os labores de
renovação das almas, foi colocada gentilmente sobre um leito improvisado e
continuou adormecida.
No recanto em que nos encontrávamos, também estavam Mauro e sua genitora, a
nobre senhora Martina, D. Eutímia e Jean-Michel que, de quando em quando,
vivenciando uma forma de pesadelo em espírito, agitava-se.
O Mentor convidou-nos ao recolhimento pela prece, igualmente assistido pela
diretora espiritual do Núcleo que nos acolhia.
Havia uma psicosfera de paz e de agradecimento a Deus, em tão alto padrão que
se podia sentir o vibrar dos sentimentos em festa.
Após sentida oração, o benfeitor Anacleto acercou-se da nobre mestra e convidoua
ao despertamento, enquanto nós outro fazíamos o mesmo com Mauro e
Dilerrnando com bondade e energia despertava Jean-Michel.
Como se estivesse no corpo físico, ao amanhecer de um dia feliz, a senhora
acordou tranquila, jovial, e surpreendeu-se com o grupo que formávamos. Antes
de apresentar alguma interrogação, o Mentor explicou-lhe:
- Estamos reunidos em nome de Jesus, a quem todos amamos e devemos
carinhoso respeito, a fim de estudarmos o drama da manhã passada, envolvendo
o nosso sacerdote Mauro. Não estranhe este acontecimento, que é mais comum
do que pode parecer, em razão dos fenômenos da vida terem sua causa em
programações aqui, na Esfera da realidade.
Todos estamos envolvidos pelo acontecimento infeliz, cujas conseqüências
puderam ser diminuídas graças à intervenção da misericórdia divina.
Nesse momento, mais lúcida, D. Eutímia identificou Mauro e teve uma reação
previsível de receio.
O Instrutor vigilante asserenou-a, informando que tudo estava sob controle e ela
não teria porque temer ou afligir-se.
Por sua vez, o jovem sacerdote não se pôde furtar ao constrangimento imposto
pela consciência de culpa diante daqueles cuja confiança defraudara.
Antes que Jean-Michel pudesse intervir ou ser convidado a reflexões, o irmão
Anacleto, elucidou, dirigindo-se diretamente à diretora do Educandário:
- O grave assédio de Mauro à criança constitui um crime hediondo, considerandose
os fatores e circunstâncias, os valores e compromissos que se encontram em
jogo. Sem diminuir-lhe a responsabilidade pelo gravame, é justo considerarmos
que o mesmo se encontra fora do equilíbrio emocional e racional, vitimado por
conflitos hórridos e sob a injunção de forças desconexas do mundo espiritual
inferior, que o aturdem e comandam-no mentalmente. Açodado na libido pelo vício
mental e pela ação nefasta de um perseguidor espiritual, planejava abusar da
inocência da criança. Felizmente, porém, não teve tempo de consumar o infeliz
programa, encontrando-se agora terrivelmente ferido no sentimento e aturdido na
razão, ao considerar a gravidade daquele infame instante que o alucina.
Fez uma pausa oportuna no esclarecimento, a fim de que a senhora melhor
compreendesse o que se passava, logo prosseguindo:
- Aqui nos reunimos com o objetivo de evitar maiores danos à criança ingênua,
qualquer situação de prejuízo moral para a Escola, assim como para
encontrarmos a melhor solução para atender também ao infrator... Todo erro pode
ser reparado, especialmente antes que se transforme em tragédia. O nosso amigo
já dilacerou os sentimentos de algumas crianças, que soube atrair ao regaço com
sagacidade e astúcia, objetivando os seus fins ignóbeis. Chega o momento de serlhe
dada uma oportunidade de reparação, através da qual se liberte igualmente do
tormento que o vem assediando há muitos anos desde antes do berço, tendo-se
em vista o local de onde procedeu no rumo da reencarnação... As heranças que
trouxe embutidas nos sentimentos são odientas, e os laços que o vinculam aos
sítios que habitava são vigorosos. Nada porém, que não se possa modificar ante o
esforço pessoal bem direcionado e a entrega interior ao Pai Criador. Certamente,
o problema a que nos estamos referindo deve tomar um rumo de segurança, para
que suste futuras conseqüências mais lamentáveis e perversas.
Todos acompanhávamos o seu raciocínio com empatia e agrado.
A senhora Eutímia, a pouco e pouco, fixou-se nos comentários do Mentor e
pareceu aliviar-se lentamente da tensão que a mantinha em aflição.
Dando prosseguimento, o sábio amigo expôs:
- A melhor solução para este momento não deverá ter um caráter punitivo ao
infrator, que está doente, mas um objetivo reeducador, a fim de que, consciente da
severa situação, modifique por completo a existência, dando novo rumo aos
passos que devem" seguir na direção da felicidade pessoal e da de todos com
quem conviva.
Assim, sugiro que a gentil professora entre em contato com a autoridade religiosa
superior, que pode estudar a solução ideal para a ocorrência, narrando os fatos
com serenidade e exigindo a transferência do sacerdote, sem comentários
escabrosos, que sempre fecham a porta à solvência de quaisquer problemas.
Acredito que o senhor Bispo, notificado a respeito da gravidade do comportamento
do seu subalterno, saberá como encaminhar a questão a instância superior, se for
o caso, ou o equacionará conforme sejam as instruções que tenha do Alto Clero.
Facultando tempo para que pudesse ser entendido pela mestra e por todos os
circunstantes, aludiu com habilidade e prudência:
- Não estamos escamoteando o erro nem agindo de forma conivente com o
descalabro moral do paciente. A enfermidade necessita de tratamento e não de
escarcéu, sempre do bom gosto dos insensatos. O afastamento do infrator do
convívio infantil, impedindo novos contatos com vítimas em potencial, é uma
terapia eficiente e de grande efeito moral. Assim, confiamos na prudência e nos
bons ofícios da nossa esclarecida mestra.
Quando silenciou, a senhora tinha lágrimas nos olhos, não ocultando a surpresa e
o sofrimento que tudo aquilo lhe causava. No entanto, forrada pelos sentimentos
da sua fé religiosa, podia compreender que ao pecador se deve conceder a
bênção da reparação, antes mesmo da punição impiedosa que não edifica, às
vezes piorando e ultrajando mais o infeliz.
Levantou-se, impulsionada por um sentimento de lídima fraternidade, acercou-se
de Mauro e, tomando-lhe as mãos, falou-lhe que buscaria providências cautelosas
conforme as diretrizes que lhe foram oferecidas.
O jovem não se pôde conter e abraçou-a com sincera fraternidade e gratidão.
Retornando ao seu lugar, a mestra permaneceu quieta, quando o Mentor deu
continuidade à reunião, agora dirigindo-se a Mauro:
- Não ignoras a extensão do teu erro, e desde há muito vens tentando cicatrizar a
chaga moral que te dilacera interiormente, fazendo-te decompor em espírito.
Reconheces que se trata de um crime grave, no qual ocultavas as tuas aflições,
justificadas pelo que a ti mesmo acontecera na infância... As raízes, porém,
desses erros, agora sabes que estão no teu passado espiritual, assinalado pelo
deboche e pelo desrespeito a outras vidas. Ninguém atinge esse patamar de
miséria sem que não haja transitado pelos pântanos das paixões sórdidas e
asfixiantes. Agora, no entanto, importem-nos os novos rumos que deverás
imprimir à tua existência. Necessitas de tratamento especializado e de um
expressivo afastamento das tuas obrigações sacerdotais, demorado estudo de ti
mesmo e reeducação dos hábitos, começando pelos mentais. Os devaneios que
vitalizas através das imagens que intercambias sob pseudônimo com outros
doentes morais, devem ser imediatamente interrompidos, pois que eles trazem
uma alta carga de sensações perturbadoras que se te fixam nos painéis da mente,
mais atordoando-te, mais excitando-te. Severas medidas disciplinantes deverás
impor-te, para que possas reparar as vidas dilaceradas mediante as que,
futuramente, serão dignificadas.
"Ao despertares terás uma nítida lembrança, quanto possível, destes
acontecimentos de que participas, de modo que um novo programa te será
delineado e deverás segui-lo com os olhos postos no amanhã feliz. Somente o
bem incessante te constituirá refúgio e garantia de saúde moral sob as bênçãos
de Jesus, o Herói silencioso de todos os momentos. Não temas, nem te permitas
novos pesadelos de horror."
Silenciando, foi interrompido pelos gritos e impropérios de Jean-Michel, que
indagava:
- Como? O infeliz não pagará pelos crimes perpetrados? Que justiça é essa?
Onde o reto cumprimento dos deveres e das Leis? Como é possível acobertar
tanta miséria, através de artifícios piegas de compaixão e de terapias de mentira?
Ele é um criminoso consciente e terá que responder publicamente pelos desvios
que se tem permitido e pelo mal que vem praticando contra a pobre infância...
As últimas palavras não escondiam a alta dose de ironia e o conjunto não ocultava
a perfídia de que se utilizava, a fim de gerar conflitos e dúvidas.
Sem perder a serenidade que lhe era habitual, o Mentor respondeu-lhe com
bondade e energia:
- Surpreendo-me com as tuas palavras, porquanto, se considerarmos a questão
do crime no caso em discussão, o responsável não é somente aquele que transita
no corpo físico, mas também o nosso astuto amigo, que sabe imprecar e
proclamar a necessidade de justiça. A qual justiça te referes? Àquela da cidade do
deboche, do paul da depravação, onde os seres humanos se tornaram escravos
das próprias abjeções? Com que autoridade reclamas justiça, tu que tens sido o
execrando comparsa do exausto hospedeiro das tuas vis sensações?
Acreditas que os teus sofismas perturbem a claridade do nosso raciocínio?
Enganas-te, porquanto, antes das conjecturas aqui apresentadas, estamos
habituados a lidar com vítimas e algozes, com psicopatas aferrados ao sexo em
desalinho, desde o período em que nos encontrávamos na Terra... Logo mais,
será o momento de dialogarmos contigo, e por enquanto silencia e ouve...
A atitude imediata, enérgica e clara, assumida pelo Orientador, fez o perturbador
aquietar-se embaraçado.
O nobre Anacleto deixara claro que, desde os dias do corpo físico, no mundo, se
houvera dedicado à sexologia, de cuja tarefa se desincumbira com elevada folha
de serviços prestados aos enfermos e a outros portadores de distúrbio na área
genésica. Por isso mesmo, prosseguia afeiçoado ao mister de atendimento aos
infelizes que tombaram nas paixões mais grosseiras do sexo enfermo, havendo
sido designado por Estância Superior para a tarefa na qual nos encontrávamos
investidos.
Dando prosseguimento às instruções, volveu a dona Eutímia e explicou:
- Face à magnitude do evento infeliz, é de bom alvitre que, no primeiro momento,
a dedicada diretora elucide ao esposo a ocorrência e com ele busque um contato
com Sua Eminência, o senhor Bispo, pondo-o a par de tudo, de modo que se
possam tomar providências sem as escabrosas contribuições da mídia que se
compraz no lixo das misérias humanas. É certo que há uma outra mídia honesta,
que narra os fatos conforme acontecem, divulgando-os e esclarecendo as
pessoas, o que nem sempre acontece com a correção que seria necessária, antes
exaltando o mal, sem o erradicar ou apresentar saudáveis soluções para o
mesmo.
Porque silenciasse, como percebendo que a nobre senhora teria algumas
interrogações, o Mentor aquietou-se por um pouco, facultando que dona Eutímia
inquirisse:
- Perante as Leis de Deus, um sacerdote que jura ser fiel à verdade, trabalhar pelo
bem da comunidade, ser pastor de ovelhas que se lhe entregam confiantes, e
defrauda o compromisso através de conduta execrável, ficará impune? Não são
pecados mortais os atos infames que o padre Mauro vem praticando com
insistência? E as suas vítimas como ficarão?
Com a mesma sinceridade, o Benfeitor respondeu:
- Ninguém foge das Leis de Deus que vigem em toda parte e que estão escritas na
consciência de todos nós. O nosso irmão não fugirá de si mesmo, das cenas
escabrosas que se permitiu, do remorso que o dominará por largo período. Isso
porém, somente sucederá mais tarde, quando, desperto e disposto ao resgate,
começar o período de refazimento. A punição divina ao pecado mortal nunca se
faz de maneira destrutiva do pecador, mas de forma que o edifique, convidando-o
a reparar todos os danos perpetrados, mediante ações dignificantes e
restauradoras do equilíbrio. Por isso mesmo, é-nos a todos muito difícil o
julgamento correto, por desconhecimento das causas profundas e a modesta
percepção do todo no acontecimento, que somente a Consciência Cósmica
penetra. Mas ninguém se libera da culpa sem padecer-lhe os efeitos danosos e
cruéis...
Interrompeu a explicação por um pouco, a fim de nos permitir assimilar o seu
conteúdo profundo, e continuou:
- Pelo que nos é dado perceber, a renovação de Mauro já começou, a partir do
instante em que se deu conta da própria loucura. Por sua vez, a Misericórdia do
Pai em nome de Sua Justiça, facultar-lhe-á um longo período de isolamento,
possivelmente em uma Clínica onde se irá reajustar aos padrões de
comportamento saudável, inspirando-o a cuidar de crianças enfermas, portadoras
de alienações mentais e distúrbios nervosos, assim resguardando-se da prática de
atos indecorosos, assistindo-as, socorrendo-as, amando-as, sendo repudiado,
maltratado, agredido... As Entidades perversas que as obsidiarem, sabendo do
passado do então futuro devotado benfeitor, agirão agressivamente tentando
desanimá-lo, provocando-o para que se afaste do bem-fazer e tombe novamente
nos escuros abismos da loucura... Nesses momentos porém, luzirá o amor do Pai
inspirando-o a prosseguir, e sua mãezinha desencarnada, que o vem ajudando a
sair do fosso, ser-lhe-á o anjo da guarda, insistindo pela sua renovação e
felicidade. Igualmente não faltarão outros socorros, porque o bem é a coroa da
vida e jamais segue a sós, sem amparo na retaguarda e com atração na
vanguarda.
"As criancinhas danificadas emocionalmente receberão igualmente o melhor
conforto moral e espiritual, ao invés de, após o escândalo, receber polpudas
indenizações, expostas ao ridículo, aos conflitos públicos e ao escárnio daqueles
mesmos que aplaudem as eclosões das cenas estúpidas e escabrosas.
Aprisioná-lo em um cárcere infecto, colocá-lo entre bandidos outros que poderão
assassiná-lo como vem ocorrendo no mundo, de maneira alguma fará deter a
eclosão de episódios de pedofilia que se multiplicam em razão do deboche que
desgoverna as criaturas. Antes estimularão outros enfermos a serem mais hábeis,
a investirem mais no turismo sexual, em grande voga, que rende fortunas
incalculáveis aos seus exploradores e aos veículos de informação que os
divulgam com dubiedade, sem o caráter sério de deter o fluxo destruidor. "
Novamente fez pausa. Adentrando-se pelo futuro na programação que trazia em
mente sob os auspícios de venerandos Mensageiros da Luz, concluiu:
- Chegará o dia em que a perversidade desaparecerá da Terra e a escabrosidade
das almas será substituída pela compaixão e pelos sentimentos de amor com
respeito pela vida. Nesse dia, que certamente não será imediato, as ocorrências
abomináveis estarão nas páginas da História como pertencentes ao período de
brutalidade e primitivismo da criatura humana, qual ocorre com inúmeros
fenômenos do passado... Até chegar esse momento, a todos nos cabem as
atitudes de ajuda e de compreensão, de energia e de bondade, reeducando os
calcetas e atendendo às vítimas, de forma que o equilíbrio moral predomine nos
arraiais da sociedade terrestre.
"Nosso irmão enfermo transitará um longo percurso de recuperação e de
reconquista de si mesmo. Ajudemo-lo, antes que o destruamos, considerando que
a vida são bênçãos e que todo aquele que estiver sem pecado atire-lhe a primeira
pedra."
Todos nos encontrávamos emocionados. A lógica, a temperança, a sabedoria do
Benfeitor levavam-nos a reflexões interiores muito profundas, quando analisamos
o que fizéramos e como nos encontrávamos ante o infinito de possibilidades
edificantes que nos aguardavam.
D. Eutímia anuiu completamente, apresentando-se serena e quase feliz.
Nesse momento, o Benfeitor dirigiu-se a Jean-Michel que se apresentava aturdido
ante o que acabara de ouvir. Desde quando perdera o discernimento e tombara no
abismo do ódio, da perversão moral e da criminalidade, não tivera ensejo de
reflexionar em torno da vida e da sua grandeza, dos objetivos essenciais ao
crescimento para Deus, que é inevitável. Dava-se conta, nesse momento, do
engodo que se permitia e da ilusão que buscara transformar em realidade eterna,
ludibriando os Códigos Divinos. Quase atoleimado, ouviu o irmão Anacleto falarlhe:
- Quanto a ti, irmão querido, o amanhã sorri mil dádivas de felicidade. Chegou o
momento de te libertares também da canga odienta do sofrimento bestial, que em
nada te ajuda, antes mais te alucina. Da situação de vítima da hediondez, te
tornaste comparsa e fomentador de novas misérias contra a Humanidade.
Hipnotizado pelo prazer selvagem, já perdeste o rumo dos teus nefandos
objetivos, que eram de perseguição, tombando nas malhas da rede de misérias
que teceste, tornando-te vítima de ti mesmo e dos teus planos diabólicos. Agora
despertas para vida nova, para novos compromissos. Ouve: Jesus te chama para
a felicidade e não te podes negar ao ensejo especial. Renascerás na carne,
oportunamente, chagado e aflito, com os estigmas que cravaste nos tecidos sutis
do Espírito, através do teu corpo intermediário, hoje deformado e em dilacerações.
Já imprimiste no teu futuro, uma infância limitada por anomalias mentais e físicas
de vária natureza, na qual te demorarás por mais ou menos uma dezena de anos
tormentosos, visitado, vez que outra, pelos teus companheiros do antro de
depravação, que te explorarão as energias, mais afligindo-te... Nesse exílio
libertador terás como benfeitor e companheiro, pela senda de espinhos, o nosso
Mauro que te recolherá na Casa da Caridade que erguerá oportunamente em
distante recanto do Brasil, em cuja oportunidade vos amareis, ajudando-vos
reciprocamente... Confia em Deus, que é teu Pai como o é nosso, e liberta-te de ti
mesmo, desse comportamento infeliz que te desnaturou. Quanto possível
estaremos contigo e outros benfeitores nunca se te apartarão, ajudando-te na
desincumbência do dever.
O infeliz encolheu-se como se desejasse ocultar as formas degeneradas e
prorrompeu em pranto volumoso, desesperador, quase convulsionando.
Foi então, que Mauro, reassumindo a personalidade de Madame X, a antiga dama
lasciva e pervertida nos dias do império napoleônico levantou-se e,
telementalizada pelo guia Anacleto, abraçou o sofredor, dizendo-lhe em lágrimas:
- Ajuda-me com o teu perdão, a fim de que eu te possa ajudar com a minha
compaixão, e juntos possamos reabilitar-nos de todo o mal que fizemos através do
bem que possamos fazer. Somos duas aves feridas que tememos voar, receando
o tombo no abismo. Deus nos dará forças, ajudar-nos-á a recuperar nossas
plumas, para que planemos acima do pantanal que nos retém afogando-nos.
Perdoa-me, por Deus! Eu estava louca e venho continuando em alucinação...
Não pôde prosseguir, porque o verbo ficou estrangulado na garganta túrgida.
O abraço, porém, que a sua vítima não pôde evitar, naquele momento selava
compromissos de acerbas dores para o futuro, todavia, abria a via redentora de
libertação.
Tartamudeando, o Espírito infeliz redarguiu:
- Que Deus nos perdoe a ambos, desditosos que somos!
Cessados esses momentos de forte emoção, o irmão Anacleto concluiu:
- Retornai aos vossos corpos e recordai-vos deste abençoado sonho no país da
Realidade, dando-vos oportunidades para a conquista da paz.
Tomado de profundo sentimento de gratidão, o nobre Benfeitor orou,
exteriorizando aos Céus o reconhecimento profundo de todos nós.
De imediato, os participantes do encontro espiritual foram reconduzidos aos seus
lares, à exceção de Jean-Michel, que seria deslocado para outro lugar, onde seria
preparado para a futura reencarnação, mediante a qual daria início a uma nova
etapa da sua vida.
A noite, que estivera recamada de estrelas cravadas no seu dossel de sombras,
cedia lugar levemente ao rosto da manhã que lhe colocava as primeiras claridades
do dia, como a anunciar novos programas de bênçãos para muitas vidas.
8
ATENDIMENTO FRATERNO
Ao despertar, D. Eutímia se apresentava eufórica e otimista. Sentia que a sombra
do receio havia sido diluída. Ainda no leito, começou a recordar-se do sonho que
se apresentava como uma realidade de tal monta, que não pôde sopitar as
emoções e, quando o marido acordou, solicitou-lhe um pouco de atenção, pois
que necessitava falar-lhe.
Ali estávamos, o Instrutor Anacleto, Dilermando e nós. O Benfeitor havia pensado
em assisti-la naquele momento, a fim de que a sua memória não sofresse
qualquer tipo de bloqueio que lhe impedisse a claridade do pensamento.
Assim, após os primeiros atendimentos higiênicos, sentaram-se ambos, e,
tranqüilamente, inspirada pelo nosso Orientador, narrou com naturalidade os
acontecimentos da véspera, que a haviam excruciado, e o sonho de que fora
objeto.
- Temia - disse ao esposo colhido de surpresa que explodisse um escândalo sem
precedentes em nossa Escola. A partir do momento em que surpreendera o
sacerdote em atitude indecorosa havia perdido minha paz.
Não quis perturbar-te antes de asserenar-me suficientemente, o que agora
consegui. Havendo orado muito, fui conduzida ao mundo dos sonhos, onde me
deparei com Mauro, outras pessoas, um anjo misericordioso e um demônio de
aspecto repelente e perverso.
Silenciando, por um pouco, emocionada, permitiu-me reflexionar que, na sua
interpretação do fato espiritual, as palavras eram colocadas conforme a crença
religiosa em que se apoiava, de alguma forma sendo fiel ao que vira...
Continuando, explicou-lhe o desejo de manter uma entrevista com o senhor Bispo
da Comunidade, acompanhada pelo esposo, assim resolvendo por definitivo a
questão, e desincumbindo-se do dever, como lhe impunha a consciência pessoal,
social e religiosa.
O marido, que era homem probo e austero, passado o choque inicial em torno do
acontecimento, anuiu de boamente em acompanhá-la no próximo domingo à
residência episcopal, antes havendo assinalado uma entrevista com o respectivo
senhor.
Enquanto se preparavam para enfrentar o dia de trabalho, o irmão Anacleto nos
convidou para fazermos uma visita a Mauro.
Transladando-nos para a Casa Paroquial, encontramos o jovem desperto, absorto
em profundo cismar. Recordava-se do acontecimento onírico com muita nitidez,
mas, sobressaltado pelos efeitos danosos dos seus atos, receava as
conseqüências que deveriam advir dos mesmos.
Resolvera não voltar ao Educandário, ficando em casa, a fim de mais meditar e
aguardar o que viesse a acontecer.
O amigo Anacleto acercou-se-lhe, e após saudar a mãezinha que permanecia de
plantão, a fim de evitar a interferência de algum Espírito mistificador ou ocioso que
por ali se encontrasse, falou mentalmente ao aflito sacerdote, enquanto o envolvia
em fluidos salutares:
- Recolhe-te em oração. Busca Jesus através do Evangelho e detém-te nos Seus
momentos finais na Terra, quando, no Horto, enquanto todos dormiam, Ele sofria,
apesar de estar em oração... Ele, que não tinha qualquer culpa, não recusou o
cálice de amarguras. Assim, não penses em fugir dos calamitosos efeitos dos teus
desmandos, procurando mecanismos de justificação ou precipitando-te em
abismos de sombras demoradas. Levanta-te e segue no rumo da oração,
entregando-te a Deus, que fará o que seja de melhor para ti.
Ante a ordem enérgica, que lhe repercutiu nos refolhos do pensamento, Mauro
levantou-se, tomou do Evangelho e seguiu à Igreja. Tremia, emocionado, pois se
recordava dos episódios espirituais da madrugada, agora mais lúcido, ante o
psiquismo de Anacleto que o dirigia mentalmente.
Sensível ao registro de inspiração espiritual, pois que, por muito tempo, a recebia
com freqüência de Entidades perversas, agora, mudando o direcionamento mental
ao sintonizar em faixa mais elevada, conseguia captar a presença do Mentor, que
se lhe apresentava como um Anjo da Guarda, socorrendo-o naquele momento
crucial da sua existência.
Buscou uma singela capela, na imensa Igreja, desprovida de adereços e
quinquilharias de que não necessita a memória dos Espíritos nobres, dedicada a
um santo que parecia socorrer os desesperados, ajoelhou-se, porejando suor por
todo o corpo, fechou os olhos e abriu o Evangelho.
O Benfeitor conduziu-lhe os dedos aos momentos que precederam ao arbitrário
arrastamento do Amigo sem amigos na direção dos Seus cruéis algozes. O texto
assinalava a estada do Mestre no Horto das Oliveiras em plena agonia.
Mauro nublou os olhos com lágrimas sinceras de arrependimento e começou a ler,
mergulhando profundamente o pensamento, talvez pela primeira vez, no conteúdo
incomum e sublime daqueles instantes de dor e de rudes angústias do Condutor a
Quem buscava servir.
Demorou-se em cada frase, perscrutou o sentido oculto de cada palavra,
estabeleceu pontes com a sua conduta, recordando-se do Mestre que lhe dera a
vida, enquanto permanecia adormecido na escabrosidade moral. Experimentou
um grande sofrimento, um abatimento íntimo como nunca sentira antes. Passou a
considerar a magnitude infeliz dos seus atos, e resolveu-se, custasse-lhe o que
fosse, mudar de vida. Pensou em buscar a confissão com o seu Bispo, narrar-lhe
tudo, rogar-lhe auxílio e perdão, misericórdia e oportunidade. Estava, sim, disposto
a recomeçar longe dali, distante do lugar da escravidão, em campo novo, abrindo
o coração a Deus e ao serviço em favor da Humanidade.
Captando-lhe o pensamento por instruções do Mentor, fomos colhido pela nova e
surpreendente decisão, que teria de partir dele mesmo, por isso que não lhe fora
imposta ou aventada, sequer como hipótese, durante o encontro espiritual.
Estavam em feliz prosseguimento os planos delineados, quando o irmão Anacleto
nos convidou a outras atividades, deixando o paciente entregue a si mesmo e às
suas reflexões, pois que necessitava, mais do que nunca, de ouvir-se, de sentir o
coração, de despertar para novos compromissos, e esse trabalho deveria ser
exclusivamente seu.
A mãezinha vigilante e quase feliz, assessorava o filho envolta em vibrações de
grande ternura.
Simultaneamente ocorreu-lhe pensar na situação do marido desditoso que lhe
infelicitara o filho. É certo que, após muitos atritos que mantiveram no reduto
doméstico, que se transformara em área de batalhas doridas, ele houvera
abandonado a família, e logo depois desencarnara, sem que ela houvesse tomado
conhecimento da forma como sucedera o seu desenlace. Ao chegar ao mundo
espiritual, tomando conhecimento das aflições do filho, passara a assisti-lo,
buscando evitar que sucumbisse totalmente à ação do Mal. Mas o companheiro,
indigno e doente, só agora lhe voltara ao pensamento. Por onde andaria Heraldo,
o indigitado esposo e genitor cruel? - pensou, na circunstância em que se
encontrava.
Nesse momento, alongando o sentimento em favor da vera fraternidade, que se
estende envolvendo todos os seres, permitiu-se espraiar sua ternura e perdão em
comovida oração em favor do revel, a fim de que fosse beneficiado, quando a
paisagem de sombras começava a adornar-se de peregrina luz. Ele também
merecia misericórdia e compaixão. Fora o intermediário físico do filho por ela
muito amado, era também criatura de Deus, portanto credor de carinho e de amor.
Assim, enquanto o filho viajava mentalmente na direção do Mestre Incorruptível,
ela buscava o companheiro tresvariado que sucumbira ao peso das próprias
arbitrariedades.
O dia alargou-se, facultando-nos ampliar os compromissos que nos diziam
respeito.
A Instituição, onde nos albergávamos, mantinha um vasto programa de
assistência espiritual às criaturas, além da ação da caridade ali exercida sob
vários aspectos, realizando, concomitantemente, um bem programado serviço de
atendimento fraterno a quaisquer pessoas que se apresentassem com
necessidades, buscando ajuda.
O irmão Anacleto convidou-nos a acompanhar a faina dos obreiros devotados à
caridade de iluminação de consciências e de direcionamentos para o equilíbrio,
para a saúde, para a recuperação da paz.
A atividade reunia duas equipes: uma constituída por Entidades generosas e
trabalhadoras e a outra pelos companheiros que militavam na Casa Espírita.
Haviam recebido treinamento espírita e psicológico e, periodicamente, eram
reavaliados, reciclados, de modo que pudessem cooperar com bondade e
discernimento doutrinário em favor dos muitos sofredores que buscavam
orientação.
Em ambos os planos de atividade havia um responsável que se encarregava de
orientar cada candidato, de forma que tudo transcorresse em harmonia e os
resultados fossem os melhores anelados.
As pessoas, que desejavam orientação, eram reunidas em uma sala ampla, na
qual recebiam esclarecimento espiritual, mediante a leitura e comentários de uma
página espírita e recebiam passes coletivos.
Posteriormente, aqueles que desejavam informações mais profundas, eram
levados a diversas salas, nas quais recebiam atendimento pessoal, discreto e
carinhoso.
O gentil Instrutor sugeriu-nos acompanhar uma dama que chegara aturdida e
apresentando um quadro obsessivo bem caracterizado.
Havia participado da primeira parte do atendimento, e agora deveria receber a
orientação que buscava.
Uma senhora de aspecto gentil, aureolada por nívea claridade que dela se
desprendia, recebeu-a gentilmente, deixando-a a vontade para o cometimento.
Percebi que, inspirando-a, encontrava-se uma Entidade afável, que estava
encarregada do mister do nosso lado da vida.
Sem ocultar o desespero que lhe inquietava, a dama foi direta ao drama
existencial, elucidando:
- Nada conheço sobre o Espiritismo. Faz muito tempo que me afastei de Deus, já
que a religião que esposava não fora capaz de iluminar-me interiormente,
ensejando-me a paz que tanto busco. Desculpe-me, pois, se não souber como
conduzir-me nesta entrevista, que realizo por primeira vez.
A atendente fraterna sorriu, explicando-lhe:
- Esteja à vontade, sem qualquer preocupação. Afinal, aqui estou como sua
amiga, propondo-me a ouvi-la com interesse e apresentar-lhe as respostas que o
Espiritismo possui para os vários dramas humanos, naturalmente incluindo aquele
que a aflige.
Ainda ofegante, resultado da constrição de que era vítima habitual do seu
perseguidor desencarnado, que se lhe afastara quando da dissertação ouvida e
dos passes coletivos que haviam sido aplicados, esclareceu:
- Minha vida tem sido um verdadeiro inferno. Seja sob o aspecto sentimental,
econômico, social, com a saúde alquebrada, insônia e mil tormentos que me
encarceram na revolta, tornando-me insuportável em casa, no trabalho, e
principalmente comigo mesma; esses problemas alteraram completamente o meu
comportamento...
Fez uma pausa, tentando coordenar as idéias, e logo prosseguiu:
- Alguém, que se diz médium, informou-me que estou obsidiada, e sugeriu-me que
aqui viesse, a fim de conversar com o senhor Ricardo, que é um grande vidente e
me poderá auxiliar.
Alongou-se em mais algumas explicações desnecessárias, sem qualquer
fundamento, e perguntou o que deveria fazer.
A senhora que a atendia, sorriu com bondade, e passou a explicar-lhe:
- O nosso irmão Ricardo, ante a impossibilidade de atender a todos que lhe
desejam falar, recebe somente aqueles casos mais graves, após uma triagem que
fazemos os atendentes fraternais.
- Acredito que o meu é um caso muito grave, não?
- interrogou, ansiosa.
- Sim - redarguiu a entrevistadora - todos os problemas são sempre muito graves.
Entretanto, uns existem com mais angústias e aflições, que requerem um
atendimento especializado. Felizmente, estamos em condições de atendê-la,
acalmando-a e diminuindo-lhe o impacto da informação que recebeu.
- É verdade que os Espíritos maus estão comigo, conforme me disse a tal da
médium? - indagou com sofreguidão.
- Todos nós - esclareceu a gentil ouvinte - vivemos cercados pelos Espíritos.
Eles são os habitantes do mundo fora da matéria, como você compreenderá,
porque são as almas das criaturas que viveram na Terra, agora desvestidas da
indumentária material. De acordo com os nossos pensamentos atraímos aqueles
que nos são semelhantes, ou sofremos os efeitos dos atos que praticamos na
atual existência ou em outras que já tivemos. O Espírito viaja através de várias
experiências corporais, colhendo na atual as realizações boas ou inditosas que
defluem da anterior, assim desenvolvendo os valores que lhe dormem
internamente e avançando no rumo da felicidade.
Novamente sorriu, fazendo uma pequena pausa, a fim de facultar o entendimento
da consulente, logo dando curso à explicação:
- A reencarnação é o processo de evolução mais compatível com a Justiça de
Deus, que a todos nos criou simples e ignorantes, facultando o crescimento
conforme o livre-arbítrio de cada um na direção da plenitude que a todos nos
aguarda. Não diria que a minha amiga e irmã é uma obsidiada... De certo modo,
todos o somos, porque momentos há em nossas vidas em que o desequilíbrio nos
toma conta, e atraímos Espíritos ociosos, perversos, vingativos, dos quais não
sabemos como libertar-nos. Há, porém, um método irrefragável para
conseguirmos o êxito em qualquer situação, que é o da oração e vigilância,
recomendado por Jesus para todos. Acredito, sim, que você vem agindo sob
inspiração perturbadora, como é natural, face aos muitos problemas que relata,
mas isso não a deve afligir, porque se encontra onde poderá receber reforço de
coragem e recursos para a libertação.
Novamente silenciou, dando tempo mental para que a outra assimilasse as
informações fornecidas.
Mantendo-se serena e envolvendo a dama em vibração de simpatia e de paz, deu
curso aos esclarecimentos:
- Sugiro-lhe que leia O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, a fim
de encontrar conforto moral e paciência para os enfrentamentos do cotidiano. A
sua leitura lhe fará um grande bem, em razão dos esclarecimentos que lhe
proporcionará e das diretrizes necessárias à sua paz interior e, portanto, a uma
vida feliz. Igualmente proponho-lhe a terapia bioenérgica, isto é: os passes, como
aconteceu há pouco, antes da nossa conversação, com o que se fortalecerá para
as lutas e os desafios. Por fim, sendo-lhe possível, venha conhecer as nossas
reuniões de palestras e estudos do Espiritismo, nas quais adquirirá conhecimento
para libertar-se não apenas dessa Entidade que a aturde, como também para
auxiliar outras pessoas que se encontram na mesma situação aflitiva.
Inspirada pelo Espírito lúcido que a assessorava, permaneceu jovial, respondendo
a algumas outras indagações da senhora, que dali saiu renovada.
Antes de ser atendida, o responsável pelo trabalho anotou-lhe o nome e o
endereço, com o objetivo de colocá-la entre aqueles que se faziam beneficiados
pelas vibrações habituais das reuniões especializadas.
Face a essa providência, o Mentor espiritual da atividade também anotou os
dados da consulente, e entregou-os a um membro da equipe de visitadores
desencarnados, a fim de que oferecesse a assistência conveniente à dama,
conforme a sua receptividade ao que lhe fora informado.
Fiquei sensibilizado com essa medida de auxílio, que passa despercebida a
muitos trabalhadores da Seara Espírita.
Observei que não fora necessário um interrogatório, que resulta dos atavismos
religiosos do passado, nas incoerentes confissões auriculares, agora sob disfarce
de estatística para futuros resultados; não havia ficha de identificação, na qual se
anotassem os dramas das pessoas aflitas, desnudando-as aos olhos estranhos e
deixando-lhes as confidências por escrito, para futuros estudos ou mesmo
comentários, nem sempre felizes. Tudo era natural, conforme as disposições do
pensamento espírita, que respeita a vida interior das criaturas.
Outrossim, dei-me conta que o atendente fraterno buscava mais ouvir que falar,
orientando mediante a contribuição do Espiritismo, evitando as próprias
conclusões e o que se convencionou denominar como achismo, mediante o qual
se opina sem conhecimento de profundidade a respeito de tudo, apoiado no que
se acha, no que se pensa, no que se conclui, nem sempre corretamente.
Não pude demorar-me em maiores considerações, porque mais uma senhora fora
encaminhada a outra atendente, esta, porém, jovem e aparentemente sem maior
soma de experiências.
A candidata ao atendimento apresentava-se mais perturbada do que aquela a que
nos referimos anteriormente.
Sentou-se, inquieta, e explicou:
- Não sei por onde começar, tal é a magnitude do meu drama.
- Faça-o conforme lhe parecer melhor - respondeu,
gentilmente, a jovem - sem pressa, sem inquietação. Aqui estou para ouvi-la com
paciência e simpatia.
- Você é casada? - interrogou, receosa.
- Ainda não - esclareceu, com um sorriso - mas isso não é importante. O que faz
sentido é o conhecimento que tenho da alma humana, de alguns dos problemas
que afligem as criaturas, em razão dos estudos espíritas que me tenho permitido,
e, também, por ser psicóloga clínica.
- Oh! Que bom! - exclamou a visitante. - O meu caso é quase sórdido. Sou casada
há, mais ou menos, dez anos, e sempre mantive um relacionamento sexual
equilibrado com o meu marido. Não me sentia plena, realizada, em nosso
intercâmbio íntimo, mas pensava que era assim mesmo. As minhas amigas
sempre me relatavam suas dificuldades, e resignei-me. Ultimamente, porém,
percebo que o meu esposo se vem corrompendo muito, entregando-se a viagens
mentais e visitas a motéis, acompanhando filmes eróticos e pornográficos, e
exigindo-me uma conduta semelhante, o que me ultraja.
Silenciou, constrangida. Passados alguns segundos, continuou, sofrida:
- Agora, tornou-se-me insuportável o seu assédio, exigindo-me compartilhar das
aberrações que vê nos filmes de prostituição e vulgaridade, o que me aterroriza,
produzindo-me reações de ódio e nojo em relação a ele, a quem sempre amei.
Não o desejo perder, mas sinto que, se não ceder às suas exigências descabidas
e mórbidas, ele me abandonará. Que hei de fazer?
A jovem meditou por alguns instantes, e respondeu-lhe com brandura:
- Este é, realmente, um momento muito importante para a preservação do seu
matrimônio. Vivemos um período de perversões vis em nossa sociedade, que se
vêm generalizando assustadoramente. O sexo tornou-se objeto de perturbação e
de infelicidade. O matrimônio, no entanto, é um contrato social e moral, de
resultados espirituais, unindo duas pessoas pelos laços do amor, a fim de
edificarem a família, não podendo transformar-se em bordel de excentricidades
profissionais. O companheiro, de acordo com a sua narração, encontra-se doente,
e necessita de terapia com um sexólogo, a fim de refazer conceitos e reencontrar
o equilíbrio a fim de prosseguir feliz no lar.
"Não me cabe dizer-lhe o que deve fazer, neste momento, pois que seria assumir
a responsabilidade da sua futura atitude. Cada um de nós tem a liberdade de
pensar e agir conforme seja melhor para o próprio entendimento. Os resultados,
porém, virão inevitavelmente, e cada qual se verá a braços com o que haja
desencadeado, num campo saudável ou num terreno ingrato... Não obstante, seria
de bom alvitre que a amiga convidasse o esposo a uma conversação serena,
explicando-lhe a questão conjugal sob o seu ponto de vista, informando-o sobre as
suas reações e anseios, suas necessidades afetivas, que nada têm a ver com os
comportamentos doentios ora em voga. Enquanto isso, indico-lhe a oração como
recurso autoterapêutico que a fortalecerá para resistir às inconvenientes e
descabidas exigências, mantendo-se serena e amando o companheiro,
momentaneamente desajustado."
- E se ele não concordar? - interrogou, aflita. Perdê-lo-ei ou cederei?
Mantendo a calma e a amabilidade, a jovem psicóloga respondeu:
- Isso dependerá da sua estrutura emocional, dos seus valores morais, da sua
constituição espiritual. Ninguém lhe poderá dizer o que fazer, nessa situação
delicada. Pense, amadureça reflexões e estude O Evangelho Segundo o
Espiritismo, de Allan Kardec, que lhe propiciará a visão correta dos fatos e da vida.
Esse é um livro de conforto moral e espiritual. No entanto, considerando a sua
claridade intelectual, receitar-lheda a leitura de O Livro dos Espíritos, do mesmo
Autor, que lhe dará dimensão do que é a vida e como deveremos experienciá-la
na busca da plenitude, explicando-lhe as razões dos acontecimentos no dia a dia
e dos dramas existenciais que tanto nos afligem.
"...E volte aqui para uma nova conversa de reabastecimento. Se possível, venha
conhecer o Espiritismo e seus paradigmas, suas lições, beneficiando-se com a
psicosfera - sabe o que é? - a atmosfera psíquica de amor e de paz que reina em
nossos corações e em nossos atos. E se possível, convide o esposo, que muito se
beneficiará convivendo em outro clima mental."
A dama, sinceramente confortada, que também fora beneficiada pelos fluidos do
Espírito amigo que inspirava a atendente fraterna, pediu licença para abraçá-la,
agradecendo com palavras repassadas de ternura.
Realmente, a função do Atendimento fraterno, na Casa Espírita, não é a de
resolver os problemas das pessoas que vão em busca de socorro, mas a de
orientá-las à luz da Doutrina Espírita para que cada uma encontre por si mesma a
melhor solução.
Outro Espírito gentil, que recebeu o nome e o endereço da senhora, acompanhoua
na saída da sala.
Nesse momento, um casal de meia idade, assinalado pela amargura da face e a
debilidade orgânica, acercou-se de um respeitável cavalheiro que aguardava o
próximo cliente.
Percebendo a angústia de ambos, que se mantinham silenciosos e trêmulos,
indagou, afável:
- Em que lhes poderei ser útil? Posso imaginar a dor que os alanceia, em razão da
aflição refletida nos seus rostos.
Foi o suficiente para ambos se deixarem dominar pelas lágrimas. O atendente
deixou-os extravasar, por alguns momentos, a angústia que os vergastava, após o
que, propôs:
- Não seria bom se pudéssemos conversar um pouco?
A senhora, mais fragilizada, sem poder conter-se, olhou o marido e fez-lhe um
sinal para que ele expusesse a razão pela qual ali se encontravam.
O companheiro, com voz pungida, explicou:
- Perdemos o nosso filho único. A morte arrebatou-o em um acidente cruel,
deixando-nos desalentados e sem razão para continuar a viver. Somente
encontramos alívio pensando em morrer, porque a vida perdeu totalmente o
sentido. Desejamos falar com o irmão Ricardo, para tentarmos saber se o nosso
filho continua vivo, se pensa em nós, onde e como se encontra. Será possível?
- É claro que sim - anuiu com gentileza o atento ouvinte. - Antes, porém, permitome
informá-los que ninguém perde um ser querido, quando arrebatado pela morte.
A morte não é o fim da vida, antes é o começo de uma nova etapa da
Eternidade... Recordem-se de Jesus, morrendo na Cruz, e da angústia de Sua
Mãe. Logo após, no entanto, três dias, ei-lo de volta, ressurrecto e vivo, triunfante
ao túmulo e afetuoso como sempre.
Pensem nEle e entreguem-lhe o filho que, antes de lhes pertencer, o é também de
Deus, o Pai de todos nós. Posso afiançar-lhes que ele está bem, caso o acidente
de que foi vítima não haja sido resultado de imprudência ou desequilíbrio.
Sempre, quando ocorre algo dessa magnitude, estamos diante do efeito de algum
ato muito grave, cuja causa está no ontem próximo, nesta existência, ou remoto,
em outra reencarnação... Desse modo, são felizes aqueles que retornam à Pátria,
após cumprida a tarefa na Terra, seja qual for o mecanismo da desencarnação,
conforme nós, os espíritas, denominamos a morte, que independeu do viajante
espiritual querido.
Depois de confortar por alguns minutos o casal sofrido, encaminhou-o ao
atendimento especializado através do irmão Ricardo.
Enquanto dialogavam, o Espírito responsável pelo atendente aplicou-lhes, em
ambos, energia refazente e calmante que os tranquilizou.
As consultas tiveram o seu curso normal, e eu não cabia em mim de
contentamento.
Ali estávamos em um Ambulatório de emergência espiritual para atendimento aos
sofredores e desafortunados da Terra, sem complexidades nem exigências
descabidas, nos quais o amor, a vera fraternidade, a compaixão e a caridade
davam-se as mãos, em tentativas felizes de bem servir.
O irmão Anacleto acercou-se-me, sorridente, e acentuou:
- Quando o amor dirige os sentimentos e o pensamento, as ações, inegavelmente,
são corretas e dignificadoras. O Espiritismo é a chave que decifra os enigmas
existenciais. Vivê-lo com simplicidade, desvesti-lo das complexidades com que
algumas pessoas desejam envolvê-lo, por preferirem sempre as complicações ao
equilíbrio, é dever de todos nós, encarnados e desencarnados, que lhe somos
afeiçoados.
Aguardaremos a noite, a fim de acompanharmos o atendimento do nosso Ricardo,
que deverá receber as pessoas que lhe foram encaminhadas.
9
LUTAS E PROVAÇÕES ACERBAS
A tarde declinava em estertores de calor. O Sol formoso deixava o seu leque de
luz amarelo-avermelhada coroar as nuvens brancas em movimento, desenhando
painéis de luz incomparáveis.
O Mentor convidou-nos a seguir ao Palácio Episcopal, para onde seguira Mauro,
havia poucos minutos. Adentramo-nos na Casa palaciana, cujas paredes,
revestidas de seda brilhante estavam adornadas com telas de grande beleza,
exibindo o luxo e o poder terreno, o piso recoberto por tapetes espessos e
mobiliada a caráter e capricho. Era minha primeira visita a um solar daquela
natureza. Não tivemos dificuldades para encontrar o amigo que aguardava ser
recebido pelo senhor Bispo, a quem rogara urgente entrevista.
Transcorrido o tempo próprio, Sua Eminência apareceu, sorridente e
agradavelmente surpreendido com a presença do sacerdote que lhe recebia a
simpatia e a amabilidade, porque o reconhecia com possibilidades amplas para o
serviço religioso, adicionando a sua aparência física, a sua inteligência brilhante e
o seu magnetismo.
O jovem, não podendo ocultar o conflito, solicitou ao dignitário que o recebesse
em particular, pois necessitava do conforto de urgente confissão.
Tomado de surpresa, o pastor religioso interrogou se o assunto era tão grave, no
que foi informado positivamente.
Convidando-o à intimidade da capela interna, que era mantida no edifício para
celebrações particulares e reflexões pessoais, preparou-se, seguindo a convenção
do ritual, persignou-se, e aguardou.
O jovem aproximou-se, ajoelhou-se-lhe aos pés, e cobrindo o rosto com as mãos,
em tentativa infantil de ocultar a vergonha que o vergastava, desabafou:
- Pequei... E pequei gravemente. Para o meu erro não sei se há perdão. O meu é
o crime mais vergonhoso que pode acontecer, e quase não tenho forças para
confessá-lo.
Profundamente chocado, o confessor, preservando a serenidade, solicitou-lhe a
narrativa, antes que o julgamento para o qual não tinha condições, ouvindo,
estupefacto, detalhe a detalhe, toda a trajetória de ações ignóbeis realizadas pelo
seu sacerdote. Agitou-se, mais de uma vez, fazendo esforço para controlar-se,
ante a desesperação que o assaltou. Jamais imaginaria tão grave ocorrência no
seio do seu rebanho, e especialmente, em alguém que fora preparado para ser
pastor. Conteve-se, rogando silenciosamente a proteção de Jesus. O infeliz nada
ocultou, descendo a esclarecimentos, alguns escabrosos, até a ocorrência da
véspera, quando pensava em cometer mais um terrível pecado, havendo sido
surpreendido pela diretora do Educandário, que o mandou sair, e não sabia o que
estava acontecendo desde então...
A narração foi dolorosa para ambos. A experiência, porém, do senhor Bispo, e a
sua sinceridade no cumprimento do dever ante a Religião que professava,
puderam proporcionar alguma indicação para a tragédia existencial do
atormentado rapaz.
Com a voz embargada, o dignitário interrogou:
- Mais alguém está informado desses nefandos acontecimentos?
- Que eu saiba, não, Eminência - respondeu o jovem em lágrimas.
- Apenas dona Eutímia tem conhecimento deles?
- voltou a indagar.
- Penso que sim - contestou, sucumbido, o rapaz.
- Então aguardemos, porque amanhã deverei atendê-la e ao esposo, que me
solicitaram uma audiência. Estamos diante de uma situação lamentável e
insuportável. Como pôde, por tanto tempo, viver uma existência de abominação de
tal monta, sem nada comunicar ao seu confessor? Que tem feito da fé religiosa
que abraça e denigre com a sua conduta desvairada? Onde pôs o coração, ferindo
vidas em formação e desencadeando a ira celeste? Que espera da Igreja, que
vem sofrendo inconcebíveis perseguições, face à fuga dos seus sacerdotes e
monjas, que abandonam os compromissos e se entregam às dissoluções dos
costumes modernos? Tenho a impressão de que o demônio está desafiando o
trono de São Pedro, corroendo-o internamente. Volte ao lar e submeta-se à
penitência que lhe irei estabelecer, enquanto ouvirei a digna senhora e o seu
esposo, para tomarmos as providências que o fato horrível exige.
Após um silêncio constrangedor, o Bispo informou:
- Não poderei absolvê-lo do pecado, sem conhecer a outra face da questão, que
certamente me será narrada amanhã, exigindo-me meditações e consulta aos
códigos do Direito Canônico, para posterior definição de rumos. Por agora,
recolha-se à Casa Paroquial, não celebrando qualquer ato litúrgico, cuja
suspensão será justificada como decorrência de alguma enfermidade, até
segunda ordem, quando o chamarei para apresentar-lhe o resultado das
providências tomadas.
"Que Deus o perdoe e o ampare, porque eu não tenho condições de fazê-lo. Vá
em paz e não volte a piorar a própria situação, repetindo a sandice."
O jovem levantou-se cambaleante, muito pálido, tomando o rumo do lar.
O senhor Bispo era um homem dedicado e sincero em relação àquilo em que
acreditava, exercendo o seu apostolado com elevação e nobreza. Certamente
conhecia as misérias humanas, que lhe chegavam aos ouvidos com freqüência,
em razão das confissões auriculares... O trágico drama do seu sacerdote, porém,
feriu-o profundamente. Homem de idade, com quase toda a existência dedicada
ao pastoreio, acreditava nos dogmas da sua Fé religiosa e nas diretrizes da sua
Igreja.
Assim, após a saída do jovem atônito, também ele, encurralado pelos conflitos,
aproximou-se do altar-mor e ajoelhou-se, mergulhando nas águas bonançosas da
oração ungida de contrição. Ali ficou-se por mais de uma hora, quando se
levantou, a fim de atender aos demais compromissos que lhe diziam respeito. A
confissão do desesperado, porém, continuava ressoando na acústica da sua alma
sensível.
Aproximava-se a hora que deveríamos dedicar a outras atividades e, desse modo,
retornamos à Instituição Espírita, a fim de acompanharmos o atendimento fraternal
sob a responsabilidade do médium Ricardo.
Era dia de atividade doutrinária. A ampla sala encontrava-se repleta. No momento
próprio, o médium dissertou com facilidade e beleza sobre o tema Conquista da
consciência ante o conhecimento espírita.
As pessoas acompanhavam o raciocínio do expositor, extasiadas umas,
comovidas outras... e cochilando algumas vinculadas a Entidades que as
anestesiavam para que, embora presentes, não participassem do aprendizado,
não fruíssem as energias salutares que mantinham a psicosfera ambiente.
Transcorrida uma hora, mais ou menos, após o encerramento da reunião
doutrinária, as pessoas passaram a conversar fraternalmente, preservando o
ambiente de simpatia e de bem-estar, enquanto os candidatos ao atendimento
com o médium acomodavam-se em lugares adrede reservados, facultando um
pouco de refazimento ao amigo expositor.
Ato contínuo, começou a atividade espiritual relevante.
Alguém se encarregava de convidar a adentrar-se em pequena sala cada um
daqueles que haviam sido selecionados.
Jovial e de bom humor, o médium recebia-os, amparado pela sua Mentora, e
conversava com tranqüilidade, transferindo energias saudáveis aos aflitos, que se
acalmavam, esperança aos alucinados e cépticos, paz aos desesperados que
saíam com outras disposições, bendizendo a Deus a oportunidade da breve
convivência.
Como desejávamos acompanhar-lhe o atendimento ao casal cujo filho
desencarnara de maneira intempestiva e trágica, ao chegar o momento
procuramos perscrutar o que iria ocorrer.
Os pais aflitos adentraram-se na pequena sala, apoiando-se um no outro.
Convidados a sentar-se em frente do médium, permaneceram em singular
silêncio, no qual extravasavam sem palavras toda a angústia da saudade, toda a
dor da separação.
Compreendendo o que se lhes passava no íntimo, após saudá-los com bondade,
o médium informou-os:
- A morte é a grande libertadora que nos merece respeito e carinho. Não poucas
vezes revoltamo-nos com a sua ocorrência, quando nos toma o ser querido,
aquele que é a luz dos nossos olhos, o hálito da nossa existência, levando metade
da nossa vida com aquela que arrebata... Tudo isso tem lugar, porque não
conhecemos a Imortalidade. Quando a luz do Mundo Maior clarear nossas mentes
e pudermos compreender que morrer é libertar-nos, facultando que volvamos a
estar juntos mais tarde, será bem-vinda, não constituindo tragédia nem motivo de
aflição.
O casal ouvia-o surpreso, pois nada houveram dito. Olhavam-no com simpatia e
esperança, quando ele prosseguiu:
- Marcos, o filho querido, não morreu. Transferiu-se para um mundo melhor, sem
dores, sem separação e sem amarguras... Ele aqui está conosco. Posso vê-lo e
ouvi-lo...
O pranto represado nos corações explodiu, agora em júbilos. A senhora levantouse,
num gesto intempestivo, segurou-lhe as mãos e interrogou:
- Meu filho está vivo e está conosco? Como se encontra? Sente saudades de nós?
O esposo ergueu-se também, abraçou-a, e procurou acalmá-la.
Ricardo, que se comovera ante a dor-alegria da senhora, continuou com
tranqüilidade:
- Ele se encontra muito bem. Já se recuperou do transe experimentado após o
acidente. O que parece um grande mal foi, em realidade, uma bênção. Desejo
informá-los que a sua foi uma desencarnação ou morte por merecimento... Ele
partiu, porque não mereciam, nem ele, nem os senhores, sofrer, caso
permanecesse no corpo. O traumatismo craniano de que foi objeto, se ele
permanecesse no corpo, faria que ficasse como um morto, apenas em vida
vegetativa, e como o Pai é todo amor, amenizou a dor de todos, reconduzindo-o
ao lar, onde os aguarda em festa, porém após os senhores concluírem os seus
deveres que os manterão no mundo, já que ainda não é chegado o momento do
seu retorno. Ele agradece todo o carinho que sempre recebeu dos pais queridos, a
felicidade que desfrutou durante toda a existência, que não foi larga, porém o
suficiente, nos seus vinte e seis anos, para realizar as metas que havia traçado.
O casal saía de uma para outra emoção-surpresa ante as naturais informações
recebidas, que os convidavam a reflexões dantes jamais pensadas, agradecendo
a Deus a oportunidade especial, que nunca mais esqueceriam, e que iriam mudar
completamente o rumo das suas existências.
Ricardo referiu-se também ao auxílio que ele recebera ao desencarnar, quando a
avozinha materna o recebera, amparando-o naqueles momentos iniciais mais
difíceis.
Ali também se encontrava, envolvendo a filha e o genro em dúlcidas vibrações de
carinho e de paz.
Por mais alguns minutos manteve cordial conversação, rica de esperança e de
esclarecimentos, oferecendo páginas mediúnicas de conforto moral e sugerindo
que tomassem conhecimento dos postulados espíritas nas suas Obras básicas,
que lhes fariam um infinito bem.
Aqueles corações, antes despedaçados, experimentavam agora um pulsar
diferente, renovador, e, vitalizados, com palavras de profunda gratidão, saíram,
sorrindo de felicidade, em retorno ao lar.
O irmão Anacleto, sempre generoso, veio em meu socorro com as suas lúcidas
explicações:
- A mediunidade com Jesus é uma ponte de duas mãos que facultam a viagem de
ida na direção do Senhor e traz a mensagem de volta em Seu nome. Por mais se
deseje encarcerar o Espiritismo nas facetas científica e filosófica, dissociando-o
dos seus conteúdos ético-morais-religiosos, ele sobreviverá como O Consolador
que Jesus nos prometeu, conforme bem o definiu Allan Kardec sob a segura
orientação dos Guias da Humanidade. Como vemos, aqui não há qualquer culto
ou cerimonial, intrujice ou igrejismo, superstição ou sacerdócio que caracterizam
outras religiões. Verificamos nesta e em milhares de Instituições iluminadas pela
Doutrina Espírita a ausência de qualquer símbolo ou motivo de sugestão, que
induzam o interessado em crer sem compreender e aceitar sem raciocinar nos
seus conteúdos. A dor, que despedaça as multidões, aguarda fatos e não
discussões infrutíferas, socorro imediato e consolação antes da alucinação, ao
invés de aguerridos combates silogísticos críticos, enquanto se cruzam os braços
distantes da ação recomendada pelo Codificador e os Espíritos nobres para a
caridade nas suas múltiplas expressões, sem a qual de nada adiantam os debates
intelectuais presunçosos e vazios de conteúdos moral e espiritual...
Após reflexionar por breves momentos, chamounos a atenção, apontando as
pessoas que se adentravam na sala modesta em grande desespero e saíam
renovadas, qual ocorrera durante o atendimento fraterno e a exposição
doutrinária.
- Essa é a melhor parte - aduziu ainda gentil conforme o ensinamento do Mestre a
Marta, aquela que não será tirada.
"Agora, voltemos à Casa Paroquial, a fim de atendermos Mauro, no desespero
que o assalta, neste doloroso despertamento para a realidade."
10
RECOMEÇO DIFÍCIL E PURIFICADOR
A noite avançava com o seu crepe escuro bordado de estrelas lucilantes muito ao
longe.
O silêncio invadia a cidade, somente interrompido pelas onomatopéias naturais e
a movimentação de alguns transeuntes noctívagos.
A Casa Paroquial estava mergulhada em sombras, quebradas apenas por
algumas velas acesas diante de ídolos impassíveis em relação aos sofrimentos
humanos.
Como podiam, realmente, aquelas estátuas trabalhadas com beleza e quase
perfeição entender o drama e a agitação dos homens inquietos e aturdidos no
báratro existencial? Fossem representações legítimas daqueles que se houveram
dedicado ao Bem e ao culto do dever, quando na Terra, com o único objetivo de
estimularem a mente a direcionar-se-lhes, tornava-se exequível. No entanto, o
culto àquelas imagens sobrepunha-se à vinculação com as pessoas
desencarnadas que pareciam representar, permanecendo inútil.
Mauro encontrava-se alquebrado. Parecia haver envelhecido em poucas horas,
após a confissão e o sincero arrependimento que o dominava. Embora estivesse
em atitude de angústia, buscando Deus com o pensamento, sentia-se confrangido
e envergonhado sob o trucidar da culpa.
Repassava pela memória os acontecimentos da infância e a figura do genitor se
destacava no caleidoscópio das recordações. Apresentava-se hediondo e infernal,
debochado e insensível ante a aflição do filho, que submetia à selvageria sem
qualquer respeito pelo ser humano ou compaixão pelo rebento da própria carne.
À medida que aprofundava a mente nas evocações perturbadoras mais se afligia,
não podendo dominar o caudal de lágrimas que lhe escorriam pelas faces
ardentes, quase em febre de horror por si mesmo.
Vimos, então, acercar-se-lhe um indigitado perseguidor que, se utilizando da
angústia que dominava o sacerdote, começou a transmitir-lhe telepaticamente
idéias de fuga do corpo físico.
O irmão Anacleto, sempre vigilante, solicitou-nos que nos concentrássemos no
chakra cerebral do paciente e, ao fazê-lo, pude captar a indução pertinaz e
contínua:
- A solução para tal crime é o suicídio, porta aberta para a liberdade - pensava o
sofredor telementalizado pelo ignorado inimigo oculto. Como enfrentar a vergonha,
a humilhação, o opróbrio geral? E se a massa humana, sempre sedenta de
sangue, em tomando conhecimento da hediondez resolvesse fazer justiça com as
próprias mãos? Nunca faltaria quem desse o primeiro grito em favor do
linchamento, e logo as feras se atirariam furiosas contra a vítima que seria
destroçada sem qualquer piedade. Só o suicídio poderia resolver-lhe o drama
perverso.
Fui tomado de espanto ante a habilidade do indigitado inimigo. Ele não se permitia
trair, parecendo ser alguém que estivesse interessado na destruição do
adversário, inspirando-lhe de tal forma a idéia da morte como se lhe nascesse no
íntimo atribulado. Fixando-o, transmitia-lhe a idéia da fuga como solução, fazendo
crer tratar-se de uma auto-reflexão e nunca de uma auto-sugestão.
Mediante esse comportamento, fazia o enfermo supor que a atitude desejada era
lógica e, portanto, credível de aceitação.
Mauro recordou-se de uma jovem que lhe trouxera, através da confissão, a
narrativa do desespero em que se asfixiava ante a gravidez inesperada de que se
encontrava objeto. Repudiada pelo amante que lhe abusara da confiança, e
sabendo que a família jamais lhe entenderia a situação, tanto quanto receando os
preconceitos sociais então vigentes, recorrera-lhe ao auxílio, por não encontrar
outro caminho exceto o do autocídio.
Ante o próprio conflito, que já o atormentava na ocasião, tentou dissuadi-la do
gesto tresloucado sem muita convicção, sentindo-se fracassado, porque, logo
depois, na noite imediata, a infeliz recorrera à morte mediante o gás que abrira e
deixara-se anestesiar no quarto de banho, onde antes tivera o cuidado de vedar
todas as saídas e entradas de oxigênio.
Reflexionando e, ao mesmo tempo, com a mente invadida pelo algoz, concluía,
sem poder perceber que estava sendo vítima de uma consciência entenebrecida:
- O suicídio através do gás é repousante, sem dor e sem tormento, facultando ao
desditoso adormecer para adentrar-se no país do nada ou no inferno sem retorno.
Essa reflexão sacudiu-o, e ele recordou-se da fé religiosa que abraçava, dando-se
conta de que não a tinha em alta consideração, como o demonstravam sua
conduta e seu pensamento inseguro.
Estimulando-o à ação devastadora, o inimigo dá-lhe assenhorando-se do
pensamento, com o propósito de tomar-lhe o centro dos movimentos e acioná-lo
para que executasse o plano covarde de fuga, quando o Mentor, percebendo a
aflição da genitora de Mauro, em pranto e em prece, acercou-se-lhe e esclareceu:
- Nesta emergência, vemos apenas uma solução de imediato, que é a querida
amiga acercar-se do filho, apresentar-se-lhe, e despertá-lo para a realidade.
De imediato, concitou-nos, a mim, a Dilermando e a dona Martina, que nos
concentrássemos firmemente, oferecendo-lhe energias próprias para o
cometimento, enquanto sugeria-lhe que focasse o campo mental do filho e
chamasse-o nominalmente, várias vezes, com o que ela anuiu, confiante.
- Mauro, meu filho - chamou com energia a mãezinha desencarnada- desperte!
Mauro, ninguém morre. Recorde-se, neste momento, de Jesus.
A nova onda mental penetrou o cérebro do aturdido sacerdote, que experimentou
um choque vibratório por todo o corpo, percorrendo-o pelo dorso espinal e
fazendo-o despertar do letargo doentio.
Ante a força poderosa do pensamento de amor aureolado pelas vibrações
defluentes da prece, o adversário desencarnado experimentou a forte reação
nervosa do paciente que lhe desconectou o plug fixado à mente que lhe ia
cedendo campo ao convite desnaturado.
Só então percebeu-nos a todos que o contemplávamos com expressão de
misericórdia e de compaixão.
Experimentando um estado superior alterado de consciência, Mauro pareceu
escutar o apelo materno e, inesperadamente, pôde detectá-la à sua frente com os
braços distendidos em atitude de quem desejava afagá-lo, tombando de joelhos e
exclamando:
- Mamãe, é você ou algum anjo do Senhor que veio em meu socorro?
- Sou a tua mãezinha de sempre, que retorna como anteriormente, a fim de
ajudar-te neste instante grave da tua existência. O Senhor deseja a morte do
pecado, nunca a do pecador. Não há mal para o qual não exista remédio, nem
ação nefanda que possa ser considerada irrecuperável. Pára e pensa! O teu é um
erro hediondo, mas o amor do Pai é infinito, e pode albergar todos os crimes para
diluí-los, ajudando os criminosos a se recuperarem a fim de auxiliarem as vítimas
que infelicitaram.
O rapaz estava confuso, num misto de alegria e de sofrimento, convulsionado pelo
pranto e ardendo em febre de desespero.
Dando prosseguimento, ela se fez mais enfática:
- Este é o teu momento de redenção, meu filho. Foi longa a marcha degradante
que te permitiste, e que agora te exige uma recuperação demorada e de
sublimação.
Não te recuses ao dever de sorver a taça na qual apenas depositaste fel, vinagre
e mirra. É o teu momento de expiar, nunca de fugir para lugar nenhum, porquanto
o suicídio somente piorará o quadro das tuas aflições.
Aproveita este breve instante e recompõe-te mentalmente, preparando-te para
experimentares as mais cruas dores e rudes humilhações, afinal decorrentes dos
teus próprios atos, mas que te oferecerão os meios para ajudares a todos quantos
feriste os sentimentos de pureza e de dignidade, conferindo-te meios para a
ascensão que te aguarda. Entrega-te a Jesus e nEle confia. Nunca desfaleças e
crê no divino auxílio. Até breve, meu filho!
Mauro desejou prolongar aquele colóquio quase sublime, mas não teve tempo,
porque a figura veneranda começou a desvanecer-se, deixando a suave sensação
de paz no coração dilacerado do jovem, enquanto dúlcidas vibrações de paz
invadiam o recinto como resposta dos Céus às aflições e preces da Terra.
Não suportando a cena de ternura, o réprobo e perseguidor sandeu retirou-se
blasfemando, furibundo.
Mauro deitou-se para melhor introjetar tudo quanto lhe acabara de ocorrer e fixá-lo
para sempre na memória e no coração.
Um lânguido torpor foi-lhe tomando todo o corpo e, poucos minutos após, dormia
tranqüilamente.
A mãezinha feliz, continuou a velá-lo, enquanto, convidados pelo distinto Anacleto,
retornamos ao Núcleo onde nos hospedávamos.
Nesse comenos, quando seguíamos na direção da Casa de amor e luz, utilizandome
da proverbial bondade do amigo, interroguei-o:
- De quem se tratava a Entidade que induzia Mauro ao suicídio? Isto porque, em
nossa convivência naqueles poucos dias não tivera oportunidade de conhecê-la?
Não se fazendo esperar, o amigo generoso esclareceu:
"Conforme nos recordamos, Madame X celebrizou-se no período napoleônico pela
insensatez e cobiça, utilizando-se da sua mansão-bordel para as extravagâncias,
nas quais infelicitou muitas pessoas. O infeliz, que ora a induz ao suicídio, embora
se encontre na roupagem carnal de Mauro, é mais um daqueles que foram
dilapidados nos sentimentos e trucidados na razão, face ao desbordar de paixões
que a infeliz proxeneta de luxo se permitia na sua corte de depravados, na qual
misturava favores sexuais com interesses políticos, tornando-se agente de
conciliábulos perversos, que mutilaram muitas pessoas... Vitimado, naquele
período, pela astúcia de um inimigo junto à política vigente, Madame intermediou a
sua queda, conduzindo-o a uma armadilha muito bem urdida, na qual perdeu a
existência corporal, além de ter enlameada a memória."
Silenciando rapidamente, concluiu:
- Quando as criaturas derem-se conta da gravidade do crime e das suas
conseqüências, pensarão sempre com muito cuidado antes de assumir ou criar
situações perversas e infelicitadoras para as outras, que sempre redundarão em
desdita para si mesmas.
Naquele momento chegamos à Instituição, que me chamou a atenção para o
número de Espíritos que ali se encontravam em verdadeira azáfama.
Alguns acorriam ao salão doutrinário, onde, logo mais, deveria ser realizada uma
conferência por abnegado espiritista desencarnado, que realizara na Terra
expressiva tarefa de divulgação dos postulados exarados na Codificação.
O número de encarnados em desdobramento parcial pelo sono, que ali se
encontravam, era expressivo, os quais misturavam-se aos libertados do corpo
através da morte física. Muitos desencarnados buscavam os setores de socorro
aos que deambulavam na roupagem carnal, e os seus familiares vinham em busca
de auxílio para os mesmos antes que se comprometessem irreversivelmente.
Outros mais, caminhantes do carreiro orgânico, eram enfermos que estiveram no
Centro Médico da Entidade durante o dia e, após orientados pelos esculápios, que
também lhes falaram das interferências espirituais que geram distúrbios de vária
ordem, procuravam atendimento específico. Diversos outros conduziam seus
filhos que freqüentavam as Escolas da Casa e necessitavam de terapias
espirituais, a fim de terem diminuídos os seus sofrimentos, melhorando-lhes a
capacidade de entendimento e compreensão das aulas que lhes eram
ministradas. Espíritos com os sinais e características dos desgastes orgânicos
apresentavam-se ansiosos, necessitados de orientação e apoio, de forma que
conseguissem concluir a reencarnação com dignidade e proveito... Enfim, toda
uma colmeia de ação ordenada prosseguia em incomum movimentação.
Ao lado desses, grupos de desencarnados em sofrimento eram convidados e
conduzidos aos diferentes setores de triagem para melhor atendimento, ao tempo
em que, perturbadores e viciosos, embora sem dar-se conta, também eram
encaminhados aos núcleos onde poderiam ser recebidos e ajudados.
Tudo respirava o oxigênio do amor e da vida, enquanto o silêncio e a noite
amortalhavam no sono físico os homens e mulheres recolhidos aos lares.
Não obstante a movimentação enriquecedora, caracterizada pela ação do bem e
da caridade, não nos detivemos em qualquer daqueles setores onde se
encontravam os necessitados. O irmão Anacleto seguiu diretamente à sala
mediúnica, já nossa conhecida, na qual deveria desenvolver-se o estudo para uma
ação meritória que teria lugar posteriormente. Assim, acompanhamos o amigo e
adentramo-nos pelo recinto dedicado ao intercâmbio com o mundo espiritual, que
se encontrava igualmente repleto. Não era uma reunião como as anteriores, que
tinham por objeto atender aos desvarios dos desencarnados em comunicações
mediúnicas. Ali se encontravam alguns Espíritos nobres acompanhados de
assessores, que deveriam discutir uma questão de importância que se iria
delinear.
À chegada do Benfeitor todos se rejubilaram. Pude então detectar a superioridade
espiritual do mesmo, que se apagara para estar conosco e atender ao apelo de
dona Martina, em favor do filho desorientado e enfermo.
Após as saudações e apresentações, conforme sempre também acontece na
sociedade terrestre, o recém-chegado expôs:
- Esta reunião tem por objetivo o estudo de um plano delicado, em benefício de
um Espírito que, há várias décadas, experimenta o horror na Cidade das paixões
servis, que auxiliara a erguer antes de mergulhar no corpo e para onde retornou
após a turbulenta desencarnação. Pelas circunstâncias em torno da gravidade do
cometimento, todos nos deveremos ungir de sentimentos de compaixão e de
misericórdia para com os sicários que com ele convivem, de modo que nos
recordemos da imprescindibilidade da oração e da vigilância, tendo em mente que
todos somos Espíritos imperfeitos em processo lento de renovação e de
crescimento para Deus.
Silenciou por alguns breves segundos, e logo prosseguiu:
- Pela magnitude do labor, deveremos formar um só bloco de pensamento, de
forma que nos seja possível atravessar as barreiras defensivas da comunidade de
perversão, para ajudar sem censura, ali estagiando sem contaminarmo-nos,
realizando o mister para o qual a visitaremos com os propósitos elevados de bem
servir.
Fazendo uma pausa oportuna, a fim de ampliar o campo das explicações, referiuse:
- A História conta-nos complexos e variados comportamentos atribuídos ao
marquês de Sade, de dolorosa e perturbadora memória. Considerado por uns
como sendo grande novelista, por outros é tido como um atormentado portador de
distúrbios mentais e emocionais, especialmente no que diz respeito à conduta
sexual, que passou à posteridade como sendo praticante de tormentosas
aberrações no campo da sodomia e de outras criadas pelo seu desvario. A grande
verdade é que descendia de uma família das mais nobres e distintas da Provença,
nascido em Paris, havendo, na juventude, ingressado na cavalaria aos catorze
anos, de onde saiu na condição de segundo tenente, fazendo parte do regimento
do rei. Logo após, durante a guerra dos Sete Anos, na Alemanha, alcançou o
posto de capitão. Em 1763, havendo regressado à França, seu país natal, casouse
com uma das filhas do presidente Montreuil, havendo sido, de alguma forma,
enganado, porque amava à outra filha, a mais jovem, que a família encaminhara
ao convento, causando ao capitão um grande desgosto e arruinando-lhe a vida
interior.
Posteriormente, ele deu início aos tremendos atos de desregramento moral,
através de um escândalo inicial que o envolveu com uma jovem, que fora
barbaramente maltratada, o que impôs ao marquês o seu encarceramento no
castelo de Saumur.
O bondoso e sábio amigo silenciou por um pouco, como se desejasse sintetizar a
história tormentosa do infelizmente célebre marquês, logo dando prosseguimento:
"Nasceu como Donato Afonso Francisco, herdeiro dos títulos de conde e de
marquês. Depois do inditoso acontecimento foi transferido para o cárcere em Lião,
ali ficando por breves seis semanas, logo posto em liberdade, o que lhe facultou
nova prática hedionda em Marselha, crime esse que lhe valeu a pena de morte
pelo Parlamento de Aix, tendo-se em vista a barbaridade com que o mesmo fora
praticado. Liberado da condenação, hábil, como era, nas artimanhas de que se
utilizava, conseguiu seduzir a cunhada, retirando-a do convento, e fugindo com ela
para a Itália. Os bons fados, porém, não lhe foram favoráveis, porque, logo depois,
a mulher que parecia amada desencarnou, e ele tentou voltar à França, havendo
sido novamente preso, e fugindo após, de forma que pôde dar prosseguimento à
sua existência insensata e degenerada. Foi novamente preso e liberado, para, por
fim, ser encarcerado em Paris e encaminhado à Bastilha.
Aqueles eram, porém, dias pré-revolucionários, e ele, utilizando-se de
maquinações bem elaboradas, que o caracterizavam, improvisou um tubo, através
do qual conseguia gritar impropérios e narrar supostas perseguições como maus
tratos de que seriam vítimas os encarcerados no velho castelo. Posteriormente,
passou a escrever em folhas de papel que atirava pelas grades, narrando
supostas atrocidades que sofria com outros prisioneiros, havendo sido
considerado, de alguma forma, um inspirador ou estimulador da Revolução de
1789, especialmente havendo contribuído em favor da destruição da hedionda
prisão. Anteriormente, no entanto, houvera sido internado no asilo para alienados
mentais de Charrenton, de onde foi liberado graças a um decreto da Assembléia
Constituinte.
Novamente o nobre Espírito silenciou. Podíamos notar-lhe a emoção, feita de
compaixão e de misericórdia, em favor da desnaturada personagem, para logo
concluir:
- A esposa abandonou-o, não mais o suportando, embora também a vida
desregrada que se permitira, resolvendo-se recolher a um convento, a fim de
expiar a conduta reprochável. Sentindo-se livre do cárcere e do matrimônio, o
marquês, já idoso, teria levado o restante da existência de maneira moderada,
ainda segundo alguns biógrafos, vivendo pelo próprio trabalho, deixando um
imenso legado de obras, principalmente comédias que foram representadas em
Paris e em Versailles, licenciosas e autobiográficas das práticas que realizara.
Embora expressiva e volumosa a sua literatura não se destaca pela qualidade,
mas certamente pela vulgaridade. Desencarnou louco no manicômio de
Charrenton, para onde fora levado, após uma longa existência de 74 anos mal
aproveitados. Os seus desregramentos deram lugar a uma designação derivada
do seu nome pára um tipo de perversão sexual, que passou a ser conhecida como
sadismo.
11
RETORNO À CIDADE PERVERTIDA
O Benfeitor encontrava-se algo preocupado. Para aquela reunião fomos
convocados nós outro, Dilermando, o médium Ricardo acompanhado pela sua
Mentora, o psicoterapeuta espiritual Felipe e mais alguns assessores, formando
um grupo de oito desencarnados e dois reencarnados.
Respirava-se uma atmosfera de paz, embora todos pressentíssemos a gravidade
do cometimento que se estava delineando.
Guardava vivas na memória as imagens degradantes e sombrias que tivera
ocasião de encontrar na cidade da perversão, podendo detectar que nova
excursão se fazia necessária, a fim de melhor entender as ocorrências da
obsessão em referência às condutas sexuais desregradas.
Convidada a proferir a oração, que deveria assinalar o início das atividades
espirituais, a nobre Benfeitora madre Clara de Jesus concentrou-se e, à medida
que se interiorizava, transformava-se em um foco de suave claridade azul-violeta
com graduações de difícil definição.
A meiga voz adquirira tonalidades musicais penetrantes, e ela exorou:
Amoroso Jesus, Companheiro dos desditados e esquecidos!
Evocando a Tua jornada terrestre, quando desceste ao abismo das misérias
humanas, a fim de nos ergueres ao esplendor da Tua morada, também nós,
servos imperfeitos da Tua seara, preparando-nos para ascender no Teu rumo,
através do mergulho no dédalo das aflições espirituais, vimos suplicar-Te apoio e
inspiração.
Dulcifica-nos interiormente os sentimentos, alargando as nossas possibilidades de
amor, de modo que auxiliemos sem exigências, participemos das angústias do
próximo sem nos entristecermos e, sejam quais forem as circunstâncias em que
se encontrem os irmãos do carreiro da agonia, não nos permitamos julgá-los ou
censurá-los, compreendendo-os sempre, sem o que estaremos incapacitados para
servi-los e socorrê-los.
Nesse tremedal em que se encontram por vontade própria, após o desrespeito às
Soberanas Leis da Vida, não vigem a solidariedade nem a misericórdia, antes
campeiam as arbitrariedades e as loucuras do desregramento moral e espiritual do
ser que perdeu o endereço de si mesmo.
Apieda-Te deles, concedendo-lhes novo recomeço, qual nos conferiste quando
nos encontrávamos sem rumo e a Tua voz nos alcançou, convidando-nos a
seguir-Te, maneira única existente de nos libertarmos das paixões primitivas.
Reconhecemos as próprias deficiências para o labor que iniciaremos, por isso
mesmo suplicamos-Te sejas o nosso Guia e Condutor, para que todos os nossos
sejam passos seguros sobre as Tuas pegadas e a nossa se transforme na ação
do Bem Infinito, não obstante os nossos limites e as nossas deficiências.
Senhor, aceita-nos a Teu serviço em nome de Nosso Pai!
Quando silenciou, com lágrimas que lhe orvalhavam os olhos, vimos mirífica luz
argêntea que, descendo de ignoto ponto, a envolveu, espraiando-se em nossa
direção e albergando-nos a todos na sua claridade.
Nesse momento, vimos chegar dois jovens Espíritos, cada um dos quais,
conduzindo um mastim de expressivo porte, mas bem amestrados e mansos.
Era a primeira vez que, participando de uma excursão espiritual, a mesma fazia-se
integrada por almas de animais desencarnados.
A questão da alma dos animais sempre me interessara, mesmo quando me
encontrava na Terra. Afinal, qual o destino reservado aos nossos irmãos da escala
zoológica dita inferior, alguns deles revelando uma percepção do instinto tão
aguçada, que se expressava na condição de uma inteligência embrionária?
Embora as informações fornecidas pelos Espíritos nobres da Codificação em torno
do período em que eles permanecem no mundo espiritual, mas não em estado de
erraticidade, retornando ao mundo físico quase imediatamente, agora encontrava
aqueles mastins que seriam utilizados pelos trabalhadores do Bem, demonstrando
que haviam sido selecionados para auxiliar-nos em tarefas relevantes, nas quais
poder-nos-iam ser de grande utilidade.
Os jovens, que os conduziam, pareciam excelentes amestradores, que os
iniciaram na identificação dos fluidos perniciosos e das vibrações deletérias das
regiões espirituais inferiores, porquanto se apresentavam exultantes face à
possibilidade de contribuírem em favor do êxito do empreendimento em pauta.
Ainda estava mergulhado nas reflexões em torno dos animais, quando o Benfeitor
começou a explicar a finalidade da excursão em delineamento, informando:
- Ante o desbordar das paixões asselvajadas que cultivara na Terra, o marquês de
Sade, residente na cidade perversa, comanda uma legião de cultores do sexo em
desalinho, no mundo espiritual, que se encarregam de inspirar e preservar as
alucinações de homens e mulheres terrestres que lhes caem nas malhas
perturbadoras.
"À semelhança de Mauro, o esposo da dama da consulta ao atendente fraterno da
Casa enquadra-se como dependente da ação nefasta daquelas Entidades
devassas que, em obsidiando alguns incautos, também tombam nas malhas da
própria rede de perturbação, experimentando o tormento da insaciabilidade e mais
experienciando as necessidades físicas de que já deveriam encontrar-se
liberados, e constituem somente impregnação dos vícios no perispírito..."
Fez uma pequena pausa e logo prosseguiu:
- Em nossa Esfera de ação tomamos conhecimento de que um grupo de sequazes
do marquês pretende, oportunamente, assaltar esta Instituição, que se constituiu
um pouso de renovação que é do vero Cristianismo, influenciando seus membros
para tombarem nas urdiduras da sensualidade desavisada, assim interrompendo o
ministério de amor e de dignificação que aqui se desenvolve. Conforme
recordamos, no plano estabelecido pelo Soberano das Trevas a respeito das
quatro torpes verdades (*), os Espíritos do Mal investiriam com todas as suas
forças contra os obreiros do Evangelho desvelado pelo Espiritismo, por estarem
interferindo nos planos trabalhados em favor das obsessões coletivas. Uma
dessas verdades é o uso desarmonizado do sexo, fazendo o ser derrapar na
vulgaridade e no desrespeito a si mesmo como ao seu próximo.
* Vide Trilhas da libertação, Cap. X, FEB, (Nota do Autor espiritual.)
Após inúmeras tentativas frustradas, para levarem adiante o sórdido plano,
solicitaram a ajuda do marquês e dos seus comparsas, que têm atraído diversos
invigilantes para o desastre inevitável.
O sábio e diligente Guia silenciou por um pouco, procurando ajuizar quanto às
informações que iria oferecer-nos, a fim de dar continuidade à narração do plano,
referindo-se:
- Não têm sido poucos os homens e as mulheres que se reencarnaram nas fileiras
da Doutrina Espírita, conduzindo altas responsabilidades em torno da sua
divulgação e vivência corretas. Nada obstante, após alcançarem a notoriedade e
mesmo certa respeitabilidade no Movimento, vêm tombando ante as facilidades
em favor do uso do sexo irresponsável, comprometendo-se gravemente e gerando
perturbação nos companheiros que, aturdidos, constatam que a sua não era uma
conduta exemplar, nem autêntica.
"Quando esses serviçais das paixões vis direcionam o pensamento para alguém, e
concede-lhe assistência nefasta, a sua insistência é tão grande e pertinaz que são
poucos aqueles que conseguem evadir-se do cerco ou superar-lhes a pressão
doentia, escravagista. Inspiram a mentirosa excelência do gozo, dão idéia que a
pessoa está perdendo excelentes oportunidades de ser feliz, tendo em vista a
predominância do prazer doentio que, afinal, a vida não pode ser de Nada tão a
sério que dispense as suas concessões carnais, que o tempo monástico não mais
se instalará na Terra, e que estes são dias diferentes. Noutras vezes, auxiliam por
inspiração reflexões perturbadoras, procurando diminuir a gravidade dos
compromissos sem responsabilidade, a banalização dos relacionamentos
apressados e das múltiplas experiências como fonte de vida, etc. em terríveis
conciliábulos que, não poucas vezes, resultam exitosos para os seus
delineamentos. "
O gentil amigo percorreu a sala com o seu olhar percuciente, e vendo o expressivo
número de Espíritos encarnados, desdobrados pelo sono, e desencarnados,
buscando amparo e orientação, não se pôde furtar à emoção, prosseguindo:
- Orando sinceramente, os companheiros ergastulados na matéria, sentindo-se
perturbados com as caprichosas odisséias da sensualidade e visitados pelos
desejos ignóbeis, vêm rogando proteção, buscando a reflexão nas leituras de
obras confortadoras, trabalhando na ação da caridade, e como o cerco prossegue,
apelam, quase em desespero, pela ajuda, que nunca falta, a fim de seguirem fiéis
aos compromissos abraçados com devotamento.
Nesse ínterim, resistindo às influências nefastas que nem sempre lhes encontram
guarida na mente ou no sentimento, tornam-se vítimas de companhias encarnadas
que se corromperam e se oferecem para o banquete da loucura, alcançando-os
com maior facilidade. É-lhes possível resistir às interferências espirituais pelo
pensamento, renovando-se e impondo-se idéias edificantes, no entanto, quando
perseguidos por pessoas amigas que se transtornam e passam a assediá-los, o
problema se lhes faz mais grave.
"Por essas e mais outras razões, iremos tentar remover alguns obstáculos do seu
caminho e interferir na planificação odienta que se trama na cidade da perversão
contra esses trabalhadores da Era Nova. Todos sabemos que não é fácil o trânsito
na esfera carnal, onde já estivemos, entre tropeços nas trevas da ignorância e o
ressumar das paixões adormecidas e não superadas."
Novamente fez uma pausa, para logo concluir:
- A fim de ganharmos tempo, deveremos volitar na direção da cidade, acercandonos
dos seus arredores, conforme sabemos, muito bem vigiados por perversos
guardas adestrados para capturar visitantes inoportunos. Em qualquer situação,
preservemos o equilíbrio e a serenidade, certos do divino auxílio, mantendo a
confiança irrestrita em Deus e conscientes dos objetivos que até ali nos
conduziram. Da vez anterior, na condição de observadores, não tivemos qualquer
dificuldade em adentrar-nos nos seus limites, agora, no entanto, com finalidades
de trabalho específico, deveremos manter-nos mais cuidadosos.
Reinando uma verdadeira consciência de paz e de dever, vimos o médium
Ricardo acercar-se da sua Benfeitora, que o envolveu em dúlcido olhar de ternura
e sorriu, generosa.
Após breve concentração começamos a deslocarnos na direção da meta que nos
aguardava.
Pairava uma expectativa quase ansiosa em minha mente e no meu coração.
Quando alcançamos a região pantanosa próxima às cavernas escuras em cuja
intimidade se homiziavam os seus infelizes habitantes, um odor pútrido invadiunos
a pituitária, denunciando o teor vibratório de baixíssimo nível moral de onde
procedia, qual ocorrera por ocasião da primeira visita.
Podíamos ouvir o clamor e o estardalhaço que se faziam crescentes, à medida
que nos aproximávamos de uma das furnas de entrada.
Para melhor dificultar a identificação dos vigilantes, que conduziam Espíritos
metamorfoseados em animais por processos perigosos de hipnose perispiritual
infelizes, fizemo-nos cobrir por mantos pesados que alteravam a nossa aparência
e com a presença dos mastins, facultando que pensassem tratar-se de retornados
de excursão ao planeta de onde traziam novos aficionados para o turbulento
espetáculo.
Mantínhamo-nos em silêncio, não havendo despertado a atenção dos guardiães
da entrada, tão certos estavam de que ninguém se atreveria a vencer as barreiras
delimitadoras da comunidade alucinada.
Respondendo às questões que eram propostas pelos vigilantes de plantão, o
nosso Mentor, circunspecto e concentrado, informou que se tratava de um novo
grupo recém-convidado para o espetáculo da noite.
Um pandemônio reinava por toda parte.
A sensualidade desbordante tomava conta dos alucinados em transe de loucura.
O desfile dos carros alegóricos expressando as organizações genitais deformadas
e absurdas, os atos praticados em grupos vulgares e desvairados, inspiravam
compaixão, não fosse a náusea que provocavam. Tudo ali fazia recordar os
lupanares de baixa categoria e os antros da mais sórdida vulgaridade sexual
animalizada. Estátuas horrendas, decorações absurdas, construções aberrantes,
tudo era calcado no sensualismo chocante, ao tempo em que as músicas
estridentes faziam-se acompanhar por detrás de conteúdo chulo e palavreado
grosseiro, enquanto seres humanos transformados em bestas animalescas
serviam de condução a hediondas personagens que as conduziam, utilizando-se
de rédea e chicote, seminuas ou vestindo-se primitivamente com o que pareciam
couro negro escuro e brilhante, tendo adereços e argolas grosseiras penduradas
em várias partes do corpo, incluindo o sexo de aparência descomunal... Tudo
eram referências às mais vis expressões da conduta desregrada do abuso sexual.
Grupos desfilavam exibindo espetáculos coletivos de caráter sadomasoquista, em
que as aflições que eram infligidas aos seus membros produziam gritos e
dilacerações absurdas, mutilações e flagelos entre gargalhadas estentóricas e
zombeteiras, como a imaginação mais exagerada não é capaz de conceber.
A execração não tinha limites, e apesar de nunca haver sido impressionável,
mesmo quando da breve visita anterior, encontrava-me quase atoleimado ante o
que a mente em desalinho é capaz de produzir.
Estávamos parados numa das laterais por onde desfilava o cortejo da luxúria
desgovernada.
Representações de seres mitológicos se multiplicavam, sempre com destaque a
área da sua perturbação ou representação sexual desconcertante; ridículos
imperadores romanos do período da pré-decadência eram imitados com burlescas
aparências e debochadas carantonhas; meretrizes famosas e seus amantes
infelizes volviam à cena representativa, entre aplausos ensurdecedores, assobios
e gritos infernais entronizando bizarros Eros, Baços, Afrodites, Apoios
despudorados...
Nesse momento surgiu um cortejo de crianças em atitudes agressivas e grotescas
de atos libidinosos estarrecedores. Apurando, porém, a atenção, pude detectar
que se tratava de anões disfarçados, conforme notara anteriormente, a fim de
reterem a imaginação dos pedófilos e doentes de outras expressões
perturbadoras do sexo aviltado.
Não conseguia compreender toda a hediondez do espetáculo, constatando mais
uma vez que, naquela cidade nefasta, muitíssimos líderes das aberrações que se
apresentam na Terra iam ali buscar inspiração, em razão de estarem envolvidos
com a população residente. Isso, quando não a visitavam com a freqüência
indispensável a uma perfeita identificação de conduta, que pretendiam transferir
para o planeta.
Recordava-me daqueles que sempre proclamam pela liberdade de expressão, no
seu aspecto mais grotesco e selvagem, exigindo leis que descriminem usos e
comportamentos vis, em nome da falsa cultura e da liberalidade que raia sempre
pelo despropósito e pelo abuso. Alguns desses companheiros terrestres, que se
fizeram famosos pelos conjuntos e bandas metálicas com personificações
diabólicas, ali também se encontravam no desfile, exibindo as suas mazelas e
perversões com que se compraziam, a fim de despertarem no corpo físico mais
tarde sob indisfarçável mal-estar, que pensavam minorar com doses de álcool e
de outras drogas químicas de que se fizeram escravos...
Era aquela, sim, uma sociedade que emergia do passado grosseiro, solicitando
cidadania nos tempos modernos...
Estava mergulhado nessas reflexões, quando escutei nos refolhos da alma a voz
gentil do Benfeitor, chamando-me a atenção:
- Não nos encontramos aqui para avaliar ou julgar o comportamento dos nossos
irmãos doentes, mas sim com o objetivo de ajudá-los. Preservemos a sincera
compaixão fraternal, aprendendo a avaliar tudo quanto não mais nos cumpre
vivenciar, superadas essas manifestações primárias, nas quais um dia também
nós, de certo modo, estagiamos antes de alcançar o momento atual. Oremos e
vigiemos!
A advertência oportuna chegara abençoada, despertando-me para o dever da
solidariedade e não da censura ou da observação malsã que me permitia, desde
que somos todos filhos de Deus, em cujo amor nos movimentamos e para cujo
seio nos dirigimos. Todos teremos a nossa ocasião de ascender aos páramos da
luz, por mais nos demoremos nas trevas da ignorância e da perversidade.
Mudando de atitude mental, de imediato as cenas escabrosas, que continuaram
da mesma forma, passaram a ter um outro sentido e significado ante a reflexão de
que Deus as permitia, porque o ser humano as elaborava em favor de si mesmo, a
fim de aprender a purificar-se, saindo do pântano a que se arrojara livremente na
direção da paisagem de luz.
Automaticamente deixei-me embalar pela musicalidade íntima da oração de
misericórdia e de ternura em favor dos Espíritos confundidos em si mesmos,
necessitados todos de bondade e compreensão, experimentando outro estado
interior de paz e de compaixão.
12
ESTRANHO ENCONTRO
Ignorava completamente como seria a atividade naquele báratro e como
poderíamos acercar-nos do marquês de Sade.
O Mentor, porém, houvera elaborado um plano que estava levando adiante com
muito cuidado e discernimento.
À medida que se sucedia o desfile dos carros alegóricos e os grupos que os
secundavam foram diminuindo, lentamente a região foi tomada pelo tumulto dos
indivíduos entregues à lascívia em pequenos círculos afins, formando pares ou
esquisitas parcerias múltiplas.
Nesse momento, atendendo a um apelo mental do Instrutor, fomos
embarafustando-nos pela multidão, rumando para extravagante edifício em que se
transformara uma gruta sombria com movimentação agitada e confusa.
À entrada postavam-se dois hediondos serviçais trajados de maneira inusual,
como se desejando reviver o passado da aristocracia francesa pré-napoleônica,
quais lacaios maltrapilhos e imundos, que seguravam cães de aparência feroz, e
que, melhormente observados, eram seres humanos que haviam sofrido a
zoantropia hipnótica.
De aspectos ferozes, avançavam sob os acicates dos seus condutores contra
todos aqueles que se adentravam ou saíam, o que não ocorreu conosco, quando
se depararam com os dois mastins que eram levados adiante do grupo pelos
jovens silenciosos e circunspectos.
Embora diferíssemos dos transeuntes grotescos e de carantonha asselvajada, não
chamávamos muito a atenção face aos mantos pesados que nos caíam da cabeça
cobrindo-nos quase literalmente.
Observei que, à medida que permanecíamos no recinto mefítico da estranha
cidade, a nossa indumentária desgastava-se, os mantos romperam-se numa
apresentação grosseira de trajes usados por beduínos após incessantes
travessias do deserto...
Embora não falássemos durante o trajeto, pude ouvir informações mentais que
procediam do Mentor, esclarecendo que a substância em que os nossos trajes
foram trabalhados era própria para aquele ambiente, a fim de assimilar as
características locais, de forma que não despertássemos a curiosidade, caso a
nossa fosse uma apresentação diferenciada dos demais residentes e visitantes do
tremedal.
A furna era iluminada por archotes fumegantes presos às paredes, que ardiam
com uma coloração amarelo-avermelhada, de certo modo apavorante pela
tonalidade agressiva, e o odor pútrido, misturado ao fumo e a outras emanações,
era quase insuportável.
Após avançarmos pelo que seria um corredor estreito e escorregadiço, chegamos
a uma ampla sala onde um Espírito de aspecto diabólico, sentado em um
arremedo de trono esdrúxulo, banqueteava-se com Entidades lascivas e
debochadas em intérminas gargalhadas, enquanto gritos selvagens cortavam o ar,
misturando-se a sons estranhos e grotescos que constituíam o espetáculo
agradável ao infeliz governante daquela área.
Detivemo-nos a regular distância, a fim de observarmos os acontecimentos e
podermos conhecer de perto o infelizmente célebre criador de aberrações, já
anteriormente praticadas pelo ser humano, porém por ele ampliadas até ao
absurdo durante os seus tormentosos e perversos dias já referidos, quando da sua
última existência terrena.
Faunos e representações do deus Pan misturavam-se aos famigerados membros
da estranha corte, ao tempo em que mulheres, imitando vestais e sacerdotisas,
monstruosas umas e em atitudes torpes outras, entregavam-se a inimagináveis
movimentos de lascívia grotesca como se o único objetivo existencial fosse o
infindável intercurso da sensualidade depravada.
Vez que outra, gemidos e exclamações lancinantes explodiam no recinto,
provocando gargalhadas e sustos no grupo estranho, que não cessava de
retorcer-se ao som desconcertante de guitarras e tambores eletrizantes.
Podia-se também perceber expressões de exaustão em muitos rostos, enquanto
não poucos apresentavam sinais inconfundíveis de tédio, que os induzia a mais
excruciantes comportamentos aterradores.
Um Inferno de falsos prazeres, que se convertiam em insuportável sofrimento
disfarçado com o riso da loucura e a falta de discernimento de qualquer tipo de
valores e de aspirações.
Nenhuma imaginação exaltada seria capaz de urdir algo semelhante,
demonstrando o poder da mente em desalinho, quando perde os parâmetros do
equilíbrio e as diretrizes da sensatez.
Os mastins, de quando em quando, asfixiados pela psicosfera pastosa e quase
irrespirável, reagiam agitando-se, logo sendo controlados pelos seus
amestradores.
A um sinal, quase imperceptível do Mentor, acercamo-nos do trono ridículo, e num
vaivém do grupo grotesco em sua volta, que nos permitiu maior proximidade com
o Chefe, dirigiu-se diretamente ao suserano, informando:
- Tenho, para o senhor marquês, uma solicitação firmada por certa personagem
de nome Rosa Keller, sua conhecida...
Ao escutar o nome, que lhe ressoou na câmara acústica da alma, o indigitado,
como se fulminado por um raio, levantou-se, e gritou histérico:
- Quem é você e que vem fazer aqui?
Ato contínuo, blasfemando, chamou os guardas, aos quais deu ordens expressas:
- Como entraram aqui esses estranhos? Prendam-nos.
Sem demonstrar qualquer receio, o irmão Anacleto prosseguiu:
- Desde que não lhe interessa o requerimento de que somos portadores, pode
tomar a atitude que lhe convier, e ficará na ignorância do seu conteúdo.
- Arrancarei as informações através de torturas violentas - vociferou.
- Se é assim que pensa, o prejuízo será apenas seu - ripostou, sereno e seguro o
Mentor. - A verdade é que Rosa Keller foi encontrada e é portadora de acusações
muito graves, que pretende encaminhar ao Soberano das Trevas.
Novas ordens desconexas foram dadas, enquanto dizia:
- Ouçamos, então, o que os atrevidos têm a dizer - blasonou.
O ambiente modificou-se de maneira imediata. Os ruídos cessaram e a
movimentação confusa parou ante a determinação do mandatário.
O venerando Guia, com voz pausada e muito sereno, esclareceu:
- Rosa Keller esteve por muito tempo prisioneira no castelo de Y, após a morte, de
onde foi retirada pela misericórdia de Deus, não há muito. Desde aqueles dias
algo distantes, quando foi execrada, que se entregou a aberrações que
culminaram enlouquecendo-a. Abençoada pela desencarnação, foi recolhida por
execrandos comparsas que a aprisionaram, desvitalizando-a através de
vampirização contínua e de escabrosidades inimagináveis...
- Perco meu tempo com essa lengalenga - pôs-se a gritar entre blasfêmias e
vitupérios. - Trata-se de religiosos melífluos, que se adentraram nos meus
domínios sem o meu consentimento. Isso não ficará assim. Justiçarei todos os
responsáveis pela invasão, assim como aos atrevidos que se me acercam.
O rosto, com as marcas da obscenidade, e o corpo, monstruoso e flácido,
sacudiam as enxúndias, quando ele se agitava, ameaçador.
- Religiosos, sim, o somos, não melífluos, porque somos portadores de lucidez e
coragem em nome de Jesus-Cristo, a quem temos o prazer de servir.
Ao ser pronunciado o nome do Mestre galileu, e o fora propositalmente,
gargalhadas e ditos escabrosos estouraram na gruta imunda, enquanto o
marquês, visivelmente descontrolado, ameaçava e socava o ar.
O diálogo prosseguiu algo excitante. O Mentor voltou à carga, esclarecendo:
- Como Rosa, que se encontra sob a proteção de nossa Instituição espiritual,
demonstrou interesse em manter um novo encontro com o senhor marquês, pois
que, ambos têm necessidade de um diálogo esclarecedor, aqui estamos
atendendo-lhe a vontade.
- É muita petulância da venal e de sua parte ripostou áspero - pretender um
encontro comigo, que governo grande área desta cidade. A troco de quê, ela e o
senhor pretendem e esperam conseguir esse benefício de minha parte? Qual o
meu lucro? Recordo-me da infame, que foi responsável por minha primeira prisão,
caluniadora e louca, que sempre foi...
- Não posso ajuizar - elucidou o interlocutor - porquanto sou apenas o portador do
requerimento, cuja resposta aguardo.
- E onde seria esse encontro? - interrogou com aspecto feroz. - Por que não veio
até mim, aos meus domínios, conforme vocês o fizeram?
- Porque se encontra em tratamento de recuperação psíquica e perispiritual -
esclareceu o irmão Anacleto. - Como o senhor marquês bem o sabe, a
permanência em regiões como esta, por muito tempo, produz danos tão profundos
nos tecidos sutis da alma, que a recomposição se faz dolorosa e demorada. Como
aqui são realizadas operações, que alteram o comportamento e a estrutura
profunda e sutil do perispírito, sob o seu comando, há de entender que o caso da
nossa amiga não é muito diferente, exigindo diversos cuidados, que não podem
ser negligenciados.
- E você acredita - reagiu feroz - que eu a irei visitar? Qual o meu interesse em
encontrá-la, desde que ela é responsável pelo primeiro golpe que o destino
desferiu-me?
- Confesso ignorar - concluiu o Amigo espiritual.
- A nossa tarefa aqui está concluída, porquanto a finalidade foi apresentada,
dependendo do senhor marquês qualquer decisão.
Erguendo o corpanzil bestializado e atordoante, o suserano indagou, zombeteiro:
- E se eu não os deixar sair deste recinto?
- Penso que seria pior para o governante - redarguiu o visitante - porque
iniciaríamos um trabalho de conversão em massa dos seus súditos, que se
encontram saturados de loucura, entediados dos vis entretenimentos e sequiosos
de paz, já que vivem exaustos e necessitados de amor e de renovação. Ademais,
podemos apelar para a proteção divina que nunca nos é escassa, desde que aqui
estamos por vontade própria e não por afinidade de propósitos ou de interesses
morais.
O marquês não esperava resposta tão lúcida e lógica, vendo-se obrigado a recuar,
buscando parlamentar.
- Como passaram pelos meus vigilantes? - interrogou, irritado.
- Somente eles podem informá-lo - respondeu, sereno, o Benfeitor. -
Atravessamos todas as barreiras, assistindo ao desfile e, logo após, viemos a
entrevista não programada, por sabermos que a nímia deferência do nobre
marquês saberia distinguir quem somos em relação àqueles que habitam estes
sítios por espontânea vontade, não ignorando que, nas Leis Soberanas, não
vigem a violência nem a injustiça.
Desse modo, não titubeamos em passar pelas fronteiras do seu reino e
apresentarmo-nos à sua magnanimidade.
- Magnânimo, eu? - estrugiu ruidosa gargalhada, no que foi acompanhado pela
malta que o assessorava.
- Por que não? - insistiu o paciente amigo. - Não obstante o comportamento do
senhor marquês durante largo período da sua vida, na etapa final, mesmo durante
a revolução, opôs-se à pena de morte, o que lhe custou mais um encarceramento,
propugnou pelo trabalho honrado e aguardou a desencarnação, mantendo os seus
hábitos, porém de sentimentos alterados...
- Como conhece a minha vida? - voltou à carga.
- Além da vasta literatura a seu respeito - esclareceu tranqüilo - também
possuímos outras fontes de informações, que se encontram escritas no psiquismo
do senhor marquês.
Ele sorriu, algo confortado, para logo assumir a postura dominadora e cínica.
- Então, sou célebre na Terra? - indagou, fingindo-se surpreso.
- É claro que sim, conforme a sua contribuição literária e as suas experiências -
retrucou o amigo dos infortunados. - Tristemente célebre, para utilizar-me de
franqueza...
- Por que tristemente? - interrogou, frisando a palavra.
- Em razão da sua herança - explicou o bondoso interlocutor - em se considerando
os valores preciosos de que o amigo era portador e poderia havê-los legado à
Humanidade para dignificá-la e fazê-la crescer, em lugar do que fez.
Ante a verdade, embora enunciada de maneira gentil, a mole espiritual ali
presente agitou-se e impropérios irromperam de todos os lados, sem alterar a
serenidade do visitante, que prosseguiu:
- A razão, porém, da nossa visita, já foi explicitada. Aqui não nos encontramos
para comentários a respeito do que nada temos a ver, especialmente no que se
refere à vida e conduta do nosso marquês, mas para atender à solicitação de
Rosa.
Com habilidade psicológica, o Mentor retornou ao tema central da visita, não se
permitindo devanear ou sair da questão essencial.
Os jovens Espíritos seguravam os mastins com vigor, face à agitação que reinava
na sala opressora.
- Para que os cães? - inquiriu, contrariado.
- Para qualquer emergência. Nunca sabemos o que pode acontecer em uma visita
desta natureza. Desta forma, são tomadas medidas acautelatórias, a fim de serem
evitadas surpresas indesejáveis.
Houve um silêncio de breves segundos que pareceram mais tempo, indefinido
tempo.
Logo após, o marquês de Sade perguntou:
- Onde deveremos encontrar-nos, e quando?
- Amanhã pela madrugada, na conhecida Instituição de caridade espírita, já
visitada anteriormente pelo senhor marquês, que na sua periferia instalou uma
sede satélite desta suserania.
- Está muito bem informado - ironizou.
- Não poderia ser de outra forma, senhor. O Mestre sempre nos recomendou
vigilância e oração.
- Não me interessa o que Ele disse ou propôs. Lá estarei, às 2h da manhã. Agora,
podem ir-se.
A ordem foi apresentada com azedume e decepção. Talvez desejasse intentar o
impedimento da saída do grupo, o que não se atreveu a fazer.
Observei, porém, que a Mentora e o médium Ricardo concentraram-se
psiquicamente no reizete, que lhes captou a onda vibratória, reagindo quanto
possível.
Certamente, o psiquismo do instrumento mediúnico, carregado de energia
específica, porque ainda encarnado, alcançou o marquês, estabelecendo um tipo
de imantação, que talvez viesse a ser utilizado oportunamente.
Sob a determinação do marquês, que destacou dois servidores para nos
acompanharem até à saída da furna, foi-nos possível retornar ao exterior da
comunidade infeliz, sem qualquer incidente ou anotação que mereça análise.
Utilizando-nos do mesmo recurso para voltar ao centro de atividades, logo nos
encontramos na Instituição que nos hospedava, quando, então, profundamente
sensibilizado, o Mentor agradeceu a proteção dos Céus utilizando-se do veículo
da oração:
Jesus Amigo!
Profundamente sensibilizados retornamos ao ninho generoso onde nos
acolhemos, agradecendo-Te as ricas bênçãos com que nos amparaste,
auxiliando-nos na primeira etapa do labor com que nos honras em relação ao
amanhã ditoso.
Somos incapazes de expressar os sentimentos de afeto e gratidão, as palavras de
que nos utilizamos, por absoluta pobreza de nossa parte, ainda caracterizados
mais por necessidades que sempre Te apresentamos, do que por louvor que não
sabemos ainda tributar.
Tu, porém, que nos penetras com a misericórdia que verte de nosso Pai, sabes,
melhor do que nós próprios, o quanto de amor existe no âmago dos nossos seres
e como temos dificuldade em expressá-lo.
Recebe, pois, deste modo, a nossa profunda reverência e emoção, que
transformamos em tesouro de luz, para dizer-Te muito obrigado, Senhor, pela
felicidade de nos encontrarmos seguindo pela Tua senda, aquela que palmilhaste
com amor e traçaste com segurança para os nossos Espíritos deficientes.
Esperando servir-Te sempre, nas pessoas dos nossos irmãos da retaguarda,
entregamo-nos às Tuas disposições para o que consideres de melhor para
realizarmos.
Abençoa-nos, portanto, por hoje, por amanhã e para sempre!
Quando terminou, tínhamos úmidos os olhos de vívida emoção.
Realmente, a tarefa que se iniciava, assinalada por incertezas, encerrava o seu
primeiro passo com perspectivas mui felizes para o futuro.
À medida que a madrugada avançava, anunciando o dia cujo rosto começava a
bordar de luz as sombras garças, deixamo-nos inebriar pela beleza da paisagem,
e entregamo-nos às reflexões em torno do amor de Nosso Pai e Sua Sabedoria.
13
DECISÕES FELIZES
A minha mente esfervilhava de interrogações, que o momento não me permitia
elucidar.
Tantas eram as surpresas e as expectativas, que não me podia manter na
tranqüilidade necessária, a fim de que as reflexões pudessem fluir harmônicas.
A visita à cidade pervertida transcorrera em tanta paz, que me parecia
surpreendente, face à finalidade de que se constituía. Por outro lado, o contato
com o marquês deixara-me diversas questões necessitadas de esclarecimentos,
isso porque, colhido de surpresa pela visita de um grupo expressivo, não
detectado pelos seus asseclas nem pelos demais vigilantes que se encarregam de
guardar as defesas e entradas da estranha urbe, o que não deixara de produzirlhe
estranheza, mal-estar e insegurança.
Outrossim, a informação em torno da senhorita Keller chocara-o sobremaneira,
desarmando-o e mostrando-lhe a fragilidade em que se refugiava.
Compreendia, sim, a sabedoria do nosso condutor espiritual, que tomara as
providências preventivas hábeis, evitando qualquer inesperado cometimento por
parte dos dirigentes da infeliz comunidade, inclusive conduzindo os cães que
amedrontavam as estranhas personagens que, ao defrontá-los, não ocultavam o
receio que se lhes estampava nas faces macilentas e deformadas.
O domingo estuava de Sol. O Astro-Rei espraiava-se dominador, dourando a
Natureza em festa. Após desfazer-se o grupo, permanecemos, somente nós,
Dilermando e o Benfeitor, enquanto os demais amigos e a nobre Senhora
seguiram no rumo dos compromissos que lhes diziam respeito.
Depois de algum breve repouso, o irmão Anacleto convidou-nos a rumar à Igreja,
onde o senhor Bispo estaria celebrando o sacrifício da Missa, para logo atender à
entrevista concertada com a Profª. Eutímia e o seu esposo, logo após o ato
litúrgico.
Encontramos a catedral abarrotada de fiéis, os mais diferentes. Alguns ali se
encontravam, sem qualquer vinculação com o culto religioso que estava tendo
lugar. Tratava-se, para eles, de um convencionalismo sem sentido, porém, de
muito agrado social, em razão dos encontros pessoais e das conveniências deles
resultantes; para outros, era um motivo para exibição de roupas, adereços e jóias;
para alguns poucos, no entanto, era o momento de comungar com Deus, de
sentir-lhe mais direto o contato, de experimentar paz e dialogar com a consciência.
Chegamos no momento em que Sua Eminência lia recente homilia papal,
distribuída a todas as igrejas do mundo, advertindo os fiéis quanto ao
comportamento aberrante, às extravagâncias do século, aos tormentos e
facilidades da luxúria.
Admirei-me, constatando que providências espirituais estavam sendo tomadas nos
diversos segmentos religiosos para que a avalanche do despudor e da
licenciosidade que tomava conta da sociedade fosse detida, preservando-se os
valores do matrimônio, da família, dos grupos sociais, dos princípios morais e
cristãos, sacudidos pelo vendaval das paixões mais primitivas e perversas. Sua
Eminência enfatizava cada frase, apresentando pontes evangélicas com os
ensinamentos de Jesus, e advertindo os ouvintes a respeito da responsabilidade
dos pais e dos educadores na formação da consciência humana desde os seus
primórdios, na infância e na juventude.
O que enunciava e propunha era perfeitamente compatível com o labor que estava
sendo realizado em nossa esfera espiritual de ação. O objetivo era o mesmo:
libertar a criatura humana da servidão dos desejos nefastos e asselvajados. Cada
qual, no seu campo de trabalho, laborava em favor da sociedade feliz pela qual
todos anelamos.
Terminada a leitura muito bem apresentada, tomou do Evangelho de São Mateus,
no Capítulo VI, versículo trinta e três, e leu, comovido: Mas buscai primeiro o reino
de Deus e Sua justiça, e tudo mais vos será acrescentado.
Tratava-se de comentários do Mestre em decorrência do Sermão das Bemaventuranças,
essa fonte inexaurível de onde a criatura pode retirar o pão
nutriente da coragem para o enfrentamento das vicissitudes, mantendo-se otimista
e feliz.
Depois de reflexionar por breve momento, ergueu a voz expressiva e exortou os
ouvintes à mudança de comportamento, em relação a Deus, a si mesmos e à
convivência com o seu próximo.
Procurou estabelecer paralelos entre o que se pode, mas não é lícito realizar, e
aquilo que se deve, porém, não é oportuno fazer. Essa tomada de consciência,
leva o indivíduo relutante entre os valores do mundo e os de Deus, a eleger
primeiro aqueles que conduzem ao reino dos Céus, porque de sabor eterno,
enquanto que, os outros, mesmo quando aparentemente importantes, têm o valor
que lhes é atribuído, não merecendo mais do que a consideração relativa de que
se revestem.
Procurou evidenciar a necessidade da renúncia ao secundário - o mundo físico -
ante o primordial - o mundo espiritual -, assim optando pelas questões superiores
do Espírito imortal na sua busca de plenitude. Concluiu, informando que aqueles
que sabem escolher, sempre logram receber além do que foi buscado, recebendo,
por acréscimo de misericórdia, muito mais, tudo quanto lhes é acrescentado.
Concluído o sermão ante a emoção de alguns sinceros ouvintes, que procuraram
introjetar os ensinamentos, ao tempo em que se harmonizavam interiormente, o
Bispo deu prosseguimento ao ato litúrgico, logo encerrando-o, e recolhendo-se à
sacristia.
Terminadas as saudações de alguns fiéis, à medida que a Igreja se esvaziava e à
movimentação sucedia a tranqüilidade, o casal assinalado para a entrevista
aguardou o momento oportuno, sem ocultar a ansiedade e a angústia de que se
via possuído.
Foi o senhor Bispo quem tomou a iniciativa de convidar os esposos a que se
acercassem da imensa mesa que se encontrava no centro da sala, propondo-os
sentar-se, e dando início à conversação anelada.
Não havia ninguém mais, além deles.
Foi o esposo de D. Eutímia, o Sr. Renato, quem deu início à narrativa, explicando
que a consorte, depois de muito abalada com o acontecimento que relataria logo
mais, confidenciou-lhe o ocorrido, convencionando-se que ninguém melhor do que
a autoridade eclesiástica para orientar o comportamento desejável naquele
momento grave e diante do acontecimento de alta relevância.
Bom ouvinte, acostumado às confissões auriculares, o Bispo tinha o cenho
carregado, demonstrando preocupação compreensível enquanto preservava a
atenção alerta.
A senhora, algo constrangida, narrou ao prelado o fato sem exagero nem omissão,
e o conseqüente choque de que se sentiu acometida, havendo expulsado o
sacerdote das dependências escolares. Não negava a surpresa que a acometera,
ante o ato que considerava aberrante e criminoso, considerando-se ainda a
gravidade de ser praticado por um religioso que pervertia uma criança. Elucidou,
igualmente, que não presenciara qualquer cena de sexo explícito, mas implícito,
face às circunstâncias e caracteres com que se apresentava o padre envolvido
pelos desejos lúbricos em relação ao infante, havendo agradecido a Deus poder
haver interrompido o que seria um ato ominoso.
Após um momento de silêncio, a dama aludiu ao sonho de que fora objeto,
acreditando tratar-se de uma resposta divina às suas orações, após o qual sentirase
muito calma e confiante no futuro, apoiando-se na certeza de que agira
corretamente, ao salvar a criança das garras do explorador impiedoso.
O sacerdote concordou plenamente com ela.
Sem ocultar o seu sofrimento, disse-lhe que o padre Mauro houvera-o buscado,
macerado por sincero arrependimento, tentando reparar, através da confissão, o
crime que, não fosse a intervenção providencial da diretora, poderia haver
praticado... Ele reconhecia a culpa, e não sabia explicar porque fora vítima de tão
penoso processo de loucura. Visivelmente perturbado, viera buscar-lhe o auxílio,
que lhe seria concedido, e suplicar pelos meios próprios para a reparação de tão
degradante tentação.
Com muito tato psicológico, evitou comentar as aberrações confessadas pelo seu
discípulo, não divulgando desnecessariamente o mal, que sempre redunda em
nefastas conseqüências quando ocorre ampliação dos comentários em torno do
mesmo.
Aludiu às providências que seriam tomadas, inicialmente encaminhando o jovem a
uma clínica psiquiátrica, mantida pela Igreja para casos de tal natureza que,
embora não fossem freqüentes, aconteciam, em razão da fragilidade moral das
estruturas humanas nas suas personalidades doentias ou atormentadas. Após o
tratamento, que considerava indispensável, o sacerdote receberia a punição
canônica, conforme a gravidade do delito prevista no Direito, e o mal não mais se
repetiria.
- Para evitar-se desnecessário escândalo - propôs com cautela - evitaremos
comentar o infeliz incidente e explicaremos que, por motivo de saúde, o padre
Mauro está viajando a tratamento fora da cidade, assim interrompendo as suas
aulas de catecismo e as outras que ministra na Escola.
Fez-se um silêncio pesado, no qual todos demonstravam sofrimento e angústia.
O Bispo, compreensivelmente comovido, agradeceu ao casal pela sua excelente
cooperação, confirmou as providências que já estavam em andamento, e
abençoou-os, dispensando-os, a fim de que pudessem retornar ao lar em clima de
paz.
De sua parte, desejava evitar que fosse percebido o seu constrangimento e
decepção, pois que o jovem sacerdote era-lhe muito estimado e, de alguma forma,
credor da sua confiança até o momento em que narrara o drama que o acometia.
Reconhecia que o sexo constituía um terrível aguilhão cravado na alma de todos
os seres, especialmente os humanos, nem sempre fácil de ser arrancado, senão
através da oração, de sacrifícios e renúncias, abnegação e fé na Divina
Providência. Ele mesmo tivera que vencer inúmeras etapas do processo de
superação dos impulsos, de modo a manter-se em paz, aquietando as ansiedades
do corpo e do coração. Através do amor ao seu rebanho, dos serviços religiosos a
que se afervorara, conseguiu, com a bênção do tempo e os exercícios espirituais,
tranqüilizar-se, não tombando em perturbação nem crime decorrente do seu uso.
D. Eutímia e o esposo saíram reconfortados, especialmente por haverem tomado
as melhores atitudes que o caso requeria, e por saberem das medidas preventivas
e outras ocorrências da mesma natureza, também punitivas em relação ao
infrator, sem negar-lhe a oportunidade da regeneração.
Eram comportamentos sábios, aqueles que estavam em curso, já que não se pode
destruir o infrator a pretexto de aniquilar o delito, nem inutilizar o criminoso, antes,
porém, auxiliá-lo a libertar-se do crime e redimir-se perante a sociedade.
Embora a excepcional gravidade do ato execrável do jovem padre, o Bispo optou
por não evidenciar o mal, nem dar-lhe notoriedade, que em nada auxiliaria a
sociedade, e possivelmente mais a perturbaria.
Assim, delineou um programa operacional específico, e pôs-se a agir, sem
comunicar a outras autoridades eclesiásticas ou ao poder civil, para os corretivos
necessários conforme estabelecidos pelo Código Penal, com a intenção de
proporcionar ao infeliz equivocado a reabilitação, mediante a qual poderia auxiliar
ainda a sociedade no futuro.
Naturalmente, receou que o drama tomasse novo curso no porvir, o que não é raro
de acontecer. No entanto, preferiu correr o risco, confiante no sincero esforço do
paciente e no tratamento a que se permitira submeter. Ele próprio buscaria a
melhor clínica para o seu sacerdote e dar-lhe-ia assistência pessoal, a fim de que
o enfermo não enveredasse pela loucura ou viesse a cometer o hediondo crime do
suicídio, tal a gravidade da situação em que se encontrava.
Eram reflexões bem urdidas, porque, não fosse a ajuda divina, e Mauro ter-se-ia
suicidado, às vésperas, ou mesmo antes, conforme fora a esse crime induzido
pelos seus inimigos espirituais...
Ficariam para o dia seguinte as providências que deveriam ter o seu curso normal.
14
VISITA OPORTUNA
Quando retornávamos do palácio episcopal na direção da nossa sede de
atividades, utilizando-me de alguns minutos que me pareceram oportunos, não
tive relutância em interrogar o generoso Guia espiritual a respeito dos labores em
andamento.
Sempre interessado em esclarecer e orientar, o Amigo sensato ouviu-me as
indagações, e respondeu-as com a sua proverbial gentileza.
- Por qual motivo - inquiri, curioso - a visita à cidade perversa parecera ocorrer de
forma tão fácil, tendo-se em vista as precauções tomadas, que poderiam ter sido
evitadas?
- Diante do Mal - respondeu-me, afável - nunca devemos descurar dos cuidados
hábeis que se tornam necessários, tendo-se em vista os recursos de que se
utilizam aqueles que se conduzem equivocadamente. Destituídos de sentimentos
de dignidade e de correção moral, os partidários da desordem não temem investir
na violência, nem urdir planos astuciosos de forma a enredarem suas vítimas em
potencial, que lhes tombam nas malhas da crueldade.
Assim, as providências tomadas tinham por objetivo situações de surpresa ou
enfrentamentos mais difíceis. Porque a circunstância houvesse transcorrido de
maneira favorável, evitou-se a utilização dos mastins, bem como dos jovens
acostumados a embates específicos com os legionários da hediondez e do crime.
Ademais, a presença da venerável Mentora acarretara muitas bênçãos para o
grupo de ação, envolvendo-o em vibrações defensivas especiais, que não
chamavam a atenção dos vigilantes das entradas de acesso. Na etapa final,
conforme recordamos, o marquês, aturdido e sem conhecimento do que se
passara, responsabilizou-se pelo nosso afastamento da região sem qualquer
empeço.
- Que tem a ver o marquês - voltei à carga, interrogando - na problemática de
Mauro, junto a quem estamos trabalhando?
Atencioso, esclareceu:
- Havendo vivido os dias pré e napoleônicos, o marquês foi, igualmente,
freqüentador da mansão de Madame X. Naquele lupanar de luxo eram permitidas
e estimuladas práticas sexuais aberrantes, então na moda, havendo um
comprometimento da mesma senhora com o infeliz autor e inspirador de
inomináveis anomalias. A sociedade, quando vazia de sentimentos, sempre
dispõe de tempo para elaborar propostas indecentes e inusuais no seu
comportamento. Os espaços abertos entre as guerras que o Corso mantinha em
regime de continuidade, facultava aos seus exaustos oficiais a busca de
experiências desafiadoras e estimulantes para os nervos cansados e os ideais
combalidos. Dessa maneira, a residência da extravagante senhora era palco para
os desatinos mais absurdos que o comércio da luxúria e da corrupção pode
oferecer aos seus aficionados.
- Equivale dizer - volvi à indagação - que Madame privou de relacionamentos com
o marquês de Sade?
- Sem lugar a dúvidas - ripostou, seguro. - A célebre cafetina fizera-se centro de
interesse da maioria dos desvariados que residiam em Paris e alguns que
moravam no estrangeiro, visitando-a com freqüência. Sua Mansão, de triste
memória, nas cercanias da Capital da França, era freqüentada por numeroso
cortejo de insensatos de ambos os sexos, que ali davam vazão aos seus desejos
doentios ou extravagâncias emocionais. Desfilavam, durante os seus bailes de
máscaras, personalidades da aristocracia, da Política, da Religião, da intimidade
do imperador, saturadas de prazeres que a vida insensata lhes impunha. Nessas
oportunidades, muitos convidados apresentavam-se vestidos de animais, em dias
especiais para a exorbitância, e, ante o ensurdecer de músicas atordoantes,
entregavam-se às perturbações que lhes impunham a imaginação doentia.
Noutras vezes, animais em fase de cio eram colocados em improvisada arena
para a relação sexual imposta pelo instinto, enquanto os espectadores,
estimulados e enlouquecidos, tentavam repetir as cenas, que acompanhavam,
mediante comportamentos escabrosos, até a exaustão, tombando, desfalecidos
ou embriagados, e desligando-se do corpo lasso em torpor, sob a ação de
sequazes desencarnados com os quais se homiziavam em regiões espirituais
odientas.
Silenciou por um pouco, diminuindo a gravidade da narração, pelo seu conteúdo
de estupefação e, medindo as palavras, voltou a explicitar:
- Por sugestão do marquês de Sade, Madame X transformou o porão da herdade
em pequenas celas, utilizando alguns cômodos que se lhes assemelhavam, onde
eram praticadas verdadeiras atrocidades sadomasoquistas. Diversos pacientes ali
experimentaram o horror em tal escala de alucinação, que alguns não
conseguiram sobreviver, falecendo nos hediondos catres transformados em
câmaras medievais de aflições, enquanto outros, enlouquecendo, eram
encaminhados aos lares ou aos manicômios, não mais recuperando a saúde
mental. Infelizmente, descendo a escalas mais vis, muitos alucinados se
entregavam a atos abomináveis com animais amestrados que, no seu primarismo
feria-os, dilacerava-os, constituindo essas monstruosidades razões para
comentários nos diversos grupos sociais que tinham conhecimento da sua
ocorrência e anuíam na grande maioria. É certo que Madame, mais de uma vez,
esteve a braços com a polícia do Estado, conseguindo liberar-se com facilidade,
graças aos seus protetores que lhe freqüentavam o lôbrego bordel. A
inexorabilidade orgânica, o seu processo de envelhecimento e de desgaste, a
decadência do império napoleônico contribuíram para alterações profundas nos
hábitos dominantes na época, e a residência da mulher famigerada, que caiu em
desgraça, foi tomada, e ela, abandonada pelos seus amigos, também infelizes e
desatinados, terminou os dias na obscuridade e na solidão.
Podia perceber quanto a narração lhe constituíra um verdadeiro fardo, porque o
Benfeitor apresentava-se ligeiramente pálido. Nada obstante, concluiu:
- O marquês, que teria mudado de comportamento na velhice, conforme alguns
dos seus biógrafos, o que para nós carece de fundamento, prosseguiu mais
moderado na sua loucura até que foi arrebatado pela morte e conduzido para a
cidade perversa, de onde procedera, ali dando curso às suas alucinações e
recebendo, logo depois, Madame X...
Houve um silêncio quase constrangedor.
Dilermando, o amigo gentil, que se mantinha calado, demonstrando compaixão e
surpresa ante a narração, por sua vez, timidamente indagou:
- Esta é a primeira reencarnação de Madame, após as experiências recém
narradas?
Pacientemente, o Mentor explicou:
- Em verdade, esta é a terceira tentativa concedida ao infeliz Espírito, a fim de
recuperar-se e aprender a respeitar as Soberanas Leis da Vida. Duas vezes
retornou com a organização fisiológica feminina, na França, assinalado por
terríveis marcas perispirituais que lhe deformavam a instrumentalidade física,
havendo sido vítima de estupros e crueldades provocados por famigerados
mendigos e ciganos das áreas onde foi acolhido pela misericórdia de Deus.
Desencarnou em estado lamentável, porém com menos culpa, retornando, à
mesma região espiritual que o acolhera anteriormente. Mais tarde, no Brasil, com
expressiva legião de Espíritos franceses transladados para as terras do Cruzeiro
do Sul, o que vem ocorrendo com certa periodicidade, esteve mergulhado na
organização masculina, vivendo tormentos inauditos, algumas vezes superados,
outras não, para recomeçar, na atualidade, novamente na mesma polaridade,
porém vinculado à Religião dominante, a que se dedicara irregularmente em
passado não muito distante.
Os vícios, que se encontram arraigados no imo, levaram-no aos desaires de que
tem sido vítima.
- E a mãezinha - voltou a indagar o amigo discreto - desde quando, se é possível
informar-nos, labora em favor da sua libertação?
- Desde os dias de S. Francisco de Assis... Quando, em posição de destaque na
Itália, ele ouviu falar sobre o santo da Úmbria, desejou, sinceramente, segui-lo.
Protelando a decisão, quando se resolveu por integrar a ordem franciscana, o
Poverello já havia deixado o corpo. Embora o fervor que dominava muitos dos
seus seguidores, a ausência física do discípulo amado de Jesus facultou que
alguns exaltados e menos equipados para o ministério introduzissem a vaidade, o
poder temporal, a coleta de recursos monetários para a Ordem, e a decadência se
anunciou... Nesse comenos, o nosso amigo logo derrapou vitimado pela ambição -
e esqueceu dos projetos iniciais, assim contribuindo em favor da derrocada dos
elevados propósitos da Obra que nascera no coração do amor e se alongara no
mundo pelas palavras de fé e pelos atos de caridade... Desde ali, portanto, sua
mãezinha, profundamente vinculada a Jesus e à Irmã Clara, vem lutando em favor
da sua libertação, travando agora a batalha final a que se entrega com total
dedicação, e para a qual fomos convidados...
Extasiei-me ante a explicação, por poder aquilatar a força e a tenacidade do amor
que não mede esforços, não tem limites, não desiste, vencendo todos os óbices
para alcançar a meta da felicidade que se impõe.
Da forma como me chocaram as informações do bordel de luxo e a conseqüente
desgraça de Madame X, dando-me conta que hoje se multiplicam inumeráveis
deles na Terra, cujos proprietários e divulgadores são ex-residentes da cidade
perversa, onde haurem constante inspiração, e ali são levados durante o sono
fisiológico em desdobramentos espirituais, a repugnância e dor eram agora
substituídos pela ternura e alegria ante a força perseverante do amor de mãe, que
se atirava no rumo do abismo para resgatar o filho desvairado que Deus lhe
emprestara através das reencarnações. O êxito, que não conseguira através da
educação, quando no corpo físico, dos exemplos luminosos de carinho e de
renúncia, permanecia buscando agora, em outra dimensão através de tentativas
incessantes, na condição de anjo protetor que não se cansa de ajudar.
Ali estava o mais belo argumento prático contra o tradicional dogma do Inferno
para os maus e do Céu para os bons. Aquela mãe, que vivia o céu interior, não se
permitia plenitude enquanto não arrancasse o filho amado do seu inferno de
paixões internas, a fim de rumarem ambos de mãos dadas para o Paraíso, onde o
trabalho e a misericórdia são o cotidiano de todos.
Chegamos à querida Instituição, sempre movimentada. Surpreendia-me por
verificar que não havia horário em que não estivessem em movimentação
trabalhadores de várias procedências espirituais e necessitados de ambos os
planos da Vida, buscando a austera Entidade, que a todos albergava com carinho,
misericórdia e iluminação de consciências, que parecia ser-lhe a meta maior, a fim
de proporcionar a libertação da ignorância a todos aqueles que a buscavam.
Em realidade, não é outra a finalidade do Espiritismo, despertando o Espírito para
as suas responsabilidades e cumprimento dos deveres, conscientizando-o do
significado da sua existência, quando no corpo, da sua realidade, quando
desencarnado, a fim de avançar sem impedimento no Grande Rumo...
A noite descia calma, compensando a ardência do dia e envolvendo a Natureza
nos seus tecidos escuros, veludosos que se adornavam de estrelas faiscantes.
Pairava no ar a expectativa dos próximos acontecimentos, que aguardávamos
entre preces e esperanças de êxito.
O vaivém de Entidades desencarnadas era surpreendente, caracterizando o
esforço de abnegados Mensageiros da Luz que não descansam, sempre
afeiçoados à ação da caridade e do Bem inefável.
Encontrava-me à porta da sala de atividades mediúnicas, onde se processavam
também atendimentos espirituais cirúrgicos no perispírito de inúmeros sofredores
do Mais Além, assim como de portadores de transtornos obsessivos profundos.
O irmão Anacleto dialogava com alguns Mentores em torno das questões
pertinentes aos deveres a que se entregavam. Pude perceber o respeito de que
desfrutava o amoroso Guia, sempre sábio nas suas decisões, e profundo
conhecedor do espírito humano, o que lhe facilitava o labor a que se afeiçoava.
Nesse ínterim, fomos surpreendidos com a visita do nobre Espírito Dr. Bezerra de
Menezes que chegou, provocando expressiva alegria. Podia-se perceber quanto a
veneranda Entidade é amada por todos, em razão da significativa folha de
serviços prestados à Humanidade.
À paz que reinava entre nós associou-se o inefável júbilo pela presença do amado
Mentor.
Todos nos acercamos, formando um círculo à sua volta, e ele, sem ocultar,
também, a mesma satisfação, pareceu justificar-se lamentando não haver
informado antes do seu plano de passar pela Instituição, a fim de participar do
labor que estava programado em relação ao marquês de Sade.
- Tratando-se de uma questão palpitante - elucidou com modéstia - qual a dos
distúrbios na área do sexo, todos estamos muito interessados em aprender e
conseguir soluções, socorrendo aqueles que se extraviaram, perdendo-se no
labirinto das paixões mais primevas, de maneira que se possam levantar do
charco pestilencial em que se encontram, aspirando o oxigênio abençoado do
planalto da fé libertadora.
Depois de pequena pausa, prosseguiu:
- O sexo, na Terra, ainda é instrumento de alucinação, quando deveria ser
abençoado mecanismo de vida, construindo corpos que se transformam em
oficinas de iluminação e escolas de sublimação para os Espíritos em processo de
crescimento na direção de Deus. Graças ao fascínio que se deriva do prazer
imediato, não poucos indivíduos encarceram-se no gozo, distantes da
responsabilidade e do dever para com o seu parceiro, ou as conseqüências que
sucedem ao ato sexual, quais a fecundação, o aprisionamento na afetividade
atormentada, abrindo espaços para as ações criminosas do aborto delituoso e da
separação dilaceradora dos sentimentos. No seu aspecto mais grosseiro imana o
indivíduo às paixões asselvajadas, fixando-o nas faixas primárias do instinto, sem
que a razão ou o discernimento possa contribuir em favor da plenitude, antes
sacrificando aquele que se lhe entrega irracionalmente.
"Havendo sido cientificado pela benfeitora madre Clara de Jesus a respeito do
encontro terapêutico programado para esta noite, não me pude furtar ao desejo de
participar do mesmo, aprendendo sempre mais e penetrando no âmago da
palpitante questão que será abordada."
Sentindo-se inteiramente à vontade, facultou que o nosso Instrutor solicitasse-lhe
a cooperação em torno de uma breve dissertação a respeito da problemática do
sexo e da obsessão, a fim de que, não somente nós, que nos encontrávamos
vinculados ao projeto em desdobramento, mas também outros Benfeitores
espirituais e amigos presentes, nos beneficiássemos com a sua palavra sábia e a
sua proverbial experiência.
Isso posto, e porque todos anuíssemos em um misto de felicidade e gratidão, o
Mentor paternal sorriu, generoso, e convidou-nos a sentar, colocando-se próximo
de delicado móvel que se transformaria em improvisada tribuna, assim dispondose
a entretecer as considerações solicitadas.
Todos estávamos comovidos e atentos. Podia-se ouvir o pulsar de cada coração
em clima de festa.
Dúlcidas vibrações bailavam na atmosfera sutil da sala de intercâmbio com o
Mundo Maior.
Expectantes, portanto, aguardamos.
15
SEXO E OBSESSÃO
O lúcido amigo concentrou-se, e lentamente começou a irradiar claridade argêntea
que o envolvia em tonalidades variadas, produzindo-nos incomum emoção.
Após a breve interiorização, começou a falar com inesquecível tonalidade de voz,
em que ressumavam os seus sentimentos de amor e de paternidade espiritual,
convocando-nos a reflexões muito profundas e significativas.
Sem delongas, considerou:
- O sexo é departamento importante do aparelho genésico criado com a finalidade
específica para a procriação. Responsável pela reprodução dos seres vivos,
constitui extraordinário investimento da vida, que o vem aperfeiçoando através dos
milênios, a fim de o transformar em feixe de elevadas emoções que exaltam a
Criação. Quando compreendido nos objetivos para os quais foi elaborado
transforma-se em fonte geradora de felicidade, emulando ao amor e à ternura que
expressa em forma de vitalidade e de bem-estar. Quando aviltado por qualquer
forma de manifestação incorreta, faz-se cadeia retentora do ser na paisagem
sórdida à qual foi atirado. Acionado pelo instinto, manifesta-se automaticamente
por meio de impulsos que induzem à coabitação para o milagre da criação de
novas formas de vida. Responsável pelo invólucro material, responde pela bênção
de proporcionar o instrumento corporal, mediante o qual o Espírito evolve no rumo
do Infinito. Com características próprias em cada fase do processo evolutivo, no
ser humano alcança o seu estágio mais elevado, por vincular-se às emoções,
lentamente superando as sensações mais primárias por onde passou no período
das experiências iniciais da forma animal.
Responsável pelos grandes envolvimentos na arte, na beleza, na fé, no
conhecimento científico e filosófico, é sede de valores ainda não desvelados.
"Em razão das explosões iniciais dos impulsos mais animalizados, vem
governando a sociedade humana através dos tempos, constituindo-se instrumento
de crimes hediondos e de guerras lancinantes, destrutivas, gerando
conseqüências imprevisíveis para a sociedade de todas as épocas. Homens e
mulheres de destaque na História utilizaram-no para fins ignóbeis, entregando-se
a aberrações que celebrizaram determinados povos e períodos, assinalados pelas
suas orgias e inomináveis aberrações chocantes que, no entanto, obedeciam às
paixões dominantes. Da mesma forma, produziu manifestações de sentimentos
afetivos celebrados em Obras de incomparável beleza, em que a renúncia e a
abnegação, o sacrifício e o holocausto se transformaram em opções únicas para
dignificá-lo.
"Profundamente arraigado na instrumentalidade material, encontram-se as suas
gêneses no ser profundo, no Espírito que, habituado às suas imposições, transfere
de uma para outra existência aspirações e desejos que, não atendidos, se
transformam em conflitos e sofrimentos dilaceradores, mas quando vivenciados se
expressam através de estímulos para o crescimento interior e para a conquista da
plenitude. Inegavelmente, na raíz de inumeráveis aspirações e anseios do
coração, encontra-se a libido como desencadeadora de motivações, mesmo que
de forma sub-reptícia, o que induziu Freud a conceder-lhe valor excessivo. É
incontestável a ação do sexo no comportamento da criatura humana, merecendo
estudos cuidadosos e enobrecedores, a fim de ser avaliado no grau e no
significado que possui.
"Os seus impulsos e predominância no comportamento são tão vigorosos que vão
além do corpo físico e imprimem-se nos tecidos sutis do ser espiritual,
continuando com as suas manifestações de variada ordem, exigindo respostas
que, não sendo de superação e sublimação, geram caos emocional e revinculam o
ser ao carro orgânico que já se consumiu. Mediante a ideoplastia, à fixação nas
suas sensações, revigora a necessidade que se transforma em tormento no AlémTúmulo,
conduzindo de volta aos estágios perturbadores da organização
somática. É, nessa fase, nesse terrível transtorno, que surgem as auto-obsessões,
as obsessões que são impostas às criaturas terrenas que estagiam na mesma
faixa de desejos ou entre os desencarnados do mesmo nível vibratório. Reunidos
em grupos afins, as suas exteriorizações morbíficas eliminam energias de baixa
qualidade, que se convertem em elemento construtor de regiões infelizes onde
enxameiam em convulsões penosas e retêm aqueles que se lhes fazem vítimas,
demorando-se por tempo indeterminado até que a exaustão dos sentidos e o tédio
os induzam a mudanças de atitude, permitindo-se a ajuda do Amor que os
libertará da injunção exaustiva e penosa."
Fez uma pausa oportuna, a fim de dar-nos ensejo à reflexão, à absorção do
conteúdo da sua mensagem.
No mesmo tom, pausado e profundo, logo deu prosseguimento às explicações de
alto significado:
- Quando emulado pelo amor - seu dínamo possuidor de inesgotáveis reservas de
energias - altera a manifestação e conduz-se rico de estímulos que fomentam a
coragem, propiciam o bom ânimo, o desejo de luta e de crescimento, alterando a
estrutura interna do ser humano e a condição da Humanidade que se transforma
para melhor.
"Diante dos grandes eventos da cultura, da arte, do pensamento, da fé, perguntese
ao amor, o que constituiu razão para essa realidade, e ele responderá que
foram os sentimentos de ternura e de envolvimento afetivo, sem os quais não se
teria força nem valor para resistir às investidas da rebeldia, nem às incessantes
provas desafiadoras, ante as quais, somente os fortes, aqueles que estão
estruturados na coragem e seguros dos objetivos que perseguem, conseguem
ultrapassar. O amor é o mais vigoroso instrumento de incitação para os logros que
parecem umpossíveis de conquistados. Ele se manifesta através de mil faces,
expressando-se em todas as aspirações do enternecimento, da comunhão afetiva,
da fusão dos sentimentos, que seriam o êxtase da plenitude do sexo no seu
sentido mais elevado e puro.
"Por enquanto, todavia, o sexo tem sido objeto de servidão e de abjeção,
manifestando-se na loucura que grassa na Terra carente de ideais de
enobrecimento e repleta de desaires afligentes. Como mecanismo de fuga dos
compromissos de luta e de renovação, milhões de criaturas estúrdias e ansiosas
atiram-se aos resvaladouros das paixões sexuais, procurando, no prazer imediato
e relaxante, o que não conseguem através dos esforços renovadores do amor
sem jaca e do bem sem retribuição. Eis por que, a obsessão do sexo, decorrente
do seu uso e sempre exigente de mais prazer, apresenta-se dominadora na
sociedade terrestre dos nossos dias. Cada vez mais chocantes, as suas
manifestações alargam-se arrastando jovens e crianças inadvertidos ao paul da
depravação, face à naturalidade com que os veículos de comunicação de massa
exibem-no em atitudes deploráveis e aterradoras a princípio, para se tornarem
naturais depois, através da saturação e da exorbitância, tornando-se mais grave a
situação das suas vítimas, e mais controvertidos os métodos de reeducação e
preservação da saúde emocional, psíquica e moral da criatura humana que lhe
tomba nas malhas bem delicadas mas vigorosas.
"Simultaneamente, as legiões de Espíritos viciosos e dependentes dos fluidos
degenerativos das sensações perversas, sincronizam suas mentes nesses
comportamentos doentios, passando a sofrer-lhes as injunções morbosas e
devastadoras. A cada dia, mais difícil se torna a saúde sexual das pessoas, em
razão desses e de outros fatores que procedem de reencarnações transatas, nas
quais se comprometeram com os usos indevidos da função sexual, ou utilizaramse
do sexo para fins ignóbeis. Essa atitude gera processos danosos que as
afligem, e obrigam-nas a retornar ao proscênio terrestre em situações deploráveis,
atormentadas ante a multiplicidade de conflitos de comportamento, para logo
tombarem nas viciações que ora predominam nos grupamentos sociais, fazendoas
vítimas de si mesmas e de outros do mesmo tipo, que se lhes acoplam em
processos complexos de obsessões perversas e devastadoras."
O Benfeitor silenciou novamente, exteriorizando na face a dor e a compaixão que
lhe inspiravam os atormentados do sexo, aqueles que se lhe fizeram vítimas,
todos os seus escravos e escravizadores.
Preservando o objetivo das elucidações, continuou no mesmo tom de mestre e de
psicoterapeuta:
- Destituído de equipamentos sexuais, o Espírito é neutro na forma da expressão
genésica, possuindo ambas as polaridades em que o sexo se expressa,
necessitando, através da reencarnação, de experienciar uma como outra
manifestação, a fim de desenvolver sentimentos que são compatíveis com os
hormônios que produzem. Face a essa condição, assume uma ou outra postura
sexual, devendo desenvolvê-la e vivenciá-la com dignificação, evitando
comprometimentos que exigem retornos dolorosos ou alterações orgânicas sem a
perda dos conteúdos emocionais ou psicológicos. Isto equivale dizer que, toda vez
quando abusa de uma função, volta a vivenciá-la, a fim de recuperá-la, mediante
processos limitadores, inibitórios ou castradores. Todavia, se insiste em perverterse,
atendendo mais aos impulsos do que à razão, dominado pelo instinto antes
que pelo sentimento, retorna em outra polaridade que não o capacita para a sua
manifestação conforme desejara, correndo o risco de canalização das energias de
forma equivocada. Em assim acontecendo, o fenômeno se torna mais grave,
produzindo danos perispirituais que irão exteriorizar-se em transtornos profundos
da personalidade e da aparelhagem genésica.
"Face aos processos evolutivos, muitos Espíritos transitam na condição
homossexual, o que não lhes permite comportamentos viciosos, estando previsto
para o futuro, um número tão expressivo que chamará a atenção dos psicólogos,
sociólogos, pedagogos, que deverão investir melhores e mais amplos estudos em
torno dos hábitos humanos e da sua conduta sexual.
"Jamais, porém, se deve esquecer que o sexo, como qualquer outro órgão que
constitui o corpo, foi elaborado para a vida e não esta para aquele. Respeitar-lhe a
função, utilizar-se dela com dignidade e elevação, reflexionar em torno dos
objetivos da vida, fazem parte do compromisso para com a existência, sem o que
são programados dores e conflitos muitos graves durante o trânsito das
reencarnações.
"Assim considerando, o abuso na conduta sexual e o seu abastardamento, na
busca atormentada de prazeres mórbidos, constituem grave desrespeito às Leis
Soberanas, cujo resgate se torna difícil e de longo curso em províncias de sombra
e de dores acerbas."
Novamente silenciou, medindo as palavras que deveriam revestir-lhe o
pensamento, a fim de dar continuidade à explicação:
- Nesta noite está programado o encontro com um dos Espíritos infelizes que
responde pela inspiração da onda de loucura e insensatez na vivência do sexo e
das suas manifestações. As lamentáveis e alucinadas propostas que apresentou à
sociedade do seu tempo e as aberrações monstruosas geradas pela sua mente
insana, que se distenderam pela Terra a partir das suas narrações soturnas e
cruas, de alguma forma já eram conhecidas da Humanidade. Ei-las presentes nos
hediondos espetáculos de Sodoma e Gomorra, da Babilónia, de Pompéia, da
Grécia e de Roma com os seus atormentados imperadores, de algumas cortes
devassas da Idade Média, havendo, porém, encontrado maior ressonância e
aceitação pelos infelizes após as vivências do inditoso marquês de Sade. Ele
trouxe-as de experiências anteriores e ressumaram dos porões do seu
inconsciente ultrajado, para oferecê-las como realizações de prazer aos
desafortunados enfermos que, somente através das abjeções, da selvageria e da
animalidade, lograriam proporcionar prazer nas suas buscas sexuais. Gerando
obsessões incomuns, em face das vinculações que as suas esdrúxulas práticas
propõem aos seus escravos, a legião de infelizes-infelicitadores é expressiva e
aterradora ainda hoje na Terra. Somente através da compaixão elevada a uma
grande potência é que podemos joeirar esse solo sáfaro e pedregoso sob um
aspecto e pantanoso e pútrido sob outro, que é o da área genésica do ser
humano, quando desrespeitada, a fim de semear equilíbrio e harmonia
indispensáveis à comunhão feliz das almas.
"Ante a situação deplorável em que muitos estorcegam nas apertadas malhas dos
vícios sexuais e daqueloutros que os acompanham, tais o alcoolismo, o
tabagismo, a toxicodependência, a banalização dos valores éticos e da vida, a Lei
de destruição, conforme assevera Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos (*)
exercerá a sua função, destruindo para renovar, isto é, chamando ao sofrimento e
aos desastres coletivos, às aflições chocantes, às lutas ensandecidas, aos
trágicos acontecimentos, para que, por fim, os Espíritos rebeldes despertem para
a realidade, para o significado da existência terrena, para os objetivos que têm
pela frente, utilizando-se do corpo, do sexo, mas não vivendo apenas e
exclusivamente deles ou para eles. Esse abuso resultante da utilização descabida
responde pela loucura generalizada que a Vida se encarregará de eliminar.
"A dor, a grande missionária silenciosa e dignificadora, lentamente trabalhará o ser
humano, admoestando-o, esclarecendo-o e conduzindo-o à estrada reta, na qual
se utilizará dos tesouros que se encontram em toda parte para a auto-iluminação e
o crescimento na direção de Deus. Nesse comenos, as suas funções genésicas
serão transformadas em fontes de energia construtiva e trabalharão as imagens
superiores que serão criadas pela mente e pelos desejos elevados, a fim de que
se tornem também co-criadoras do belo, do útil, do nobre e do feliz. Até esse
momento, passarão muitos séculos de dor e de prova, nos quais o ser humano,
por livre opção, ainda preferirá as obsessões calamitosas e as paixões
dissolventes à sintonia com a Divindade e à intuição libertadora do primarismo
que, por enquanto, caracteriza-o.
___
* O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, Cap. VI, questões 728 a 733, 76ª ed., FEB. (Nota do Autor
espiritual.)
"Desse modo, exortemos a proteção do Sublime Criador, a fim de que os nossos
tormentos, que procedem da noite remota das manifestações primevas e dos
desalinhes morais que nos permitimos, então sejam superados com amor e
sublimados, abrindo espaços nobres para as vivências do sentimento aureolado
de bênçãos. Agradeçamos, também, à mãe Terra, as suas dádivas fecundas que
nos facultaram desenvolver o psiquismo divino em nós adormecido, enflorescendo
o seu solo generoso para nele depositar perfume e pólen fecundador de diferentes
expressões de beleza e vida."
Silenciou. A voz estava embargada pela emoção e todos nos encontrávamos
profundamente envolvidos pelas irradiações da sua mensagem de amor e de luz.
Automaticamente demo-nos conta que o momento esperado acercava-se. A
psicosfera reinante, no entanto, era enriquecedora, dando-nos vitalidade e
confiança, ante a certeza de que os Céus sempre nos propiciavam, no ministério
do amor, todos os recursos imprescindíveis aos resultados felizes.
Companheiros responsáveis pela sala de reuniões especiais começaram a
prepará-la para o evento, movimentando singulares aparelhos que foram
colocados em diferentes lugares, como que para oportuna utilização, de modo a
serem evitados quaisquer prejuízos em relação ao cometimento significativo.
Os Espíritos que não se encontravam comprometidos com o programa que nos
trouxera à Instituição afastaram-se discretamente, após as despedidas gentis, e
em breves momentos encontrávamo-nos apenas os que constituíam a nossa
caravana inicial: o venerando Dr. Bezerra de Menezes, madre Clara de Jesus e
mais dois assessores, que nos trouxeram D. Martina, o padre Mauro, o médium
Ricardo, ambos em desdobramento espiritual e uma Entidade assinalada pelo
horror, com terríveis deformações perispirituais, que foi recolhida a um leito
especial. Pude depreender que se tratava do Espírito Rosa Keller, em profundo
estado de hibernação, ressonando de forma dolorosa, geradora de
constrangimento e de compaixão.
Enfermeiros e padioleiros espirituais postaram-se juntos à parede do recinto,
formando um grupo de apoio preparado para socorros específicos que se
fizessem necessários.
Logo depois, do teto desceu um aparelho reluzente, no qual se encontrava uma
lâmpada de amplas proporções que irradiava suave claridade bem diferente
daquela que eu conhecia até o momento.
Ante a minha muda interrogação ao Benfeitor, esse explicou-me tratar-se de um
equipamento de energia especial, que seria utilizado caso a rebeldia do marquês,
e de alguns dos seus asseclas que seriam recebidos, apresentasse algum perigo
em relação aos aguardados resultados superiores do empreendimento em pauta.
Percebi que o referido aparelho era acionado por uma espécie de controle remoto
mental e a sua exteriorização luminosa obedecia ao mesmo recurso.
Inesperadamente começamos a ouvir uma balada coral, como se vozes angélicas,
homenageando o Criador, entoassem uma música de incomum beleza que
possuía o condão de enriquecer-nos de energias, enquanto produzia emoção
profunda que nos tomava os sentimentos preparados para a captação das
concessões do amor.
Não podíamos dominar as lágrimas que nos desciam dos olhos, que nasciam no
coração invadido por profunda gratidão ao Pai Celeste, que nos honrava com
imerecida deferência no culto do dever, o qual nos dizia respeito para a própria
evolução.
Como ficar indiferente a esse amor que é a vida da nossa alma, que se extasia,
incapaz de entendê-lo em profundidade?
Nesse momento, tomando a palavra, a doce e meiga voz de madre Clara de
Jesus, propôs-nos:
- Oremos em silêncio, aguardando a vontade do Senhor de todos nós, confiando
na Sua inefável misericórdia.
16
O REENCONTRO
Nesse comenos, acercou-se de madre Clara um dos vigilantes da Instituição
trazendo valiosa informação.
A veneranda Entidade comunicou ao irmão Anacleto que os convidados
acercavam-se do local. Escutamos sons de fanfarras estridentes e vozerio
agitado, misturado a tropel singular. Atendendo a invitação mental do Benfeitor
acompanhamo-lo à porta de entrada e fui tomado por peculiar surpresa ante o
espetáculo que defrontei.
Estranho cortejo, imitando bizarro desfile de carnaval, acompanhava o marquês de
Sade, postado em um carro alegórico de confecção igualmente vulgar, puxado por
animais que faziam recordar figuras mitológicas do panteão greco-romano. Tochas
inflamadas de tonalidade amarelo-avermelhada iluminavam a madrugada escura,
enquanto fumo de odor desagradável empestava o ar.
Os áulicos do antigo nobre retorciam-se em dança asquerosa, enquanto os
Espíritos frívolos, que faziam parte da comitiva, aplaudiam-no estentoricamente.
Outros, que se compraziam na vadiagem, e que foram atraídos pela exótica
exibição, formavam verdadeira multidão de pândegos, que gargalhavam e
desfrutavam da vulgaridade como se houvessem encontrado novo espetáculo
para o prazer doentio.
Parecendo antigo paxá, que se fazia acompanhar de escravos, que ostentavam
imensos leques de plumas imundas, acolitando-o, desceu do carro horrendo,
assumindo a postura de personalidade de alto coturno, ao mesmo tempo ridícula,
e encaminhou-se à porta de acesso, onde foi recebido pelo abnegado Instrutor. Os
vigilantes da Instituição abriram alas para que passassem o convidado e parte da
sua comitiva, adentrando-se no salão de conferências onde foram acomodados,
pelo menos aqueles que pareciam ser os mais representativos do grupo.
Percebi que a psicosfera dantes reinante, suave e carregada de vibrações de
dulçurosa paz, foi-se alterando sensivelmente ante o exsudar das energias
pestíferas de que se faziam portadores os recém-chegados, tornando-se mais
pesada. Simultaneamente, não acostumados a esse clima psíquico renovador,
alguns deles demonstravam mal-estar, dificuldade respiratória e inquietação,
decorrentes dos fluidos absorvidos, que lhes funcionavam como recurso
terapêutico desintoxicante dos vapores venenosos a que se adaptaram.
Tornou-se visível o desagrado que se estampava naquelas faces congestionadas
e assinaladas pelo desespero mal disfarçado da imensa angústia que os vitimava.
O marquês de Sade foi recebido com gentileza e humanidade, mas sem qualquer
distinção de que se acreditava merecedor, sendo tratado com respeito fraternal.
Enquanto parte da massa era acomodada na sala de expressiva proporção, o
marquês e mais alguns poucos sequazes foram conduzidos ao setor de atividades
mediúnicas, reservado para labores especiais em nossa esfera de ação.
À medida que ele se adentrava pela intimidade do recinto, foram desaparecendolhe
a arrogância e a auto-suficiência, estampando-se no rosto, agora contraído, o
enfado, o desagrado, um quase arrependimento por haver aceito o desafio.
Sem preâmbulos de apresentações inecessárias, o convidado sentou-se em lugar
que lhe foi indicado e os seus áulicos permaneceram a regular distância, não
escondendo a curiosidade que bailava nas suas faces.
O irmão Anacleto, sem mais delongas, explicou ao visitante que ali se encontrava
alguém que se lhe vinculava desde há muito tempo, e que necessitava de apoio
para libertar-se da desdita em que mergulhara, fazia mais de dois séculos.
Tratava-se da rapariga Rosa Keller, que ele conhecera em plena juventude.
De imediato, a paciente foi trazida e colocada sobre uma cama que se encontrava
no centro do semicírculo. Ressonando, estertorava com seguidas convulsões que
a desnaturavam, apresentando um aspecto deplorável.
O marquês contemplou-a, algo surpreso, e desabafou:
- Essa infeliz foi responsável por muitos dissabores que me acometeram após
haver-me relacionado com ela. Por sua causa fui levado ao cárcere e nunca a
perdoei. Com ela começou o meu período de humilhações, que soube superar,
mantendo-me inatingido pelos meus inimigos e perseguidores.
- Sem dúvida - redarguiu, o Mentor - com a pobre Rosa, o senhor marquês
exteriorizou os tormentos que o afligiam e o celebrizaram nos seus espetáculos de
perturbação sexual. Mas não foi a pobre vítima quem se fez responsável pelas
conseqüências da crueldade praticada para com ela, quando abusou da sua
inocência e a levou a um estado de quase morte, tais as escabrosidades e vilezas
praticadas. Foi o estado lamentável em que o senhor marquês a deixou, que
despertou o interesse da polícia para punir esse comportamento hediondo, o que
redundou no seu primeiro encarceramento...
Ele quis protestar, porém, sentiu-se inibido pela primeira vez. O clima psíquico
reinante no ambiente diminuía-lhe a capacidade de comunicação, especialmente à
que se encontrava acostumado na furna em que reinava.
- A partir daquele momento - prosseguiu o Mentor - desprezada e perseguida por
todos quantos lhe conheciam a desdita, Rosa passou de mão em mão, cada uma
caracterizada por maior hediondez, até que tombou desvairada na mais áspera
degradação humana, em um hospício, sendo seviciada por outros doentes que lhe
compartiam a desventura... E desde quando desencarnou, vem sendo arrastada
por Espíritos cruéis para sítios de horror onde tem permanecido, evocando aquele
que a infelicitou e desejando desforçar-se. Passaram-se dois séculos de dor e de
sombra, de falta de esperança e de alegria, até que, mais recentemente, luziu-lhe
bendita oportunidade, que agora está sendo convertida em recuperação.
Para que haja, no entanto, o reequilíbrio, faz-se necessário percorrer um longo
caminho, que ora se inicia.
O amigo fez uma pausa, e logo deu prosseguimento:
- Não nos referimos apenas a Rosa Keller, mas a todos quantos foram vítimas dos
desvarios do senhor marquês, cuja memória na Terra está associada às páginas
de Justine, de Juliette e de outras personagens moralmente enfermas, e que hoje
se alastram pelo mundo como espetáculos de primitivismo, de barbarismo.
Gostaria de apresentar ao nosso convidado uma sua antiga amiga, Madame X.
Mauro, adormecido, foi conduzido igualmente por padioleiros vigilantes e colocado
em outro leito ao lado de Rosa Keller.
O marquês olhou-o, e revidou, surpreso, interrogando:
- Sei que minha querida amiga se encontra nessa estranha forma de sacerdote
explorador da infância, mas que tenho eu com o problema?
- Realmente - elucidou o irmão Anacleto. - O caro marquês tem muito a ver com
as suas atitudes atuais, porque ela tem sido sua hóspede durante muitas bacanais
na cidade perversa, onde cada vez mais se nutre de miasmas doentios e
escravizadores. Nesta conjuntura, porém, a sua existência deverá redefinir rumos
para o futuro, porquanto está a um passo da loucura ou do suicídio, tais os
desmandos que se tem permitido sob sua inspiração. Convenhamos que o império
da sensualidade e da morbidez, por mais longo se manifeste, é sempre de
duração efêmera, não podendo prolongar-se indefinidamente sem consumir
aqueles que o vitalizam.
- Não tenho nada a ver com isso - ripostou, alterado, o marquês. - Houvesse
previsto que, afinal, não existe nada contra mim, que não seja o repetir dos
mesmos argumentos insossos com que sempre sou acusado, e não teria perdido
o meu tempo em aceitar esta entrevista-farsa. Não ignoro, é claro, os artifícios de
que se utilizam os puritanos e frustrados do sexo, para desmantelarem a nossa
Organização, o que sempre vem redundando em inutilidade, já que somos
poderosos e contamos com o apoio dos homens reencarnados na Terra e outros
que se encontram fora do corpo. O sexo é o objetivo único da existência execrável
que a Vida nos concede. Fruí-lo até à destruição de si mesmo é a única finalidade
de que dispõe o ser humano. Sei, por experiência pessoal, que a vida não passa
de uma neblina que a nossa mente vitaliza ou desorganiza. Tudo quanto
operamos pelo pensamento torna-se realidade, merecendo, portanto, somente
existir o que nos agrada e nos compensa emocionalmente. Sei que um dia me
extinguirei, como o fumo que desaparece tão logo termina a fonte de combustão.
Por isso, reinarei nos meus domínios, propiciando a todos quantos pensam e
gozam como eu, o prazer infinito e variado que a imaginação pode conceber...
- Lamentável quimera - elucidou o Benfeitor - na qual o amigo não acredita. Os
longos anos de exorbitância e de despudor laceraram-lhe a alma, cujos tecidos
sutis estão pejados de energias tóxicas, que se vão transformando em tédio com
irrupção de violência cada vez mais selvagem, sem atender o insaciável desejo de
mais gozo. Tudo chega a um ponto de saturação, até o mal que cada qual se faz a
si mesmo e ao seu próximo, transformando-se em flagelo íntimo, que não mais
proporciona o prazer mórbido por ocasionar danos e sofrimentos nos demais. É o
que vem ocorrendo com o senhor marquês... Soa-lhe, também, a hora da
exaustão. A sua imaginação não mais pode conceber nada que não haja sido
experienciado. A decantada liberação sexual entre os seres humanos, sob a sua e
outras odientas inspirações, que chegou à Terra por inúmeros ex-residentes da
cidade perversa, e após o impacto novidadeiro vem perdendo adoradores,
enquanto alguns ambiciosos, incapazes de progredir mediante processos de
honradez e de valor, apelam para as cavilosas manifestações da promiscuidade e
das aberrações, fazendo que logo mais esteja totalmente ultrapassada. O ser
humano aspira, queira-o ou não, a ideais mais elevados e a patamares diferentes
de experiências emocionais, nos quais as sensações são transformadas em
emoções em torno do bom, do belo, do libertador. Toda canga pesa demasiado
até tornar-se um fardo insuportável... É o que vem sucedendo com o senhor
marquês. Podemos identificar a sua necessidade de renovação, captamos as suas
aspirações pela liberdade e os anelos íntimos por novas experiências...
Calou-se, por um pouco, e logo deu prosseguimento:
- Enquanto alguns iniciantes encontram-se deslumbrados pelos prazeres exóticos
e pelas aberrações da loucura, desejando vivê-los até a exaustão, na viagem sem
sentido do corpo, que pretendem prolongar fora das vísceras orgânicas, aqueles
que se têm entregado à luxúria e ao despautério encontram-se lassos e já
desinteressados do jogo ilusório dos sentidos, experimentando a falta do
sentimento do amor. Sem o amor, a vida não tem qualquer objetivo, nenhum
significado, porque toda sensação desaparece após ser atendida, enquanto que
as aspirações do afeto, do sentimento da beleza, do conhecimento profundo, da
auto-realização, da plenitude, cada vez mais motivam, porque têm caráter e sabor
de infinito. Não pense, porém, o senhor marquês, que estamos desejando
violentar-lhe a forma de viver, pela qual optou espontaneamente e a que se vem
entregando desde há expressivo tempo... O nosso é o interesse de libertar Rosa
Keller e Madame X, bem como algumas das vítimas da insidiosa enfermidade que
as afeta e que, certamente, com o seu auxílio, será erradicada, beneficiando-o
também.
O marquês estrugiu ruidosa gargalhada, esfogueando o semblante deformado,
num aspecto mais de máscara que de face, com anomalias decorrentes das
construções mentais, que o apresentava com características de algum fauno
mitológico estranho e aberrante.
A um sinal quase imperceptível do irmão Anacleto, Dilermando, que se encontrava
vigilante, aproximou-se de Mauro e começou a aplicar-lhe passes dispersivos, a
princípio sobre os chakras coronário e cerebral, como se estivesse dissolvendo
energias condensadas naquelas áreas, para logo prolongar os movimentos na
direção longitudinal do corpo adormecido. Lentamente o perispírito do sacerdote
assumiu a forma feminina, e Madame despertou recuperando a lucidez com
relativa facilidade. Logo após, percorreu os olhos pelo ambiente e identificou o
marquês de Sade, que não sopitou a surpresa do reencontro, sorrindo jovialmente
e algo estimulado, provocando na Entidade inesperado constrangimento, quase
um receio que não se esforçou por ocultar.
A psicosfera ambiente, apesar de saturada de energias superiores, foi-se tornando
mais densa, à medida que as Entidades convidadas começaram a exteriorizar os
anelos do seu psiquismo atormentado.
Não dominando a surpresa, o marquês de Sade acercou-se de Madame X e
desejou cingi-la em um abraço afetuoso, no que foi discretamente repelido,
causando-lhe singular desagrado.
O irmão Anacleto utilizou-se da ocorrência para informar que, naquele momento,
seriam estabelecidas diretrizes novas para o futuro, tendo em vista que o império
da desordem e da desestruturação de algumas vidas deveria ceder lugar a
cometimentos diferentes, ensejando a edificação da felicidade para todos quantos
se encontravam envolvidos na urdidura da insensatez.
Com segurança e entonação de voz especial, propôs que se iniciassem as
atividades espirituais através de uma oração, que solicitou ao nobre Dr. Bezerra
de Menezes proferir.
Sem qualquer delonga, o Mensageiro da Luz exorou, sensibilizado, a todos
tocando-nos igualmente:
Jesus, Psicoterapeuta por Excelência: Asfixiados no paul das emanações
morbíficas decorrentes da inferioridade moral que ainda nos caracteriza,
erguemos o nosso apelo à Tua magnanimidade, a fim de que nos arranques do
lodaçal em que nos retemos.
Cansados do vaivém da loucura que tem ressurgido nas diversas experiências
reencarnatórias, predispomo-nos a recomeçar com disposição nova, por sentirmos
chegado o momento da libertação dos condicionamentos infelizes que nos temos
permitido ao longo dos séculos de perturbação e primarismo.
Tens-nos distendido mãos generosas e seguras, tentando elevar-nos, enquanto
teimamos na permanência da acomodação infeliz, sem aspirações de plenitude.
Utiliza-te deste momento de reflexão e alça-nos às regiões luminíferas da
Espiritualidade onde possamos haurir energias vitalizadoras, que nos emularão ao
crescimento interior longe da perturbação e da desordem.
Não é a primeira vez que recorremos ao Teu auxílio, que tem estado aguardando
pelas nossas decisões, no entanto é o momento especial em que nos dispomos
realmente à mudança e buscamos o Teu magnetismo, a fim de encontrarmos a
saúde espiritual que nos vem faltando.
Todos quantos aqui nos encontramos somos os novos filhos do Calvário,
despertando para avançar no rumo dos altos Cimos.
Alonga-te até nós, e sem considerar os nossos pesados delitos, enseja-nos a
recuperação indispensável para o recomeço feliz dos tentames iluminativos.
Jesus, Benfeitor Incessante, aguardamos que venhas até nós, que nos
encontramos em expectativa de paz e de renovação.
Quando silenciou, iluminado interiormente por peregrina claridade irradiante,
percebemos que flocos diminutos igualmente luminosos caíam do alto e tocandonos
a todos assinalavam-nos com pontos refulgentes que nos produziam inefável
bem-estar.
O marquês de Sade, que não estava acostumado a algo dessa natureza,
observou a ocorrência entre espantado e receoso, não podendo, porém, ocultar o
prazer decorrente da sensação que lhe causava o desconhecido benefício.
Enquanto madre Clara de Jesus envolvia Rosa Keller em energias saturadas de
harmonia, a enferma, com as deformações que lhe assinalavam o perispírito,
recobrou totalmente a lucidez, e reconhecendo o seu algoz, pareceu tresvariar,
gritando desordenadamente:
- Que faz aqui esse monstro? Novamente irá torturar-me? Não lhe bastam os
longuíssimos dias da minha desgraça? Ainda tenho as carnes dilaceradas pela
sua loucura assassina. Socorra-me, alguém, por piedade!
- Acalme-se, minha filha - disse-lhe, madre Clara de Jesus, aplicando-lhe energias
dulcificantes. - O senhor marquês não mais pode afligir a ninguém. A partir deste
momento, também ele se encontra em tratamento, dando o primeiro passo para
rumar noutra direção.
- Deve ser loucura - interveio o convidado especial, imprimindo na voz ironia e
desdém. - Eu aqui me encontro voluntariamente e sem nenhuma disposição para
mudar de atitude ou iniciar qualquer tratamento, pois me reconheço saudável e
bem disposto no que faço, conforme me sinto e no que aspiro.
Acercando-se-lhe, o irmão Anacleto esclareceu-o:
- Sabemos como o caro amigo se encontra e sente-se. Nada obstante, aqueles
que têm sido suas vítimas anelam pela libertação, estão cansados das sevícias e
dos maus tratos, especialmente a nossa amiga Rosa, que após libertar-se da
prisão no Castelo de Y, vem recebendo tratamento adequado para o reencontro
com a felicidade.
Enquanto isso, a vítima do sicário continuava gritando aparvalhada:
- Não me deixem voltar para aquele inferno. Eu tenho direito à paz. Sei que
sucumbi mil vezes a todos os tipos de torpeza moral, mas não possuía
discernimento nem capacidade para lutar contra a desgraça que me devorava por
dentro.
- Sabemos disso, minha filha - prosseguiu a gentil Mentora - ademais você se
encontrava hipnotizada desde quando deambulava pelo mundo nos trajes
desgastados da perversão moral a que se entregou. Agora surge uma diferente
madrugada, em que você lentamente irá recuperar-se. Não tema, nem se deixe
sofrer, porque o Mestre do amor ouviu o seu grito rogando socorro e atendeu-a.
Ninguém se encontra perdido indefinidamente. O poder maléfico exercido contra
você não possui mais qualquer força que a submeta aos caprichos que vicejavam
até há pouco. Confie e ore neste momento decisivo da sua vida.
- Ele desgraçou-me e a muitas vidas - acusou a infortunada - e submeteu-nos a
sofrimentos insuportáveis nas furnas em que nos reteve por longos, infinitos anos,
que não sei contar... Ali, no Castelo a crueldade não tem limites...
- Todos o sabemos, minha filha, e por isso aqui estamos reunidos, a fim de
decidirmos como seguirão as suas existências a partir deste momento.
Nominalmente acusado, o marquês esbravejou:
- Sempre foi uma louca, a desgraçada, por cuja causa eu sofri penalidade injusta.
Por isso mesmo, após a sua morte vergonhosa, arrebatei-a para os meus
domínios, no Castelo que eu próprio ergui, onde a explorei a expensas dos meus
interesses como é compreensível. Foi ela quem me seduziu, ou melhor dizendo,
quem me perturbou a juventude, atraindo-me, vulgar e perversa, aos seus
encantamentos sensuais. Açulado nos meus instintos, dilacerei-a, esfogueado
pelos desejos que irromperam dominando-me todo o corpo e a mente. Odeio-a e
lamento não haver feito muito mais, a fim de submetê-la, exemplo típico da ralé e
do lixo social. Ela pensava certamente que me conquistaria, quando lhe
emprestaria meu nome e meus títulos. Pobre insana!
E prorrompeu em estrídula gargalhada, que tinha mais o aspecto de loucura que
mesmo de alegria ou de satisfação.
- Ele mente - gritou, Rosa - porque eu não fui a primeira, nem mesmo a causadora
do seu primeiro encarceramento. Por acaso, ele se esqueceu de Jeanne Testard,
das blasfêmias contra Deus, Jesus, Maria e os atos religiosos, bem como do
abuso praticado contra ela que se recusava a atendê-lo? O seu primeiro
encarceramento foi resultado desse hediondo e nefasto crime, não por minha
causa. Comigo, pobre tecelã, em Arcueil, tudo começou com o seu estranho
psicodrama sexual, que terminou na minha flagelação sob ameaça de morte. Se
eu não houvesse fugido pela janela aberta e contado a todos quantos encontrei e
se estarreciam com o meu estado, o infame ficaria impune... Nem desejo referirme
à sua vida incestuosa com a própria irmã... No entanto, graças à sua posição
social, ele sempre conseguiu a liberdade, evitando a pena de morte, mesmo após
condenado mais de uma vez, enquanto suas vítimas ficamos desgraçadas para
sempre, na Terra e mesmo depois da morte... Nesse momento, Madame X
totalmente desperta e lúcida, interveio:
- Também estou cansada de tanta desgraça. Necessito ser livre para crescer e ser
feliz. Não mais suporto a pressão que me submete, nem a insaciabilidade que me
queima interiormente, buscando novos e sórdidos comportamentos. O cansaço
asfixia-me e o horror de mim mesma toma proporções com as quais já não posso
conviver. Aspiro por novos comportamentos, necessito libertar-me da luxúria, da
sensualidade perversa que me destrói. E demasiadamente alto o preço de cada
comportamento desditoso, infelicitando vidas infantis que estertoram no meu
regaço, enquanto a perversão me consome sem cessar...
- E que tenho eu com isso? - interrogou o marquês.
- Serei também responsável pela sua Casa de perdição nos arredores de Paris,
onde se praticavam aberrações que me faziam- corar? Quando a visitei por
primeira vez já era um antro de prostituição da mais baixa qualidade. Poderia
mesmo afirmar que ali aprimorei alguns dos meus métodos, tal a excelência do
que ocorria em excesso de depravação e criminalidade... Introduzi o uso de
comportamentos sexuais com animais na parte inferior da Maison, porque os seus
freqüentadores eram menos que os próprios quadrúpedes ou com eles se
assemelhavam. Já me encontrava bastante debilitado em forças, naquele período,
porém suficientemente lúcido para aquilatar em torno dos resultados dos favores
que podia fruir e proporcionar aos demais.
- Não me escuso à responsabilidade nem a nego
- respondeu Madame. - No entanto, estou cansada de luta intérmina e inglória. O
domínio que a sua mente exerce sobre mim, levando-me sempre de retorno à
cidade, é o que desejo romper, para poder avançar com menos dificuldade e
menor pressão emocional. Liberte-me, por favor, da sua hipnose destruidora!
Madame estava sinceramente comovida, e no apelo que lhe partia do imo
exteriorizavam-se as energias que lhe foram ministradas nos dias precedentes,
fortalecendo-a para aquele encontro singular.
O rosto do marquês congestionou-se e ele parecia pronto para uma explosão sem
precedentes. Iracundo e cínico, deblaterou:
- Que tribunal ridículo é este? Estive, na Terra, muitas vezes, diante de juizes e
acusadores, de severos justiceiros e de cínicos membros do puritanismo social,
que se apresentavam como portadores da verdade, da dignidade e do respeito
humano. Esses mesmos hipócritas promoviam as guerras, em algumas das quais
estive defendendo-os e à França, enquanto eles se escondiam para fugirem às
batalhas. No entanto, não trepidavam em punir-me com a sua falsidade, porquanto
não poucos se permitiam realizar às ocultas os prazeres que criei, condenandome
em mecanismos de autopunição, que não tinham coragem de infligir-se. Nada
mudou, inclusive entre os mortos. E são os senhores os representantes da
verdade, da honradez, da felicidade humana que me querem umpingir culpas, que
não as tenho, pensando em mudar-me o destino? Estão profundamente
enganados, porque também eu conheço alguns dos mecanismos das Leis que
regem o Universo. Eu somente me permiti fazer o que achei melhor para mim
mesmo e para todos aqueles que, à minha semelhança, desejavam uma vida de
prazer e não tinham coragem de realizá-la. Eu apenas direcionei-os para o que
sempre desejaram. Gênio, que sempre fui, soube cercar-me de amigos e
cooperadores que me compartiam as experiências e se extasiavam com as
mesmas. Por isso, a justiça, sempre corrupta, não conseguiu vencer-me.
- Ninguém deseja violentar o sofrido amigo... interferiu o irmão Anacleto.
Interrompendo o venerável Guia, o marquês interrogou:
- Como se atreve dizer que sou um sofrido amigo? Nem sou sofrido e muito
menos seu amigo. Eu sou um dos senhores da cidade do prazer, sem dúvida, sem
amigos, porque sou poderoso e estes não têm amigos e sim áulicos, bajuladores...
Não me venha, pois, com pieguismos cristãos, de que me libertei quando ainda
jovem, embora a Religião da época me tenha absolvido e me sepultado com as
suas bênçãos que, como vê, não adiantaram nada...
Mantendo-se inalterado, o Benfeitor prosseguiu, calmo e seguro:
- O nosso sofrido amigo está também cansado da farsa que se vem permitindo,
porque, na relatividade das ações infelizes, momento sempre chega em que o
indivíduo, saturado e aturdido, busca a realização suprema da vida, que é o amor.
E o amor é a única resposta para todas as questões perturbadoras da
Humanidade.
Nesse momento, escutamos uma doce voz que nos chegava de Esfera Superior e
alcançava-nos a acústica da alma, produzindo-nos elevada emotividade.
O venerável Dr. Bezerra de Menezes dirigiu-se à porta de entrada da sala e
recebeu nobre Entidade acolitada por mais dois Espíritos elevados, que envolta
em diáfana luminosidade, entoava comovedora canção de ninar.
Os sofredores, surpreendidos pelo doce enlevo e encantamento dos visitantes,
não puderam esconder a emoção que os tomou, enquanto, nós outros, igualmente
felicitados pelo inesperado acontecimento, deixamo-nos envolver pela misericórdia
de Deus, tomados pela expectativa dos próximos acontecimentos.
Era a primeira vez que participava de uma atividade espiritual de grande porte e
acontecia algo semelhante, com fins psicoterapêuticos, ao mesmo tempo de alto
significado.
Não pude evitar a curiosidade que bailava em minha mente. Quem seria a virtuosa
visitante? Qual a finalidade da sua presença?
Não me pude entregar a excogitações dessa natureza, porque, ao adentrar-se no
recinto e fazê-lo recender peculiar aroma espiritual, vimo-la acercar-se do
marquês de Sade, envolvendo-o em um olhar inesquecível.
As vibrações superiores tomavam-nos a todos, produzindo inefável sensação de
paz.
O trânsfuga espiritual, reconhecendo a iluminada visitante, atirou-se de joelhos, e
gritou em lágrimas que, subitamente banharam-lhe o rosto, exclamando:
- Mamãe! Novamente você vem salvar-me, descendo do paraíso até o inferno em
que me encontro?
- Donatien Alphonse - enunciou com inabitual musicalidade na voz - venho em
nome do Amor para estar contigo.
Ainda não mereço o paraíso nem te encontras no inferno. Estamos ambos na
Casa do Pai, em regiões diferentes, a serviço das Suas incomparáveis Leis. Tem
bom ânimo e renasce para a vida, mais uma vez, arrancando do teu íntimo o
câncer que te vem consumindo há tanto tempo. É chegado o momento de
recomeçar...
17
LIBERTAÇÃO E FELICIDADE
Enquanto a genitora, aureolada de luz, confortava o filho, percebendo-me a
perplexidade, o irmão Anacleto informou-me mentalmente:
- Trata-se da veneranda mãe do infeliz marquês, que na Terra se chamava MarieEléonore,
que não poucas vezes utilizou-se da influência do nome e da sua
posição na Corte, especialmente como dama de companhia da princesa de
Conde, para libertar do cárcere e mesmo da pena de morte o filho inditoso e
rebelde.
Havendo desencarnado com a alma dilacerada pelas atrocidades que o mesmo
praticara contra muitas vidas, sofrida ante a herança nefanda que o mesmo atirara
sobre o nome da família, vem trabalhando desde então para este encontro, que
somente hoje foi possível realizar. Uma das Entidades felizes que a acompanham
é o abade Amblet, que foi o preceptor particular do marquês e procurou ser-lhe
amigo fiel por toda a vida, mesmo durante as loucuras que o levaram, por fim, ao
manicômio no término da existência malfadada. Como se pode depreender, nunca
falta a presença da misericórdia de Deus ao mais terrível infrator, como
abençoado sol que aquece o pântano, que dele sequer dá-se conta, a fim de
purificá-lo, sem pressa nem punição.
A nobre visitante ergueu o filho infeliz e envolveu-o em um abraço de ternura, ao
que ele, tentando desvencilhar-se, acentuou:
- Eu sou todo podridão, enquanto você é o lírio mais puro que medra no jardim
irrigado de Sol.
- Filho da alma! - retrucou a Entidade elevada. Somos todos filhos do mesmo Pai,
que nos gerou para a felicidade e nunca para a permanente desventura.
Escolhemos o difícil caminho por livre opção, e, não poucas vezes, demoramo-nos
nos desvios, até o instante em que nos chega o socorro, a segura diretriz que nos
liberta de nós próprios. E este é o nosso instante. Em muitas ocasiões tentei
visitar-te na tua cidade, mas o momento não era chegado. Tenho ouvido as
rogativas de muitas mães, cujos filhos tombaram nas redes do seu desar, alguns
dos quais lá permanecem nas furnas e antros de perversidade e insensatez,
cansados de sofrer e loucos por novos prazeres que não sabem mais
experienciar.
Reconheço que cada um de nós escolhe sempre o caminho com o qual mais se
identifica, permanecendo nele enquanto convém. No entanto, aqueles que nos
induzem a determinadas atitudes, se não são responsáveis diretos pela
ocorrência, são-no indiretamente, por haverem contribuído para a eleição das
mesmas. E, no caso, o filho querido tem sido estímulo e modelo, encantamento e
motivação para que muitas patologias sexuais encontrem campo de exteriorização
e mercado para o seu estranho infeliz comércio.
Ela fez uma breve pausa, a fim de que todos nos impregnássemos dos seus
sábios conselhos, permitindo que se ouvissem os choros convulsivos de Rosa
Keller, de Madame X, amparadas pelos Mentores do labor espiritual.
Logo após, deu prosseguimento, argumentando:
- Dia próximo se anuncia em que a fraternidade legítima estenderá braços
protetores a todos os indivíduos. Os sicários de agora se tornarão protetores das
suas antigas vítimas e os maus dar-se-ão conta da necessidade de se tornarem
bons, a fim de fruírem de felicidade, no convívio ideal, construindo o mundo
melhor anunciado por Jesus.
"Todos, no processo da evolução, experimentam erros e acertos, optando por
quais recursos mais utilizar-se, a fim de encontrarem a dita que almejam. Alguns,
que se equivocam, detendo-se na alucinação que elegem como meio de ventura,
agredindo-se e ao determinismo das Leis Divinas, podem demorar-se por largo
período no engodo, até o momento em que soa a sua libertação, não mais
suportando as amarras nas quais estertoram. Luze sempre a claridade do amor na
sombra mais densa e a misericórdia de Deus está sempre próxima de todos,
bastando apenas que cada um se permita sintonizar com os valores elevados do
Espírito, para ser beneficiado e começar a sua libertação. Por mais se alonguem
os dias do terror e da enfermidade espiritual, sempre chega o momento da paz e
da cura apontando o roteiro para Deus. Ninguém, desse modo, poderá fugir desse
divino tropismo que é a fonte geradora de toda energia e vida.
"Aproveita, portanto, meu amado Donatien, para recomeçares a trajetória, que
neste momento se encontra nublada de sombras e plena de misérias, para
poderes fruir da paz que, desde há muito, perdeste em relação a ti mesmo e a
todos nós, que te queremos."
O atormentado Espírito, tomado por copioso pranto, quase em convulsão,
protestou:
- Não posso abandonar tudo de uma só vez. Aqui, comigo, estão centenas de
companheiros que residem em nossa comunidade e me necessitam. Aguardamme,
em sala contígua, e devem estar ansiosos ou desesperados, sem saberem o
que me acontece. Ainda não posso, mamãe, seguir a estrela, ficando no charco,
onde apodreço, assim reparando todos os crimes cometidos e aqueloutros que
continuo praticando... Perdoe-me, por havê-la feito descer de algum astro sem
poder erguer-me com a sua vara de condão, com o seu amor de misericórdia...
Sou mais desgraçado do que pareço. O ódio da minha loucura, a alucinação que
me assalta, o desespero em que resfolego impedem-me de enfrentar o cárcere de
correção. Ainda prefiro esta vida maldita à recuperação mediante outros tipos de
sofrimento, de consciência culpada e atormentada...
- Donatien-Alphonse - redarguiu a genitora sábia - ignoras o procedimento das
Leis Divinas e considera-as conforme a tua caótica capacidade de entendimento.
A Justiça de Deus não é feita de desforços, nem se utiliza dos mecanismos
terrestres de cobrança e de punição. Todas elas têm como fundamento o amor, e
este funciona mediante os valores arquivados na consciência de cada qual. Não
podes imaginar o que te está reservado, antes que experimentes o doce convívio
com a verdade. Afinal, os irmãos e seguidores que te aguardam, encontram-se
igualmente amparados neste reduto espiritual de socorro que te recebe e os
envolve em ondas de paz.
Mesmo que te recuses aos benefícios desta hora e queiras retornar à tua cidade,
serás surpreendido pelo número de acólitos que terão preferido ficar aqui,
desfrutando da esperança de harmonia e de felicidade, conforme já está
acontecendo. Grande número daqueles que te seguem, infelizes e submissos, não
estão concordes contigo, mas temerosos de ti, deixando-se consumir pelas
labaredas de sensações que já não os movimentam, porque diluídas no seu corpo
perispiritual, somente o pensamento as vitaliza, atormentando-os mais do que
produzindo-lhes prazer. Ademais, tu não és responsável pelos seus destinos.
Foram eles que se fixaram aos teus desmandos, mediante o convívio psíquico
com as tuas propostas perversas, e têm o direito de libertar-se logo alterem a
paisagem mental e a opção evolutiva. Pensa, portanto, agora, em ti, na felicidade
que está ao teu alcance, no teu novo e oportuno projeto de vida.
Silenciou, por um pouco, enquanto o envolvia em dúlcida vibração de paz,
segurando-lhe as mãos e vitalizando-o com sua energia superior.
Continuando, disse-lhe com meiga voz:
- Voltaremos ao corpo novamente juntos. Eu irei primeiro, a fim de preparar-me
para receber-te. Depois seguirás, após um período de depuração, quando te
libertarás da intoxicação demorada destas energias que te oprimem e desgastam.
Volveremos a estar juntos. O meu regaço te embalará com ternura e fruirás de
venturas, que Deus nos concederá a ambos. De alguma forma, tenho necessidade
de estar ao teu lado, a fim de contribuir para o teu renascimento espiritual, por
sentir-me também responsável pelos acontecimentos que te assinalaram a
existência.
A convivência na Terra te iluminará a consciência; reencontraremos aqueles a
quem prejudicamos e poderemos auxiliá-los, ascendendo do vale sombrio no
rumo do planalto da vera fraternidade. Não te escuses à iluminação nesta
oportunidade, porquanto não podemos prever quando te surgirá outra bênção
semelhante.
"Reconheço que não será um tentame simples, nem uma viagem de natureza
romântica ao país da fantasia ou dos sonhos. Será uma experiência de iluminação
e de eternidade. Não são poucos os Espíritos que se transviaram do caminho do
Bem e do amor para seguirem a senda tormentosa das paixões primevas e
alucinantes.
Ódios em sementeira de desespero traçaram incontáveis desvarios, que se
multiplicam em sórdidas conseqüências e que temos de transformar em
esperança e alegria. Compreendes que não se convertem espículos em flores
sem que se arrebentem interiormente do invólucro em que dormem, a fim de
esplenderem na claridade do dia. Adversidades e testemunhos dolorosos uns,
enquanto angustiantes outros, nos aguardam na grande viagem de recomeço
transformador.
Terás o meu carinho a todo instante e as bênçãos de Deus te assinalarão a
marcha nos limites que te serão impostos pela própria necessidade de crescer,
sem riscos desnecessários de novamente tombares nos desvãos da impiedade..."
E porque desse sinais de emoção diferente, assimilando a possibilidade futura de
paz, o marquês interrogou, compungido:
- Imaginemos que eu possa tentar recomeçar, deixar de lado a falsa posição de
dono de alguns destinos humanos; como volverei? Em que forma me
apresentarei, vestido de carne?
Sem ocultar a verdade, que se fazia indeclinável, a Entidade nobre elucidou:
- Não ignoramos, nós ambos, que os choques de retorno dos atos constitui
fenômeno natural nos planos da Vida. É inevitável a colheita que vem da
sementeira conforme foi realizada. Na marcha do processo de equilíbrio, torna-se
necessário reconstruir tudo quanto a insânia demoliu, e isso será feito com os
instrumentos utilizados no labor infeliz. Assim, receberás a graça da idiotia,
ocultando o raciocínio em um cérebro incapaz de reproduzir-te o pensamento
corretamente. Em decorrência dos abusos excruciantes que tens vivido na cidade
perversa, sofrerás rudes limitações na organização genésica, transitando no
mundo como um sonâmbulo, que o meu amor e a caridade de Deus converterão
em um ressuscitado ditoso.
Mediante oportuno silêncio, que lhe permitia reflexionar em torno do que o
aguardava em relação ao futuro, concluiu, afetuosamente:
- Postergar a hora da verdade é torná-la mais severa, que será enfrentada pela
ânsia de ser feliz ou mediante o impositivo da evolução, que a todos alcança com
ou sem a sua anuência. Ninguém foge do seu Deus interno que, embora
adormecido por longo período, desperta e conclama pela necessidade de vir a
flux, de exteriorizar-se. Assim, convém-nos antecipar a hora, a fim de avançarmos
pelas trilhas do porvir.
- E os meus inimigos, aqueles que sempre me perseguiram - indagou, temeroso -
terão oportunidade de alcançar-me?
- É inevitável, filho da alma, porque onde se encontra o devedor, aí estará com ele
o cobrador ignorante e mesquinho, enfermo e cruel. Mas o amor, que cobre a
multidão de pecados, se encarregará de os transformar em amigos, conquistandoos
para sempre. Lembra-te, no entanto, que sempre fulgirá a luz da verdade nos
refolhos do ser, impressa pelo desejo veemente de corrigir os erros e de crescer
na direção de Deus. Força alguma poderá apagar essa claridade interna que te
constituirá um roteiro sempre seguro, mesmo quando a morte me trouxer de
retorno, deixando-te ainda em peregrinação pelo mundo...
"Não podes, neste momento, imaginar sequer os esforços que vimos
empenhando, nós e o abade Amblet, para que se reorganizem as possibilidades
para o teu retorno e a tua vitória. Como podes constatar, a marcha do Bem
aguarda somente o primeiro passo, e essa decisão é tua. Agora ouve o restante
da planificação, desde que nos largos cometimentos da vida não existe entre nós
o improviso."
Acercando-se do espectro Rosa Keller, desfigurada e semi-enlouquecida, o
Espírito Marie-Eléonore, envolveu-a em carícia afetuosa, explicando-lhe:
- Não ignoramos, minha filha, todo o calvário que tens padecido desde aquele já
longínquo dia... Não desconhecemos, também, os abismos aos quais foste atirada
pela leviandade dos nossos coevos e as circunstâncias infelizes que assinalaram
a tua dolorosa existência, que terminaram por conduzir-te após a morte do corpo à
cidade perversa. Por isso mesmo, não nos atrevemos pedir-te que o perdoes,
porque o fel absorvido por muitos anos transformou-se em ácido a queimar-te e
requeimar-te a alma. Não obstante, suplicamos-te que o desculpes,
compreendendo que somente um enfermo mental, profundamente afetado, sem
sensibilidade para o amor nem para a fraternidade, poderia permitir-se o que
Donatien te fez e a diversas outras pessoas proporcionou. A sua estada no
manicômio, transitando entre os atacados pelos delírios e alucinações que os
vitimavam nos transtornos horrendos em que se aturdiam e sob obsessões cruéis
que os vergastavam, contribuíram para piorar-lhe a criminalidade. A imaginação
enferma, atingindo o clímax da aberração, elaborou, então, nas jaulas do hospital,
algumas das obras infelizes de literatura doentia que outros do mesmo nível de
perturbação mental imprimiram e têm sido celebrizadas no teatro e noutros
veículos da moderna informação. Se o desculpares, dando-lhe ensejo de
recuperar-se, também tu serás beneficiada, iniciando o teu recomeço em clima
diferente deste que vens vivendo há mais de dois séculos de sofrimentos que
parecem nunca terminar.
A veneranda Entidade fez uma pausa, ensejando à enferma espiritual absorver a
lição, após o que, prosseguiu:
- Também tu voltarás ao corpo carnal, a fim de recomeçares o exercício do
equilíbrio e a reconquista da saúde espiritual. Fustigada pelas reminiscências do
largo trânsito pelos sítios de sombra e de dor, ressurgirás escondida em uma
forma degenerada, com a mente lúcida mas sem os equipamentos que a possam
traduzir. Será um curto período de expiação, que te proporcionará futuras
experiências em outro clima de realização, em outras circunstâncias mais
favoráveis. No momento, face às dolorosas conjunturas em que vos encontrais,
meu filho e tu, não será possível outro recurso senão este de significado expiatório
e libertador.
Pensa em termos de amanhã, deixando para trás sombras e ressentimentos,
ódios e vinganças, porque o pântano em putrefação vive morto aniquilando tudo
que se lhe acerque com os seus vapores morbosos.
- E quem receberá nos braços a desditada Rosa Keller? Quem se compadecerá
do meu destino?
A voz fazia-se assinalar por profunda amargura e angústia, resultado dos pesados
sofrimentos que havia experimentado até então.
Sem titubear, a Senhora elucidou:
- Aquele Pai Generoso que a todos nos criou, não tem preferência por um em
detrimento de outro, amando-nos de igual maneira e ajudando-nos da melhor
forma possível. Ele, que te libertou do cativeiro onde estiveste até há pouco, já
providenciou o Espírito que te receberá nos braços, envolvendo-te em carícias e
molhando de lágrimas de ternura teu corpo deformado. Eu ofereci-me ao Senhor
da Vida para ser utilizada como tua mãe, auxiliando-te ao lado do meu filho, na
escalada da iluminação.
A informação produziu um impacto em quase todos que acompanhávamos o
diálogo libertador.
Rosa Keller, após recuperar-se da surpresa, inquiriu, assustada:
- Eu voltarei ao corpo na condição de irmã do monstro que me despedaçou a
alma?
Por intermédio de qual sortilégio isso acontecerá?
- Todos somos irmãos uns dos outros - redarguiu o iluminado Espírito - queiramos
ou não, em razão da Paternidade Divina. O importante não é o seres irmã
biológica daquele que te seviciou, mas estares ao seu lado, a fim de que ambos
encontreis a paz e o perdão recíproco na situação dolorosa em que ascendereis
do abismo no rumo da Estrela Polar, que é o Mestre Jesus. Ele abençoou os seus
algozes e desceu às regiões de desespero antes de ascender ao Pai, a fim de
arrancar Judas das mãos perversas daqueles Espíritos que o induziram por
inspiração ao crime hediondo. E o fez em silêncio absoluto, resgatando-o de
imediato, a fim de que pudesse avançar através dos tempos e volver, feliz, à
convivência com os amigos que abandonara... Assim funcionam as Leis do Amor
e ninguém poderá fugir da sua injunção inapelável. Após uma rápida pausa,
concluiu:
- Aqui estamos diversos Espíritos que falimos juntos, experimentando a
misericórdia de Deus para o recomeço. O fracasso nos volta a reunir em nome
das vitórias do futuro, não nos cabendo apresentar exigências, pois que
carecemos de valores para propô-las. Em nossa condição de indigentes, toda
moeda de luz é fortuna que nos cumpre aproveitar com sabedoria, numa decisão
irrevogável. Desse modo, resta-nos somente aceitar o divino convite ou recusá-lo
e mergulhar novamente no abismo, sem outra alternativa para o momento.
De imediato aproximou-se de Madame X, que se apresentava visivelmente
transformada para melhor, sendo, dos três, quem assimilava as instruções com
maior lucidez, e tocando-a com inefável bondade, disse-lhe:
- Todos estes planos encontram-se dependendo de tua decisão libertadora. Sendo
o único reencarnado, fruindo de excelentes possibilidades no corpo físico, teus
braços jovens e fortes deverão erguer um Lar para crianças infelizes, Espíritos
profundamente endividados em recomeços difíceis, para que te reabilites em
relação àqueles a quem feriste, e em cuja convivência adquirirás resistência para
venceres as doentias tendências que te assinalam a atual existência de
extravagâncias, que a fé religiosa irá corrigir. Dispões da lucidez necessária para
entender que os compromissos negativos que te assinalam a jornada exigem
reparação mediante quaisquer sacrifícios, que te constituirão mirífica luz no
processo renovador. Certamente, não serão fáceis as horas porvindouras, porque
largo tem sido o teu caminho de perversões e iniqüidade. O organismo, que vem
absorvendo energias deletérias desde há muito, encharcado e dependente,
sofrerá compreensível abalo na sua estrutura, que exigirá refazimento através do
leito de reflexões. Não te faltarão, porém, os recursos indispensáveis ao êxito do
cometimento. Tua mãezinha será a canalizadora da ajuda superior, intercedendo
sempre por ti e transmitindo-te as forças indispensáveis para a grande travessia
pelo vale de amargura. Confia em Jesus e nunca desanimes. Toda via de
redenção exige sacrifício e abnegação. É imperioso refazer o campo destruído e
plantar novas sementeiras de esperança e de paz.
Aquietando-se em reflexão profunda, a Emissária do Mundo Maior concluiu,
imprimindo enérgico tom à voz:
- Aqueles com quem te acumpliciaste ou que foram vítimas da tua e da
intemperança do marquês, renascerão nos braços do sofrimento, da miséria sócioeconômica,
experimentando desde cedo carência e infortúnio, que lhes
constituirão a futura palma da vitória. Tendo-os próximos de ti experimentarás
sentimentos controvertidos, que deverás transformar em compaixão e
misericórdia, as mesmas de que tens necessidade no trânsito do processo de
auto-recuperação. Contempla-os, pois, agora, e entrega-te a Deus, tu que Lhe
suplicaste o auxílio e a complacência.
Quando silenciou, aqueles que haviam ouvido as recomendações especiais e que
foram convocados ao recomeço apresentavam diferentes emoções, que se lhes
estampavam nos rostos emocionados.
Relutante e enfraquecido, o antigo marquês transformara-se, tornando-se,
repentinamente fragilizado e temeroso. Todos os conflitos que lhe dormiam no
íntimo especaram na face e apresentavam-se em forma de pavor e angústia,
evocando, sem dúvida, as atrocidades cometidas em ambas as esferas da Vida, e
que deveria agora começar a enfrentar sem disfarces nem cinismo. Sucede que a
verdade sempre surpreende aquele que a escamoteia, e apresenta-se na nudez
que lhe é peculiar, exigindo a consideração devida e a atenção antes
negligenciada.
Nesse momento, o irmão Anacleto, responsável pela atividade, agradeceu ao
venerando Espírito Marie-Eléonore e aos seus assessores, que se mantiveram em
atitude de elevado respeito durante as providências estabelecidas pela visitante
iluminada.
Antes de retirar-se, o elevado Espírito acercou-se novamente do filho e o envolveu
em cariciosas vibrações de paz, reafirmando os propósitos de indestrutível união e
apelando para que fosse dócil às vozes conselheirescas dos amigos devotados.
Prometeu fazer-se presente sempre que fosse necessário, e após agradecer aos
abnegados trabalhadores do cometimento, despediu-se, retirando-se com os seus
dois assessores.
Respirava-se um clima psíquico saturado de blandiciosas vibrações, que nos
penetravam, falando-nos, sem palavras, sobre a misericórdia do amor e a
gravidade dos compromissos morais perante a Vida.
18
OS LABORES PROSSEGUEM
Encontrava-me profundamente sensibilizado ante a sabedoria da Espiritualidade,
graças às providências tomadas para a solução de um problema tão grave.
Daquela vez, o encontro com a Verdade dera-se de maneira totalmente
imprevisível, sem discussões violentas nem processos vigorosos de debates, ou
sequer utilizando-se de recursos mediúnicos pelo transe, no qual servidores
reencarnados ofereciam a instrumentalidade orgânica, a fim de diminuírem o
umpacto das construções psíquicas deletérias, que necessitam sempre de serem
atenuadas.
A presença da veneranda Entidade, que trouxe a programação futura já
elaborada, bastou para modificar a situação dominante. Os seus argumentos,
vazados nas expressões do amor, que alcançava dimensão grandiosa, graças ao
seu renascimento carnal para atender o filho extraviado e uma das suas vítimas
mais infelizes, produziu um efeito surpreendente no alucinado enfermo espiritual.
Madame X, que se renovava em razão do despertamento para uma nova
realidade, seria a responsável pelo reduto de misericórdia onde seriam recolhidas
as vítimas das tempestades morais que se deixaram arrastar pelos ventos da
loucura, às quais não se permitiram resistir.
O incoercível poder do amor desmantelava o castelo de perdição erguido há mais
de duzentos anos pelo transbordar das paixões primitivas que retinham o antigo
marquês e algumas da suas vítimas.
Percebendo-me as reflexões e conhecendo o meu interesse no destrinçar dos
mecanismos obsessivos e auto-obsessivos, o irmão Anacleto acercou-se-me e
elucidou-me com critério e prudência:
- Miranda - referiu-se em tom fraternal, não obstante a sua ascendência espiritual -
estamos sempre diante da própria consciência, que registra todos os
pensamentos e ações de que somos objeto, responsável pelas nossas
construções morais e espirituais. Durante muito tempo pode permanecer
adormecida e os seus conteúdos parecem bloqueados pela conduta extravagante
ou pela inspiração perturbadora que desvia os indivíduos da trajetória que devem
seguir. No entanto, basta um toque de amor, e todo um mecanismo semelhante às
sinapses neuroniais desencadeia sucessivas reações que trazem à tona tudo
quanto se encontra aparentemente morto ou desconhecido. Esses impulsos
liberam fixações e atitudes transatas, que ora volvem a exigir conduta reparadora,
quando são negativos ou estímulos novos para a ampliação do quadro de valores,
quando positivos. Por essa razão, ninguém foge de si mesmo. Deus habita a
consciência do ser humano e Suas Leis aí estão exaradas com todas as
exigências de que se fazem portadoras.
Detendo-se em reflexão, prosseguiu:
- O drama do marquês de Sade é o mesmo da maioria das criaturas, que se
distraem no mundo e preferem as experiências embriagadoras à responsabilidade
na vivência do culto dos deveres e realizações morais. A viagem carnal longe está
de ser um mergulho sem sentido na ilusão da matéria. Tem finalidades definidas,
tais como a necessidade de evolução, de desenvolvimento dos valores internos
que dormem no imo de cada criatura, manifestação de Deus que é,
movimentando-se em área correspondente ao estágio de evolução na qual se
encontra. Mantendo contato com o mundo de onde procede, através das mil
formas de comunicações espirituais e de todo um arquipélago de fatos que
despertam para reflexões e compromissos dignificadores, guarda as heranças que
lhe são peculiares. Ninguém, portanto, que se possa justificar ignorância em
relação aos deveres de evolução porque não esteja informado da realidade
espiritual. A opção de tornar a vida melhor ou mais agradável depende de cada
qual e daquilo que considera mais favorável ao seu elenco de prazeres assim
como em relação aos compromissos a que se junge desde antes...
"Na relatividade de todas as coisas, somente o Bem é eterno, porque procede de
Deus, sendo todas as outras propostas terrenas transitórias e sujeitas aos
Soberanos Códigos, que estabelecem o seu período de vigência, de durabilidade.
Desse modo, todos avançamos para a Grande Luz, demo-nos ou não conta da
ocorrência. E quando a teimosia humana atinge níveis absurdos, a Divindade
interfere para a felicidade do próprio Espírito, em razão de haver perdido o contato
com a sua realidade interior.
"Estamos, pois, diante de Leis inalteráveis, que funcionam com absoluta precisão
e não podem ser derrogadas. Desconsideradas, permanecem nos seus
mecanismos automáticos até alcançarem aqueles que as rejeitaram e são atraídos
à retificação. Tudo é perfeito na Divina Criação."
Não pairava qualquer dúvida quanto à legitimidade das informações que o
Benfeitor me transmitia.
Observando a maneira como o marquês de Sade havia chegado, sua soberba e
aparente poder, e vendo-o, agora, quase vencido, constatava que a lição de amor
e humildade da genitora atingira-o de cheio, despertando-o para a renovação que
se fazia tardar.
Percebendo-me a silenciosa reflexão, o Mentor gentil aduziu:
- Sabíamos da excelência dos valores da genitora do marquês e, consultando-a,
antes de quaisquer providências que o envolvessem, fomos informados de que
também ela programava a liberação do estúrdio, planejando-lhe a futura
reencarnação, quando o teria nos braços, iniciando nova etapa do processo
iluminativo. Em razão dos fatores do desequilíbrio que o infelicitava, tomara
providências para que o palco da reencarnação fosse em área de grandes
sofrimentos distante dos centros citadinos, onde se reunissem Espíritos
expurgando gravames do passado. A sua seria uma existência breve, de forma
que a orfandade e as asperezas do caminho constituíssem-lhe o processo de
libertação, considerando-se os limites orgânicos e as deficiências mentais que o
aprisionariam no vaso carnal.
"Não poderia haver providência mais sensata e oportuna, que correspondia
perfeitamente aos nossos anseios, tendo em vista a necessidade da renovação
espiritual do padre Mauro, envolvido também com a sórdida conduta do seu
modelo infeliz. Assim, concertamos a atividade desta noite, reunindo os mais
envolvidos na trama dos destinos, ao mesmo tempo desenhando programas de
benefícios inadiáveis para outros que tombaram na urdidura do Mal e
permanecem nas regiões sombrias e tormentosas da cidade perversa. Tudo
acontece sempre para melhor atender aos desígnios superiores."
Enquanto o Benfeitor Dr. Bezerra de Menezes esclarecia o marquês, madre Clara
de Jesus confortava Rosa Keller, que parecia estupefacta ante o desenrolar das
ocorrências para as quais não se houvera preparado. Exultava ante a
possibilidade de ser feliz e temia a convivência com o adversário da sua paz.
A Mentora esclarecia-a que a reencarnação é bênção de Deus, que amortece as
lembranças do passado e abre espaço para novos relacionamentos e para a
verdadeira fraternidade, por contribuir com recursos valiosos para o entendimento,
a interdependência entre os indivíduos, assinalando-os com a necessidade do
auxílio recíproco, no qual surgem novas afinidades e desenvolvem-se sentimentos
de amizade e de compaixão.
- E porque - aduziu a Mentora - o processo apenas começa, haverá muito tempo
para adaptar a mente e modificar conceitos em torno dos relacionamentos que
Deus concederá em relação ao futuro.
"Quando o perdão é muito difícil de ser concedido a compaixão desempenha
papel de importância, porque todos necessitamos desse sentimento, já que,
defraudando as Leis de Deus, todos tombamos nos mesmos deslizes e somos
credores dessa misericórdia, que é o primeiro passo para que se manifestem as
bênçãos do amor. O ódio, que nasce do ressentimento e da necessidade de
vingança, herança vigorosa do barbarismo que ainda predomina em a natureza
humana, nutre-se dos seus próprios fluidos e termina por consumir aquele que o
vitaliza. Quando recebe os impulsos da compaixão diluem-se as teceduras de que
se constitui, alterando a vibração morbígena e, por fim, cedendo espaço à
comiseração, à ternura, à fraternidade. Tudo porém deve começar do ponto inicial,
que é o desejo de mudança, a necessidade de renovação.
"Desse modo, filha, compadece-te de ti mesma e tenta compreender a
enfermidade ultriz que assinalou toda a existência desditosa do teu algoz,
concedendo-lhe a oportunidade de alcançar a saúde, tanto quanto a necessitas tu
mesma."
As palavras, ungidas de bondade, encontraram ressonância no imo do Espírito
revoltado, que se foi acalmando lentamente, à medida que recebia o influxo de
energias restauradoras do equilíbrio a que não estava acostumado.
Logo depois, ainda embalada pela voz da Mensageira do Amor, demonstrou
imenso cansaço, alterando o ritmo respiratório. Nesse comenos, madre Clara de
Jesus induziu-a ao repouso, informando-a:
- Dorme, filha, saindo lentamente das sombras densas do passado, ante o
amanhecer de um novo e luminoso dia que te espera. Esquece toda dor e toda
treva, que representam o teu ontem, para pensares somente no teu amanhã
radioso, que logo mais alcançarás. Despertarás em outra Casa de reeducação,
onde te prepararás, a pouco e pouco, para a dadivosa oportunidade do
renascimento carnal. Agora, entrega-te a Jesus e deixa-te por Ele conduzir
docilmente como criança confiante que O aguarda, feliz.
A enferma espiritual entrou em sono tranqüilo, sendo removida do recinto, ante o
olhar esgazeado e surpreso do marquês de Sade.
Compreendendo os conflitos que o assaltavam, o bondoso Dr. Bezerra de
Menezes, explicou-lhe:
- Como você não ignora, toda treva densa é apenas resultado da luz ausente que,
em chegando, altera por completo a paisagem de horror concedendo-lhe beleza e
claridade. O ontem são as sombras pesadas da embriaguez dos sentidos e da
loucura que trazias desde priscas eras, que estouraram em violência vulcânica
naqueles dias, gerando maior soma de sofrimentos para o futuro. Em decorrência
dos vícios e das fixações tóxicas, a morte não libera aqueles que se devotam às
baixas vibrações, antes os encaminham para regiões equivalentes onde dão curso
aos seus apetites insaciáveis e mórbidos. No entanto, o banquete da ilusão, qual
aconteceu a Baltasar, o rei da Babilônia, tem os seus dias contados e logo se
consome em labaredas de aflição e de desgraça que, por outro lado, são o
começo de novas experiências para a felicidade. Não foi por outra razão que o
Apóstolo Paulo referiu-se que o aguilhão da morte é o pecado, isto é, ninguém
foge desse pontiagudo instrumento que fere a alma e leva ao olvido, ao sono
demorado pela morte... Vige, porém, em toda parte, a sabedoria do Amor, que
sempre alcança os Espíritos, mesmo aqueles que se comprazem no desrespeito
total à Vida, que desejam consumir. Iludidos e anestesiados pela própria prosápia,
tombam, por fim, nas armadilhas que deixam pelo caminho, sendo conduzidos
para a porta estreita do sofrimento, despertando no corpo imobilizado no qual, por
muitos anos, experimentam silenciosas aflições e meditam longamente sobre o
próprio destino e a realidade que se evitaram.
- Como então renascerei? - interrogou, aflito, o enfermo espiritual.
- Com as vestes carnais assinaladas pelos distúrbios longamente vivenciados. A
idiotia, a paralisia, a deformidade da face serão os recursos prodigalizados pela
Misericórdia Divina para o ocultarem dos inimigos que o não deixariam viver no
corpo Disfarçado, será mais fácil para o êxito do grave empreendimento,
dificultando que os cobradores alcancem-no com as suas tenazes de vingança.
Isso porém, não impedirá que tormentos obsessivos naturais, produzidos por
algumas das suas atuais vítimas alcancem-no mediante processo automático de
sintonia vibratória. Outrossim, algumas lembranças dos longos anos na cidade
perversa, na área sob sua governança, ressumarão do inconsciente profundo
gerando aflições de alta gravidade, que serão atenuadas porém pela presença da
mãe abnegada, que estará velando por você e amparando-o em todo o transe.
Simultaneamente, vinculada pelo ódio, que se converterá em amor, Rosa Keller
renascerá sua gêmea, a fim de apresentar características genéticas equivalentes,
assim recompondo-se e iniciando nova etapa em luz para a própria felicidade.
- E os companheiros que se encontram sob minha sujeição e vieram comigo a
este encontro, que lhes sucederá?
- Um expressivo número deles - esclareceu o Benfeitor - tocado pelo momento
feliz, optará pela liberdade que anela e não tem podido fruí-la por motivos óbvios.
Assim, não se preocupe com os irmãos de agonia, que se lhe submetiam ou que o
acompanhavam igualmente anestesiados pela morbidez. Ninguém se encontra
esquecido nos Soberanos Códigos, onde estão inscritas todas as vidas.
"Neste momento, volva à infância, recorde-se da figura de Jesus, que você
execrou nos seus espetáculos de hediondez sexual, nas práticas obscenas que se
permitiu e que dramatizou para outros desestruturados mentais e espirituais.
Considere com serenidade a grandeza desse Homem que se deu em favor de
todas as vidas, mesmo as daqueles que O escarneceram e O estigmatizam com o
seu ódio injustificável, por não poderem compreendê-lo e menos amá-lo. Entre os
distúrbios de comportamento, é conhecido o fenômeno de transferência de
conflitos de uma para outra pessoa. Quando não se pode alcançar outrem, ser-lhe
equivalente, o inconsciente transforma a aspiração não conseguida em violenta ira
que é descarregada naquele que se encontra em posição superior, inatingível no
momento pelo seu invejoso admirador... Assim, na sua alucinação e perversidade,
o caro amigo, desdenhava do Homem de Nazaré pela sua superioridade moral e
pelo estágio que alcançou, provocando-lhe rude e violenta inveja, acompanhada
de desdém e desprezo. Pense nEle agora de outra maneira. Altere o
direcionamento mental e considere-O no Seu verdadeiro significado, na grandeza
que O caracteriza."
O marquês apresentava-se aturdido e expressava na face ainda deformada a
diversidade de sentimentos que o afligiam, sem definição emocional que o
ajudasse a assumir uma atitude de equilíbrio. Os longos anos de perversa
distância dos valores éticos, da dignidade humana, do respeito pela vida e por
todos os seus elementos constitutivos, dele fizeram um odiento e singular
espécime, que somente vivia em função das baixas sensações a que se entregara
desde há muito. Não era, portanto, fácil, a mudança de conduta mental e de
aceitação emocional. Esse Jesus, que lhe era apresentado, diferente do anterior,
que detestara e de Quem zombara, em razão dos absurdos religiosos que vigiam
no seu tempo, chamava-lhe a atenção de maneira diferente que, no entanto, não
saberia como definir. Seria necessário muito tempo para que a conjuntura mental
se alterasse e uma visão nova do Excelente Filho de Deus se lhe assenhoreasse
da mente e da emoção.
Nesse báratro de conflitos e de incertezas, sentindo-se exaurido, talvez pela
primeira vez, o marquês explicitou:
- Gostaria de dormir, de repousar um pouco, de sair deste pandemônio de
conflitos e de desordens mentais que me consomem sem me destruir.
Dr. Bezerra de Menezes, tomado de grande compaixão, respondeu-lhe com
suavidade:
- Dormirá, sim, porque o Pai ama todos os Seus filhos, não desamparando a
nenhum, especialmente quando estava perdido e agora retorna à Casa. Silencie a
mente e evite pensar em qualquer coisa. Durma e esqueça tudo, por momentos, a
fim de despertar em outra situação e circunstância, para enfrentar a madrugada de
luz que o cegará por pouco, de forma a poder contemplar o sol da Nova Era do
futuro, que se desenha desde agora.
Distendendo as mãos abençoadas pelo trabalho intérmino de amor, aplicou
vigorosas energias nos chakra coronário e cerebral, proporcionando ao paciente
infeliz o sono restaurador. Alguns segundos transcorridos e ele dormia com
alguma alteração, agitando-se, de quando em quando, em razão das imagens
mentais arquivadas, ora sob psicoterapia refazente.
Madame X, que acompanhava as diversas fases da incomum experiência
espiritual, chorava discretamente, quando o irmão Anacleto e dona Martina se lhe
acercaram, cabendo ao Mentor esclarecê-la:
- A partir deste momento, os vestígios vigorosos da conduta perniciosa de
Madame X apagar-se-ão na memória, a fim de que as experiências iluminativas do
futuro possam conduzi-lo com segurança para o objetivo libertador. Por
conseqüência, serão tomadas providências para acalmar a sua mente, diminuindo
a intensidade do vício longamente cultivado, de forma que nos cometimentos do
futuro, a piedade e a ternura, a misericórdia ante os sofrimentos infantis, ajudemno
na depuração moral a que se deverá entregar, superando o homem velho e
dando vigor ao homem novo, que agora nasce sob a inspiração de Jesus.
"Compreensivelmente, após todos os choques morais vivenciados durante esta
semana, o seu organismo se ressentirá e um abatimento profundo, assinalado por
vários distúrbios psicológicos, tomará conta das suas energias, ameaçando-lhe
seriamente a saúde. Nada obstante, estamos tomando providências, a fim de que
possa superar o desgaste e os transtornos psicológicos que advirão, em clínica
especializada, que o senhor Bispo está providenciando, após o que, transferido de
cidade para uma região carente e menos populosa, você recomece a existência e
se transforme em benfeitor da comunidade. Os seus exemplos constituirão uma
bênção para os pobres e desafortunados, que verão, no seu testemunho de jovem
voltado para o Bem, uma emulação para a vivência da caridade e do amor,
seguindo Jesus na Sua condição de modelo e guia da Humanidade."
Dona Martina abraçou o filho querido, que lentamente retomou a forma
perispiritual de Mauro, sem poder dominar as lágrimas, e ele pôs-se a justificar:
- Não agia mal por livre opção, porém dominado por força quase demoníaca, que
me induzia às práticas infelizes que me atormentavam mais do que me facultavam
prazer. Sempre retornava da vivência da aberração amargurado e arrependido,
vencido nas minhas forças, como se exaurido por algo que me absorvia todas as
energias. Como será agora a minha conduta? Terei forças para prosseguir? E
esse demônio, que me suga e devora, voltará a vencer-me?
A gentil senhora desencarnada, sem ocultar a alegria ante a renovação do filho,
abraçou-o ternamente, como o fez durante a sua infância, e esclareceu-o, serena:
- Não temas filho do coração! O amor de Nosso Pai convida-nos agora a novas
providências, a experiências libertadoras. O passado é bênção que nos impulsiona
para o futuro, desde que saibamos aproveitar as suas lições e interpretar o
aprendizado que dele fruímos, estabelecendo metas que nos cumpre alcançar. O
Pai Diligente traçou roteiros para nós, meu filho, que seguidos, nos ensejarão a
plenitude.
Quando recuperado, iremos buscar teu pai, que levaremos para o lar que erguerás
em favor das criancinhas esquecidas do mundo e lembradas por Deus, a fim de
que também ele seja beneficiado. Nesse programa de redenção, receberás
também Jean-Michel, a quem deves altas somas de amor e de compreensão,
incapaz, neste momento, de entender o labor em curso. Como somos viajantes do
tempo, o que se encontra estabelecido irá sucedendo sem pressa nem tumulto, e
cada qual que se encontra incurso no processo irá chegando até que os
delineamentos de hoje se tornem realidade futura. No mais, entrega-te a Jesus,
nEle confia e espera, sofrendo com paciência e renovando-te sem cessar. Jamais
nos separaremos durante este cometimento de libertação de todos nós, os
comprometidos com a Vida. Agora, filho, dorme e sonha com o dia radioso que
logo mais amanhecerá. A vitória pertence a todo aquele que porfia e não pára a
coletar glórias enquanto não termina a luta. Ergue-te, portanto, acima das
vicissitudes, enfrenta os trâmites necessários ao reajuste e canta comigo a glória
do Senhor que nos ama e labora conosco.
Quando a Entidade generosa terminou, tinha lágrimas que perolavam
transparentes, descendo pelas faces. Nós outros, igualmente comovidos,
acompanhávamos a cena de amor maternal embevecidos e sensibilizados. Duas
mães e diversos destinos ali estiveram presentes, construindo o futuro dos filhos
tresloucados e arrependidos, que anelavam por nova oportunidade de crescimento
na direção de Deus e da Vida.
Pude então refletir que, enquanto houver mães no mundo, o amor de Nosso Pai
estará refletido nos seus atos de extrema abnegação e renúncia.
Víramos uma delas renunciar ao esplendor de Regiões felizes para descer ao vale
de amargura, a fim de oferecer braços protetores ao filho revel, sem pensar na
própria felicidade, de que já desfruta. Enquanto a outra assumia o compromisso
de permanecer no vale sombrio ao lado do filho dependente renunciando ao
monte de sublimação. Para elas, a felicidade era a liberação dos seus anjos
crucificados na agonia proporcionada pela loucura da própria insensatez.
Enquanto não os conduzisse à glória solar, não se permitiriam a ascensão
plenificadora.
19
LIBERDADE E VIDA
A medida que os convidados foram conduzidos a regiões próprias em nossa
Esfera de ação, e Mauro foi levado por dona Martina de retorno ao corpo, que se
encontrava em repouso, o irmão Anacleto, Dr. Bezerra de Menezes, madre Clara
de Jesus, nós outros, Dilermando e o médium Ricardo, dirigimo-nos ao amplo
salão que albergava a comitiva do marquês. Embora se encontrassem em relativo
silêncio, sentia-se a ansiedade que reinava no ambiente. Alguns expositores
espirituais tentaram manter o clima psíquico apresentando dissertações do
Evangelho, que não eram levadas na devida consideração, o que gerara certo
mal-estar entre todos.
Alguns deles, com aparência bizarra, movimentavam-se inquietos, aguardando
qualquer ocorrência, como se estivessem preparados para alguma reação, que
pensavam seria necessária.
Do lado de fora, onde ficaram algumas centenas que não tiveram acesso à
Instituição, face ao estado de zoantropia e de excentricidades vulgares em que se
travestiram, a algazarra e o deboche se misturavam, enquanto canções de baixo
conteúdo moral eram exaltadas entre gritos e blasfêmias.
A sala encontrava-se iluminada e, à sua volta, internamente, diversos Espíritos
que mourejavam na Instituição encontravam-se a postos em atitude de bondade,
mas também expressando energia e vigor, a fim de que nenhuma desordem
assinalasse a atividade em andamento.
Na parte do fundo do salão havia um balcão, que funcionava corno mesa diretora,
em torno da qual sentamo-nos e, ante a aquiescência de madre Clara de Jesus, o
irmão Anacleto dirigiu-se à turbamulta, explicando que o marquês de Sade
encontrava-se umpossibilitado de comparecer àquele ato, mas que tivessem um
pouco de paciência, a fim de que fossem finalizadas as atividades espirituais em
desenvolvimento.
A seguir, o médium Ricardo, visivelmente inspirado, assomou à tribuna, e com voz
bem modulada começou a falar:
- Irmãos do sofrimento!
Que Jesus permaneça conosco neste e em todos os momentos das nossas vidas!
Falo-vos sob inspiração da Verdade, aqui representada pelos Mensageiros do
Mundo Maior, embora ainda encarcerado no corpo físico, a fim de que possais
aquilatar o valor desta oportunidade, no direcionamento adequado das vossas
vidas em relação ao futuro.
Somos Espíritos eternos, que a morte não consome nem os disparates aniquilam.
Iniciada a nossa jornada de evolução, não há mais como recuar ou parar
indefinidamente no processo de libertação das paixões escravocratas e das
sensações animalizantes a que nos aferramos.
Somos herdeiros da insânia que nos permitimos, mas também dos sacrifícios e
esforços de iluminação que conseguimos.
Passo a passo seguimos o caminho do autoconhecimento, nem sempre como
deveríamos, através de uma decisão irreversível. Muitas vezes estacionamos nas
províncias da loucura pelo prazer insaciável, quando nos cumpriria avançar no
rumo das emoções sublimantes.
Ocorre que a predominância dos instintos primários em nós ainda é muito forte, e
a eles nos submetemos sem forças para romper as amarras que nos retêm na
retaguarda do caminho por onde deveremos avançar.
Não somos anjos ainda, tampouco demônios sem a presença do amor de Deus.
Damos prosseguimento, no Além-Túmulo, às experiências que elegemos durante
o transcurso carnal. Cada qual desperta além da morte com a bagagem
armazenada antes da desencarnação. Por isso mesmo, morrer ou desencarnar, é
transferir-se de estágio vibratório, permanecendo nas paisagens infinitas da Vida.
Não é, pois, de estranhar, que tenhamos aspirações e fruamos de emoções bem
diferentes, que são resultados das nossas seleções desde a experiência carnal,
cujo ciclo, que se estende do berço ao túmulo, encerramos, de forma a nos
permitirmos novo tentame, avançando sempre no rumo da Grande Libertação.
Até agora, ainda não vos destes conta exatamente da ocorrência da vossa
imortalidade, dando curso às paixões a que vos ativestes antes, sem permitir-vos
meditar em torno do futuro, do que vos aguarda e da necessidade de alterar o
comportamento, que não mais pode continuar conforme vem sucedendo.
Herdeiros de Deus, porque Seus filhos amados, trazemo-no na intimidade dos
sentimentos e na inteireza da consciência que, embora anestesiada no momento,
apresenta os primeiros sinais de despertamento, gerando tédio e cansaço, malestar
e saturação em todos os cometimentos a que vos aferrais. O gozo
exorbitante, a loucura do sexo em total desalinho, o prosseguimento das
aberrações e fanfarronices não mais atendem às exigências do ser profundo que
sois, apresentando-se como uma sensação grosseira que resulta do
encharcamento dos tecidos sutis dos vossos perispíritos impregnados de fluidos
tóxicos gerados pelas vossas mentes e predominantes na região em que
estagiais.
O médium silenciou por brevíssimos segundos, relanceando o olhar pelo salão
repleto, a fim de medir a receptividade dos conceitos emitidos.
Um leve rumor agitou a massa, na qual alguns membros mais alucinados reagiam
a meio tom de voz, enquanto outros, de olhar esgazeado e de aspecto
dementado, despertavam lentamente, beneficiados pelas vibrações ambiente e
pela musicalidade da palavra esclarecedora.
Sem dar margem a prolongada pausa, que poderia quebrar o ritmo da proposta de
libertação, prosseguiu:
- Desfrutais, neste momento, de imerecida concessão divina, nesta Casa, que vos
faculta reflexionar fora do ambiente asfixiante em que vos detendes, em torno da
excelência da liberdade e da auto-superação, a fim de poderdes eleger nova
conduta e segui-la com os olhos postos nos horizontes iluminados que vos
aguardam.
Chega de angústias afogadas no licor de suor e sangue das vossas aflições.
As saudades dos seres queridos, ora distantes, que vos dilaceram, falam-vos da
possibilidade dos reencontros ditosos de que podereis fruir, assim desejeis alterar
o comportamento e mudar de situação emocional.
Sois escravos, não de Espíritos perversos que vos exploram, mas das vossas
próprias paixões, do primarismo que vos jugula às reminiscências do corpo físico,
ora inexistente.
As sensações que experimentais e disputais sem cessar, não existem mais, nem
podem repetir-se, sendo apenas impregnação conservada pelo corpo perispiritual,
e que vossas mentes insistem em preservar.
O vosso líder, o marquês de Sade, que vos trouxe a este recinto de felicidade,
cansado dos excessos que se tem permitido, optou pela renovação e já não
retornará convosco, com aqueles que desejarem volver aos sítios pestíferos de
onde procedeis.
Ninguém poderá obrigar-vos ao retorno às cavernas de padecimento e de
escravidão onde vivíeis. Aqui é a Casa de bênçãos, que se vos distendem
acolhedoras e ricas de renovação. Podeis respirar novo clima, acalentar novas
esperanças, anelar por paz e trabalhar pela conquista dos valores morais e
espirituais que abandonastes, quando tomados pela insensatez e pelo desvario,
ao vos entregardes à exorbitância do prazer.
Aqueles que se atribuíam comando sobre vós, e que aqui também se encontram,
desfrutam do mesmo direito de escolha, que vos é concedido.
E porque igualmente se apresentam saturados do despautério, certamente
elegerão a paz ao conflito, a alegria à alucinação, o repouso à guerra contínua
contra si mesmos, em que se demoram.
Ninguém consegue deter o amanhecer. Da mesma forma, ninguém possui poder
para evitar o despertar da consciência e a autoconquista.
Estamos todos fadados à plenitude, que nos é oferecida pelo Genitor Divino,
dependendo somente da escolha que cada qual faça em seu próprio favor.
Não vos será imposta qualquer decisão, porque, embora nem todos tenhais
capacidade de discernimento, e grande número se encontre sob doentia indução
hipnótica, a minha voz penetra-vos e convoca-vos para novo comportamento.
Não temais decidir pela autolibertação, pela fraternidade, pelo amor, pela
iluminação interior.
Quase todos nós perlustramos esses caminhos por onde vos movimentais no
momento.
Tivemos nosso período de treva e de ignorância, nossa fase de alucinação e
primitivismo, havendo sido libertados pelo amor inefável de Jesus através dos
Seus abnegados mensageiros, qual ocorre agora em relação a vós outros.
Analisai o que sentis neste momento e relacionai-o com o que vindes
experimentando na cidade perversa, onde habitais.
Observai as emoções que vos tomam, os sentimentos que volvem a acionar a
vossa capacidade de compreender e de discernir o certo do errado, o bom do
mau, e logo vereis que estais em um santuário que se vos abre inteiramente,
facultando-nos acolhimento e oportunidade de renovação.
Não tergiverseis, nem postergueis este momento.
O ponteiro do relógio sempre volve ao mesmo lugar, porém em outra dimensão de
tempo, noutra circunstância, jamais nas mesmas. As águas do rio, que passam
sob pontes, retornarão um dia em forma de chuva generosa, nunca mais, no
entanto, em condições equivalentes.
Este é o vosso momento. Soa a vossa hora. Jesus vos chama.
Recordai-o, braços distendidos em direção à atormentada multidão, convocandoa:
- Vinde a mim, todos vós, que estais cansados e aflitos, e eu vos consolarei.
Tomai sobre vós o meu fardo, recebei o meu jugo e aprendei comigo, que sou
manso e humilde de coração. Leve é o meu fardo, suave é o meu jugo. Vinde a
mim...
O Seu convite vem reboando através de dois mil anos, alcança a acústica de
nossa alma e fica em silêncio, porque temos preferido ouvir a balbúrdia, atender
aos apelos do vozerio tresvariado da inferioridade.
Com Jesus, altera-se a visão em torno da vida e do ser existencial.
Aceitá-lo, significa tomar a cruz do dever, que é o seu fardo leve; entregar-se-lhe
em regime de totalidade e submeter-se-lhe ao comando, representam estar sob o
Seu jugo suave e transformar a vida, tornando-a doce, amena e nobre.
Decidi, sem relutância. Ouvi a música das Esferas Elevadas, que é bem diferente
daquela a que vos acostumastes. Pensai em Deus, pelo menos por um pouco.
Recordai dos vossos amores que ficaram na Terra ou vos precederam no rumo da
Imortalidade.
Este é o momento. Deixai-vos arrastar pelas vibrações de amor que vos passam a
envolver.
Ficai em paz e elegei a luz ou a treva, a felicidade ou o prolongado cativeiro.
Jesus aguarda. Louvemo-lo e sigamo-lo!
Novamente silenciando, o orador, irradiando suave claridade que se lhe
exteriorizava do Espírito, profundamente concentrado, deu margem a que se
ouvisse uma melodia de incomparável beleza, que em maviosa voz, convidavanos
a todos, a seguir Jesus e libertar-nos das paixões selvagens. •
Flocos luminosos muito delicados desciam de ignotas regiões e suave perfume
invadiu o recinto, produzindo empatia desconhecida e emoção sublime em todos
aqueles que ali nos encontrávamos.
A pouco e pouco, da emoção silenciosa surgiram o pranto e a exteriorização do
imenso sofrimento em que estorcegavam aqueles irmãos, suplicando amparo e
oportunidade de refazimento.
Entidades generosas, que aguardavam a ocorrência, acercaram-se daqueles que
estavam a ponto de tombar na agitação e no desespero, acalmando-os, aplicandolhes
energias restauradoras e emulando-os à fé, à coragem.
Alguns, mais rebeldes, levantaram-se de inopino, e saíram atropeladamente,
tentando produzir balbúrdia, no que foram impedidos discretamente pelos
vigilantes e operosos trabalhadores da Instituição.
A música prosseguia, enquanto a misericórdia de Deus atendia aqueles que se
rendiam à luz, dulcificando-os e interrompendo o longo império de desespero a
que se houveram entregado, despertando-os para novos cometimentos e
experiências de recuperação do tempo gasto na flagelação e na desdita por livre
opção.
Foi, então, que o caroável Dr. Bezerra de Menezes, erguendo-se, falou, tomado
de grande compaixão pelos atormentados, que retornavam ao redil do Sublime
Pastor:
- Sede bem-vindos, irmãos queridos, à senda de renovação.
O vosso cansaço será atenuado, a vossa sede de paz receberá a linfa do
reconforto, a vossa fome de amor encontrará o pão da vida, que vos nutrirá para
sempre.
Não aguardeis, porém, colheita de flores nos terrenos onde semeastes espinhos e
urze pontiagudos; não creiais em recompensas à ociosidade assim como ao
vitupério, ao abuso das funções psíquicas, que se reconstruirão lentamente a
vosso contributo pessoal. Não encontrareis escadaria de acesso rápido ao
paraíso, nem catapulta de improviso para o reino dos Céus.
O trabalho é guia de segurança e força de elevação para todos nós.
O labor iluminativo é obra de cada um, que o realizará a esforço e a sacrifício
pessoal.
Toda ascensão exige denodo, e ninguém alcança o acume da montanha sem
atravessar as baixadas de onde procede.
Iniciareis novas experiências de auto-iluminação, percorrendo as mesmas
estradas, porém com outras disposições interiores e a decisão de ser feliz.
Envolvidos pelas vibrações que procedem do Amor, inundai-vos de luz e
embriagai-vos de novas alegrias.
Começa novo Dia para quantos desejem a claridade do Bem no coração e se
resolvam pela purificação mediante o mergulho no corpo físico, sem as
constrições das falsas necessidades a que vos acostumastes. A carne ser-vos-á
refúgio ameno, escola de aprendizagem e reeducação, hospital de recuperação de
forças, oficina de trabalho... Transitareis alguns, solitários e não amados, outros
sob injunções penosas que os atos arbitrários impuseram ao longo do tempo,
outros mais experimentando desejos inconfessáveis que o organismo não poderá
atender, mediante processo psicoterapêutico, por fim a cada um será proposto um
programa de recuperação conforme suas obras... Todos porém, filhos do Amor,
encontrareis oportunidade para o autocrescimento e a felicidade.
Que o Divino Mestre nos abençoe a todos, no esforço de elevação!
Quando silenciou, permaneciam as vibrações de paz e de alegria que saturavam o
ambiente, enriquecido de suave luz procedente de Esfera Mais Alta, ao tempo em
que diligentes servidores adrede convidados, puseram-se a atender aqueles que
optaram pela renovação, conduzindo-os com ternura fraternal a diferentes setores
da Instituição, de onde rumariam para os Núcleos preparatórios de reencarnações
purificadoras.
Não havia saído do quase êxtase, quando o médium Ricardo se me acercou,
jubiloso, irradiante de felicidade, demonstrando a alegria pela realização do
serviço recém-concluído.
Utilizei-me do ensejo, e indaguei, com certa curiosidade:
- Houve alguma razão especial para que fosses o escolhido para as informações
aos desencarnados, em vez das próprias Entidades espirituais?
Demonstrando sua natural modéstia, Ricardo esclareceu:
- Conforme pensam os Benfeitores Espirituais, o fato de encontrar-me
reencarnado com relativa facilidade nos desdobramentos lúcidos durante o
período do sono físico, faz que apresente algumas condições necessárias para
levar a programação libertadora, como ocorreu aos irmãos enlouquecidos,
permitindo que melhor assimilem a proposta, tendo em vista os implementos
orgânicos de que me revisto, mediante os quais facilita-se-lhes a sintonia. A
exteriorização do fluido animal, que decorre do estado de reencarnado, permitenos
maior identificação de sentimentos, em razão de eles ainda estarem sob fortes
pressões dos liames materiais. Ademais, esse formoso labor, quando exitoso, qual
acaba de acontecer, converte-se em bênção para mim mesmo, face ao ensejo de
facultar-me prosseguir no trabalho mediúnico. Sem qualquer dúvida, embora me
encontrasse lúcido durante a dissertação, as informações expostas foram-me
transmitidas através de telementalização pelo nosso sábio Mentor Dr. Bezerra de
Menezes.
"Sintonizando o pensamento na faixa da caridade e entregando-me à sua
inspiração, sinto-me induzido a falar e a agir conforme ele próprio o faria, em
razão da facilidade de captação das idéias e dos sentimentos, nessa
circunstância, porém, sem os impedimentos naturais da organização cerebral.
"Neste abençoado universo de energias, que se exteriorizam em ondas, vibrações,
idéias e pensamentos, estamos sempre em intercâmbio psíquico, conscientes ou
não dessa realidade, constituindo-nos verdadeira felicidade o conhecimento que
nos é oferecido pelo Espiritismo em torno das possibilidades inimagináveis de que
desfruta a alma integrada na realidade cósmica."
- Esta é sua primeira experiência específica - voltei a inquirir - ou se lhe apresenta
habitual este formoso fenômeno?
- No que diz respeito ao atendimento a desencarnados vítimas de obsessões do
sexo - respondeu, gentilmente - foi a minha primeira intermediação. Entretanto,
tenho participado com relativa freqüência de incursões a regiões de amargura e de
sofrimento, onde tenho funcionado como médium psicofônico, tanto dos Mentores
como dos mais aflitos, que não conseguem comunicar-se diretamente, tal o estado
de intoxicação fluídica em que se encontram encharcados. Face ao aturdimento e
à fixação nos despojos materiais, não se dão conta da realidade espiritual em que
se encontram, tendo dificuldade para exteriorizar o pensamento somente através
da ação mental. Assim, o perispírito do médium funciona para eles como
decodificador das suas necessidades e manifestações internas.
"Como constatamos, para os médiuns que se devotam ao Bem, sempre há labor a
executar em ambos os planos da vida. Se considerarmos que a claridade da
Doutrina Espírita chegou à Terra há pouco menos de um século e meio, não
podemos negar que todo o labor de socorro desobsessivo aos transeuntes do
corpo somático era feito no mundo espiritual, quando os Construtores do
progresso se utilizavam dos médiuns encarnados e desencarnados para o mister
de esclarecimento e de libertação das injunções penosas, lamentáveis.
"Graças a essas ocorrências, não foram poucos os santos, os místicos, os
profetas, que assinalavam haver estado no Purgatório e no Inferno, onde
mantiveram contatos dolorosos com personagens que viveram na Terra, ou
conheceram os lugares que os aguardavam caso não se conduzissem com a
correção que deles se esperava... Eram reminiscências de suas visitas aos sítios
de amargura e de recuperação em que se demoravam alguns desencarnados, ou
atividades mediúnicas de socorro aos mesmos assim como aos reencarnados em
rudes provações. Quantos denominados exorcismos, que se iniciavam com as
célebres palavras sacramentais e gestos, alguns burlescos e circenses, tinham
continuidade técnica fora da indumentária física, resultando positivos! Tratava-se
de processos de doutrinação dos desencarnados perversos pelos Benfeitores da
Humanidade, conforme hoje se realizam nos Núcleos cristãos restaurados. Dia
virá, e já se aproxima, em que labores desse gênero se tornarão naturais e
conscientes, facultando às criaturas humanas o saudável e contínuo intercâmbio
com o mundo espiritual sem as barreiras que a ignorância das Leis da Vida
impõe."
Agradecendo-lhe, realmente sensibilizado pela sua contribuição, que me pareceu
muito lógica, aguardei a continuidade do ministério socorrista.
20
A RUIDOSA DEBANDADA
Enquanto diligentes cooperadores socorriam os Espíritos que anelavam pela
própria renovação e os Benfeitores tomavam outras providências, que não me
permiti investigar, ouvimos, repentinamente, uma atroada, em gritaria infrene e
ruidosa movimentação, enquanto clarins e fanfarras emitiam ruídos estranhos,
produzindo verdadeiro pandemônio na parte externa da Instituição.
Percebendo-me a surpresa, o irmão Anacleto aproximou-se, e, com a sua habitual
gentileza, informoume, tranquilo e feliz:
- Trata-se do retorno daqueles que não tiveram ensejo de participar das nossas
atividades, assim como daqueloutros que se recusaram a autolibertação.
"Desorientados, sem o comando a que se acostumaram, volvem, aturdidos uns e
amedrontados outros, temendo-nos e acreditando que somos representantes da
Divina Justiça e os ameaçamos com sortilégios e mágicas, para impedir-lhes o
prosseguimento nos prazeres animalizantes a que se entregam.
"De certo modo, têm razão. Embora não nos consideremos como embaixadores
da Corte Celeste, estamos a serviço do Bem, utilizando-nos dos sublimes
sortilégios do amor para libertar aqueles que ainda se encontram escravizados às
paixões dissolventes.
"Já havíamos previsto esse efeito, perfeitamente natural, em se considerando o
estado de profunda ignorância e primitivismo no qual estacionam alguns dos
nossos irmãos que, embora infelizes, ainda não se dão conta da própria realidade.
Inspiram-nos, por isso mesmo, mais compaixão e solidariedade, aguardando o
momento próprio, quando lhes luzirá a ocasião para o recomeço e a busca de
Deus."
O generoso Mentor calou-se por um pouco, como a coordenar idéias, e logo
prosseguiu:
- A cidade perversa é comandada por célebre imperador romano, que se entregou
a excessos de toda natureza, enquanto deambulou pelo corpo. Renascendo em
situações deploráveis, que lhe eram impostas pela necessidade da evolução,
manteve-se acumpliciado com alguns algozes da Humanidade, ele próprio, um
impenitente tirano, sempre insaciável de sangue, que se permitia toda sorte de
hediondez, inclusive nos desvarios sexuais. Foi, nesse período, que a sociedade
do Império declinou, em razão do abastardamento dos valores éticos, abrindo
espaço para a decadência e a desagregação dos costumes. Através dos séculos
ergueu com outros infelizes perturbadores da paz da sociedade os alicerces da
infeliz cidade que ora governa, tornando-a núcleo de punição para aqueles que
lhes caem na sedução ou de reduto de prolongadas bacanais, que a matéria não
mais permite realizar-se. Condensando sempre o pensamento servil nas
expressões da animalidade primitiva, conseguiu realizar um símile em deboche e
ultraje do que vivenciara quando governava Roma. Dali têm partido em direção da
Terra inúmeros verdugos da Humanidade, que se encarregaram de perverter os
costumes e disseminar a licenciosidade, ora sob o disfarce da hipocrisia, noutras
vezes em deboche público, de que se tornaram célebres muitas cortes e culturas
através da História. Antro de perdição, ali não luzem a liberdade nem a esperança,
conforme a mitológica informação de Dante Alighieri, na entrada do seu Inferno.
Não obstante, o amor de Jesus em nome do Soberano Pai, periodicamente
favorece os seus residentes com a oportunidade de libertação, qual ocorre neste
momento que atravessamos.
Interrompendo, momentaneamente, os esclarecimentos, logo deu curso:
- Com a libertação do marquês de Sade, começa uma fase nova para a cidade
perversa, já que o seu governante irá tomar providências, que consideramos
graves, especialmente contra aqueles que mourejam nas fileiras de O Consolador,
que deverão experimentar o látego do desforço e da crueldade. Estamos em
campo aberto de batalha, no qual a Treva se empenha por manter os seus
domínios, ante a mirífica luz do amor que dilui toda sombra e abre espaço para o
desenvolvimento dos seres humanos, por largo tempo retido na impulsividade e na
ignorância. Não padecem quaisquer dúvidas que a vitória do Bem é inapelável,
cabendo-nos a todos a desincumbência dos compromissos abraçados, com o
pensamento vinculado ao Pai, que não cessa de ajudar-nos.
"Desse modo, firmados nos objetivos elevados que nos unem, avancemos
confiantes, trabalhando sem cessar e amando sempre, porque o reino de Deus
está dentro de nós, aguardando poder exteriorizar-se em favor de todos os seres."
Quando se calou, eu podia perceber mais uma vez a grandeza do nobre Espírito,
que se encontrava à frente de uma tarefa incomum, aureolado pela consciência do
dever nobre e reto, construindo, sem qualquer alarde, o porvir ditoso para as
demais criaturas.
Com ordem o salão foi sendo esvaziado, e as Entidades encaminhadas aos vários
setores de socorro da Instituição Espírita, enquanto os Mentores ministravam as
orientações finais.
Logo após, o apóstolo Dr. Bezerra de Menezes despediu-se, havendo-se
desincumbido da atividade que lhe competia, e ficando aqueles que fazíamos
parte do socorro a Mauro, agora acompanhados por madre Clara de Jesus,
diretora do Núcleo socorrista que nos hospedava.
A Alva abria o seu suave manto de cor e de luz, arrancando da noite aqueles que
se encontravam acobertados pelo seu véu de sombras.
Enquanto o irmão Anacleto prosseguia dando curso aos seus labores, Dilermando
e nós buscamos o necessário repouso, a fim de encetarmos futuros compromissos
na esteira da aprendizagem infinita.
Transcorreram poucas horas, quando fomos despertados para ruidosa e
intempestiva manifestação espiritual que se situava nas imediações da Casa
Espírita.
Dirigimo-nos à entrada, e fomos colhidos pela estranha presença de alguns
milhares de Entidades grosseiras, mascaradas umas, outras apresentando
aspectos ferozes, evocando as hostes bárbaras que, no passado, invadiram a
Europa, usando exóticos animais e preparadas para aguerrido combate que,
certamente não teria curso, por motivos óbvios.
Apresentando toda a miséria espiritual do primarismo em que chafurdavam,
aqueles Espíritos eram comandados por alguns conhecidos conquistadores do
pretérito, que se mantinham nas mesmas condições de atraso e de inferioridade
característicos dos seus dias transatos. Era como se o tempo não houvesse
transcorrido, mantendo-os na mesma época e nas mesmas circunstâncias da sua
infeliz celebridade.
Belicosos e atrevidos, cercaram as dependências externas da Casa cristã, como
se pudessem impedir-lhe o acesso.
Instrumentos rudes, tambores e outros veículos de percussão soavam em
perturbadora musicalidade, facultando aos desocupados que observavam o fluir
da estranha agitação.
Utilizando-se de aparelhos de projeção da voz, gritavam ameaças grosseiras e
impertinentes, como se estivessem dispostos à destruição do conjunto de edifícios
nos quais se realizavam os labores espíritas.
Concomitantemente, as defesas foram reforçadas através de Espíritos bem
preparados com equipamentos especiais, que podiam emitir ondas
eletromagnéticas, que, atingindo-os, produziam sensações semelhantes aos
choques elétricos. E porque o atraso moral dos militantes fosse muito grande,
guardavam as sensações da existência física, tornando-se alvo muito fácil para a
preservação do ambiente.
Alguns dos seus comandantes conheciam o efeito desses recursos, havendo-se
decidido por manter uma distância especial, não obstante procurassem impedir
que as vias de entrada para o Edifício central ficassem interditadas.
Aproximando-se do imenso portão material, madre Clara de Jesus abriu os braços
em atitude de súplica e exorou o socorro divino.
A sua voz, doce e vibrante, assinalada pela compaixão em favor dos agressores,
exteriorizava-se em música de amor, suplicando o auxílio do Mestre Inconfundível
e das Suas falanges abnegadas.
Ainda não terminara a exoração, quando um volumoso jato de luz, mais
iridescente que a claridade do amanhecer, desceu de Regiões Elevadas, e, dentro
dele, numerosos Espíritos de semblante grave chegaram, respondendo ao apelo
da diretora preocupada.
Lentamente avançaram na direção dos visitantes perturbadores, que lhes
percebendo a superioridade moral e a força espiritual que irradiavam, em gritaria
infrene debandaram novamente, atropelando-se uns aos outros, enquanto as
animálias desorientadas tombavam umas sobre as outras, e a sombra densa que
os acompanhava era clareada pela exteriorização dos recém-chegados.
À medida que se afastavam em desordem, qual ocorre nas batalhas terrestres
com a retirada dos vencidos, eram estabelecidos limites bem guardados em torno
da Casa de ação cristã, e voluntários espirituais se postavam, defendendo o
acesso, que continuou sem qualquer problema.
A sábia administradora entreteceu considerações oportunas, esclarecendo-nos a
ignorância em torno de questão tão delicada, pertinente às Organizações
espirituais inferiores.
- As tenazes do mal - começou, informando - são de perversa constituição.
Quando os seus áulicos se percebem em confronto com os legionários da
Verdade, equipam-se de recursos odientos e passam a ameaçar e agir, de forma
que voltem ao poder, sem quaisquer prejuízos em torno das prerrogativas que se
permitem na sua profunda estupidez ante as Leis da Vida, que pensam manter
violadas por tempo indefinido. Especialmente, aqueles que são os inspiradores
das desordens sexuais, por nutrirem-se das energias das suas vítimas de ambos
os planos da existência, tornam-se furiosos e investem com toda audácia contra
os que pensam poder vencer, firmados na alucinação do seu falso poder.
Inúmeras vezes têm investido contra a Humanidade, utilizando-se da fraqueza
moral dos seres humanos para envolvê-los em seduções nefastas, contagiando-os
com os seus fluidos degenerados e levando-os, não poucas vezes, ao paul das
orgias e loucuras onde chafurdam. Enfrentaram religiosos que, de início, se
ofereceram à fé que abraçam forrados por sentimentos nobres, mas que não
resistiram às tentações, em razão do passado sombrio que ainda os governava e
face às situações em que se viram colocados. Outras vezes, cidadãos portadores
de reto proceder, quando amadurecem e se encontram próximos de concluírem a
lide, à sua instância infeliz têm os apetites açulados e estimulados por outras
pessoas devassas que servem de instrumento aos interesses inferiores dessas
Entidades, que são atraídas, perturbando o programa de vida a que se vinculavam
e impossibilitando-os de concluir os compromissos que lhes são essenciais à
vitória sobre si mesmos.
"Não podemos negociar com o Mal nem imiscuir-nos com os maus. Por essa
razão, o sábio Nazareno que lhes conhecia as urdiduras e o abismo de impiedade
em que se atiraram, ensinou-nos a solicitar ao Pai amoroso que nos livre do mal,
porque ainda não possuímos a necessária condição para enfrentá-lo com
equilíbrio, sem o perigo de contágio. Porque os maus se utilizam de quaisquer
recursos impróprios e os nossos são os do amor, levam momentânea vantagem,
em se considerando que não nos permitimos competir mediante os mesmos
escusos processos, contando invariavelmente com a bênção do tempo e a
resolução da própria criatura a quem nos dispomos ajudar."
Manteve-se em recolhimento rápido, e logo após deu prosseguimento aos seus
lúcidos esclarecimentos:
- Seremos convocados a graves situações, nas quais o testemunho será o nosso
sinal cristão, resistindo às forças cruéis da perseguição inclemente e ampliando os
horizontes da lídima fraternidade que deve viger entre os indivíduos. Voltar-se-ão,
esses irmãos enfermos, contra os bons trabalhadores da Seara de Jesus, criando
situações embaraçosas e atirando pessoas sem escrúpulos, fáceis de conduzir,
nos seus braços, a fim de os envolverem na urdidura das suas tramas, para
depois os arrebanharem nas suas implacáveis proposições. Toda a vigilância e
misericórdia que nos estejam ao alcance serão necessárias para uma boa
aplicação, gerando recursos defensivos em caráter de prevenção, como também
vitalizadores para romper com as ciladas que se apresentarão com freqüência.
Contaremos, todavia, sempre e sem cessar, com o auxílio do Mestre Jesus, que
experimentou a crueza da hediondez humana, em sucessivas conspirações para
colherem-no impiedosamente. Ele sempre esteve em sintonia com o Pai,
vencendo os Seus inimigos, que são os incontáveis e contumazes adversários da
Humanidade que se liberta lentamente da animalidade, buscando a
espiritualização.
"O sexo tem sido um espinho cravado nas carnes da alma humana, dilacerador e
contundente espículo que gera muito sofrimento. Gerações sucessivas de seres
predispostos ao progresso têm experimentado derrocada, face às exigências mal
compreendidas do desejo e da utilização sexual. Perturbado, vezes sem conta,
nas suas funções, responde por inúmeros destrambelhes da emoção, da mente e
do organismo, gerando conseqüências afligentes ao largo das sucessivas
reencarnações. Todavia, é o veículo da perpetuidade da espécie, gerador e
estimulante de ideais de beleza, na Arte, no pensamento, na Ciência, na
Tecnologia, como fonte de estímulos que impulsionam para a conquista do
progresso. Deve, portanto, ser transformado em flor e fruto de bênçãos, sempre
que direcionado para as magnas finalidades a que se destina, ficando, à margem,
a brutalidade e o primitivismo que lhe deram origem nos recuados tempos das
primeiras manifestações... Na Terra dos nossos dias, tem-se tornado trator
vigoroso, utilizado de forma indevida quase sempre, por isso mesmo arrastando
multidões que se bestializam intoxicadas pelos seus vapores e pelas promessas
enganosas de gozo infindo."
A longâmine Benfeitora reflexionou por um pouco, e concluiu:
- Hipnotizadas pela alucinação do prazer, centenas de milhões de criaturas
humanas, ainda vivenciando as faixas da sensação sexual, deixam-se escravizar
pelos impulsos mal direcionados e tornam-se vítimas de carrascos da sua paz,
que as seviciam com os seus instrumentos de perversão, exercendo domínio
sobre suas mentes e sentimentos. Reencarnam e desencarnam num vaivém que
parece interminável, até quando expiações pungentes e martirizantes interrompem
o ciclo do ir-e-vir quase sem proveito. É o que ocorrerá nos próximos anos com os
irmãos ora recolhidos pelo amor de Jesus-Cristo e dos Seus mensageiros que os
recambiam ao corpo anatematizado pelas aflições, de modo a reajustarem o
perispírito e volverem aos ideais de vida e de harmonia. Entretanto, legiões
voluptuosas renascerão no mundo das criaturas terrestres, procurando retratar e
repetir os excessos que se têm permitido e as estruturas sórdidas quão nefastas
da cidade impiedosa, com que seduzirão os indecisos, dominarão os semelhantes
e ameaçarão a estabilidade de muitos combatentes do Bem e do progresso.
"Cuidemos para não lhes cair nas ciladas nem nos deixarmos arrastar por seus
encantos mentirosos e seduções venenosas, seguindo pela porta estreita,
enquanto os nossos espinhos se arrebentarão em flores de caridade e de amor,
de ação benemérita e de dever, como filhos biológicos, ideais de dignificação
humana, realizações edificantes e de sabor eterno. Jesus é Vida, e com Ele a luta
é honra que não podemos descurar."
Concluídas as sábias informações, ficamos a considerar os volumosos desafios
que estavam destinados aos bons trabalhadores do Evangelho, de forma que
pudessem permanecer fiéis aos postulados do dever, vivenciando-os, de maneira
a confirmar-lhes a excelência, recurso único eficaz para desbaratar as construções
do Mal e dos seus pugnadores.
Podia considerar que durante muito tempo a nobre Instituição iria sofrer as
investidas da crueldade e da astúcia, utilizando-se da fragilidade dos seus
membros. Não ignorava, no entanto, conforme acabara de presenciar, que os
recursos valiosos do Alto desceriam sempre quando necessários, a fim de que
não faltassem o pão de luz nos seus celeiros de amor, nem as valiosas bênçãos
da coragem e dos valores morais para os enfrentamentos inevitáveis.
Podia também considerar que as reencarnações em massa iriam trazer aqueles
infelizes ao proscênio terrestre, a fim de que tivessem chance de evoluir,
arrastando, com as suas paixões, verdadeiras multidões afins, de cuja maneira
sairiam das regiões do vandalismo para novos tentames que os conduziriam a
outras Estâncias, onde dariam curso ao progresso. No momento da grande
transição do planeta travar-se-ia a luta final em sucessivas batalhas, conforme a
Lei de destruição, facultando a renovação inevitável.
Com a chegada do Sol e a movimentação de pessoas na via pública, as atividades
convencionais da Casa Espírita se iniciavam e as orações que assinalavam os
labores mantinham os vínculos com as Esferas elevadas.
Em torno, no entanto, das fronteiras limítrofes do Refúgio educativo, os
desordeiros se movimentavam, dando curso à programação de desforço e
tentativas de invasão, que se prolongariam indefinidamente...
Era comovedor notar as sábias diretrizes da Mentora madre Clara de Jesus que,
tomada pela consciência do dever, prosseguia no ministério como se nada
houvesse acontecido digno de nota ou de preocupação.
21
RECOMEÇO FELIZ
O jovem padre Mauro despertou dominado por uma disposição de efetivo bemestar.
Desde quando tiveram lugar os acontecimentos perturbadores, cujo desfecho
daria início à vivência de uma nova ordem de valores, nunca se sentira tão bem,
adianto naquele amanhecer. Recordava-se, fragmentariamente, de algumas das
ocorrências espirituais de que participara, embora tivesse dificuldade de coordenar
todos os fatos. Sentia-os interiormente e em forma de emoção restaurada, como
se a chaga moral que sempre exsudava angústia houvesse recebido um penso
balsâmico, refazente.
Considerava que os sonhos recentes estavam recheados de informações
inabituais, e davam-lhe a impressão de que vivia uma dicotomia de apoio de anjos
em luta contra demônios que o sitiavam e afligiam. A verdade é que, tomado de
impulso enriquecedor de paz, acercou-se do oratório, na capela próxima ao quarto
e, ajoelhando-se, conforme a disposição religiosa da fé que abraçava, envolveu-se
nas delicadas vibrações que defluem da prece ungida de sentimentos elevados.
Buscando o refúgio espiritual e a comunhão com Deus, sua mãezinha acercou-selhe,
e em doce colóquio de mente a mente procurou restaurar-lhe algumas
lembranças das atividades vividas, há pouco, em nossa Esfera, a fim de que
ficassem impressas definitivamente, servindo-lhe de apoio e de segurança, assim
como de roteiro para a plena libertação.
A blandícia proporcionada pela oração, quando bem entendida pela criatura
humana, proporcionar-lhe-á no seu exercício o reconforto e a coragem para todos
os momentos, sempre que recorrendo aos seus tesouros e o fazendo com mais
freqüência do que lhe é habitual. Quando o ser humano ora, penetra nos arcanos
espirituais e refaz-se, adquirindo paz e enriquecendo-se de sabedoria, por
estabelecer uma ponte de vinculação com as fontes do conhecimento, de onde
promanam os bens da Imortalidade.
A prece seria, a partir de então, o bastão de apoio emocional do jovem
sinceramente arrependido e preparado para o recomeço da luta. Sob a inspiração
da genitora devotada e o amparo dos Mentores aos quais ela havia recorrido, serlhe-ia
possível avançar vencendo os obstáculos, que não seriam poucos, e que
deveria ultrapassar.
Sucede que cada qual somente pode colher aquilo que haja semeado
anteriormente, cabendo-lhe o discernimento para, enquanto recolhe os cardos
deixados pelo caminho, realizar nova ensementação, agora de luz e de bênçãos,
que lhe constituirão a seara futura por onde transitará.
Naquele momento, portanto, a abnegada genitora, utilizando-se da percepção
acentuada do jovem sacerdote, intuiu-o de que a luta seria áspera, e ele se veria a
braços com situações muito perturbadoras, teria ensejo de voltar aos mesmos
vícios, seria induzido, pelo pensamento e pelas circunstâncias, a reincidir nos
anteriores gravames, cabendo-lhe fugir da tentação através da oração e da ação
beneficente, renovadora.
A prece propicia forças espirituais e morais, mas a ação preenche os vazios
existenciais, facultando vigor e superação das falsas necessidades a que o
indivíduo, pelos hábitos doentios do passado, se afervora.
Através da linguagem silenciosa do pensamento advertiu-o sobre as influências
dos seres perversos que rondam as criaturas humanas e as induzem a atitudes
vergonhosas e comprometedoras através do crime, elucidando, também que,
concomitantemente, anjos benfeitores protegem os seus tutelados, infundindo-lhes
valor e inspirando-os na luta do bem invariável.
Ele permaneceu por largo período no refúgio espiritual da oração, mergulhando
nas esperanças do futuro.
E porque estivesse assinalada uma nova entrevista com o Sr. Bispo para aquela
tarde, D. Martina deixou-o nos deveres que lhe diziam respeito, a fim de que, no
momento aprazado, com o nobre Instrutor pudéssemos acompanhar o
desdobramento da terapia curadora do querido enfermo.
Quando Mauro procurou o seu pastor, ao cair da tarde, havia uma psicosfera de
acentuada paz na residência episcopal. O sacerdote, cônscio dos seus deveres,
considerando a gravidade da ocorrência que defrontava por primeira vez durante
todo o seu ministério, não descurou de procurar uma solução adequada de forma
que as conseqüências pudessem ser atenuadas, evitando futuros desastres dessa
ou de outra vergonhosa natureza. Havia-se dedicado ao rebanho com fidelidade,
confiando nos postulados da fé que elegera como roteiro de iluminação e de
salvação para os fiéis que se lhe entregavam confiantes. Em razão disso, foi-lhe
muito penosa a realidade dos infelizes acontecimentos. Ao tempo que assim
conjeturava, compreendia também que não podia destruir a existência do jovem
padre, que sempre se lhe afigurara um homem de bem, digno servidor da grei. De
maneira discreta, procurou ouvir outras autoridades religiosas e psiquiatras,
resolvendo encaminhar o paciente a uma clínica especializada, que vinha
atendendo a casos equivalentes, como a alguns de outra natureza, quando se
apresentavam transtornos depressivos, desvios esquizofrênicos...
Com excelente disposição psíquica recebeu o filho espiritual, e, após algumas
considerações valiosas, procurou auscultar-lhe os sentimentos.
Fortemente inspirado pelo irmão Anacleto, Mauro narrou que uma incomum
transformação interior nele se operara. Havia vivido experiências oníricas,
semelhantes às de muitos santos e taumaturgos, conforme relatos constantes nos
livros sagrados.
- Anteriormente - acrescentou, algo constrangido - sentia-me arrebatado por
verdadeiros seres diabólicos que me levaram a regiões de gozo incessante e
exaustivo, vampirizando-me as forças e deixando-me sequioso de vivências
equivalentes. Dias houve, nesse ínterim, tão terríveis, que despertava mal
humorado, infeliz, dominado por desejos incoercíveis, sendo impelido por forças
cruéis a práticas abominaveis de que me arrependia e me condenava sem cessar.
Nessas ocasiões, eu tinha a sensação de haver estado no Inferno, de onde
retornava sob maléfica influenciação. Nos últimos dias, porém, mais de uma vez,
encontrei-me em lugares de oração e de socorro, onde, não poucos seres
angélicos não só me atenderam como também a outros que me pareciam
familiares... Calou-se, por um pouco, concatenando idéias e tentando captar
melhor o pensamento do Benfeitor espiritual, para logo prosseguir:
- Nesses momentos tenho visto minha mãe que, como sabe Vossa Eminência, é
falecida há quase cinco anos. Aparece-me no vigor da sua juventude, tomada de
profunda compaixão pelos meus atos ignóbeis, protege-me dos seres satânicos,
que a respeitam, como também me infunde ânimo para prosseguir. Não fosse
esse socorro propiciado pela Divindade e ter-me-ia suicidado na mesma noite em
que a professora Eutímia me surpreendeu com a criança. A vergonha, o asco que,
de mim próprio, senti, tomaram-me o espírito fragilizado e uma voz terrível fazia
repercutir no meu íntimo que o suicídio seria a única solução para o meu
miserável destino.
- Mas, você, que conhece as santas Escrituras sabe que o suicídio constitui um
crime hediondo, para o qual não há perdão da Igreja nem de Deus...
- Sim, Eminência, eu o sei, mas sucede que a minha mente era vulcão em
erupção, não havendo lugar para qualquer raciocínio lógico, para qualquer
entendimento da vida nem da religião. Sentia-me assaltado por forças mais
poderosas do que eu, e não vendo perspectiva para o futuro, a fuga seria a
solução do momento.
Felizmente, a mãezinha apareceu-me, não sei como, e libertou-me da instância do
Mal, fazendo-me adormecer e conduzindo-me para um lugar fora da Terra, onde
me pude refazer e recuperar... Na noite passada, novamente estando em uma
estância de trabalho ativo, participei de uma reunião singular, onde anjos e
demônios travaram uma estranha batalha, e na qual eu era uma das personagens
envolvidas, ao lado de outros que me pareciam conhecidos, detestáveis alguns,
amados outros...
- Você deve recordar-se - interrompeu-o o Sr. Bispo - que Jesus referiu-se a
muitas moradas na Casa do Pai, havendo-nos prometido ir preparar lugar para
nós outros, conforme anotou São João, no capítulo número quatorze do seu
Evangelho.
Eu sempre pensei que essas-moradas são os astros que constituem o Universo,
mas também são redutos onde estagiam os Espíritos após a morte antes de
seguirem ao seu destino final, conforme os atos praticados no mundo. Penso que
o Purgatório, por exemplo, não seja um lugar definido geograficamente, mas
incontáveis regiões de dor e de sombra, na Terra e fora dela, onde os culpados
expungem e se depuram, tendo ensejo, então, de ascender ou não ao Paraíso. É
certo que a minha reflexão não encontra respaldo teológico. Nada obstante, não
exista nada em contrário.
"Continue a sua narração, e desculpe-me a interrupção, que resulta do meu
entusiasmo por encontrar confirmação para um pensamento que me acomete
desde há muito..."
Sem maior delonga, Mauro deu curso à narração das suas experiências fora do
corpo físico.
- Na noite anterior - continuou, algo relutante acompanhando as ocorrências que
não me estão muito claras na mente, mas que retornam agora, como que sob uma
ação mágica em um caleidoscópio vivo da memória, fui convidado à renovação e
foram desenhadas possibilidades para o meu reencontro e equilíbrio, devendo
dedicar-me a Jesus e à Sua mensagem, especialmente reabilitando-me mediante
a edificação de um lar para crianças profundamente marcadas, infelizes,
inspiradoras de constrangimento e de compaixão, em cujo convívio poderei
superar as minhas más tendências e tornar-me um verdadeiro servidor do
Evangelho... A princípio, fui tomado de espanto e medo, pensando nos riscos de
estar ao lado das tentações mais graves e com imensas possibilidades de repetir
os crimes de que me desejo libertar. No entanto, nobre ser espiritual me elucidou
que a ternura e a misericórdia ante as deformidades que as caracterizarão, serme-iam
o bastão de apoio e o medicamento salutar para manter-me em saudável
equilíbrio, enquanto a caridade seria uma luz na noite da minha solidão. Confesso
que estou animado com a possibilidade e espero poder recuperar-me de todo o
mal que pratiquei, através de todo o bem que poderei fazer...
-Alegro-me sobremaneira com essas informações - interrompeu-o o eclesiástico,
emocionado - porque o Senhor da Vida espera que as ovelhas que se tresmalham
retornem ao redil, não ficando no abismo ao qual se arrojam. Recordemo-nos da
parábola do Filho pródigo e, conseqüentemente, da imensa alegria que invadiu o
pai, quando o jovem tresvariado e infeliz retornou ao lar, preferindo mesmo
enfrentar qualquer reação do genitor, caso a houvesse negativa, a continuar entre
os porcos conforme estava. Há sempre esperança no Bem, quando há
honestidade no arrependimento e interesse no recomeço.
Todos erramos, face à nossa estrutura de humanidade, às imperfeições que nos
caracterizam, tendo porém o dever de nos reabilitarmos, trilhando a mesma
estrada no sentido inverso, reconstruindo, passo a passo, tudo aquilo quanto
danificamos ou malbaratamos. Somos contínuos aprendizes da vida em processo
de crescimento para Deus. Não poucas vezes, nos meus devaneios espirituais
interrogo-me se uma existência única é suficiente para alcançar-se a meta, para
adquirir-se a sabedoria, para a conquista da plenitude. Diante do Infinito, a nossa
relatividade de tempo expõe-nos a situações muito perturbadoras, que nos
impossibilitam alcançar os patamares superiores do êxito, especialmente quando
defrontamos limites de vária ordem. Como poderia Deus exigir de pessoas
diferentes, portadoras de valores diversos, resultados idênticos? Como entender a
salvação dos réprobos morais, que já nasceram assinalados pelas deformidades
do caráter, ou vitimados pelas heranças genéticas degradantes irreversíveis...
Percebi que o irmão Anacleto havia colocado a destra sobre a fronte do Bispo,
infundindo-lhe coragem e lucidez de raciocínio, de forma que, naquele momento,
suas anteriores reflexões encontrassem maior campo de discernimento e de
claridade, a fim de assegurar-se da exatidão dos seus raciocínios.
Quase iluminado pelo contato com o nobre Benfeitor, não pôde sopitar o
entusiasmo, prosseguindo:
- Alguns pensadores da Igreja cristã primitiva, tais Orígenes, Tertuliano, Santo
Agostinho, Ambrósio, para citar apenas alguns, acreditavam na transmigração das
almas em diversos corpos, por cujo meio adquiriam sabedoria, depuravam-se e
cresciam para Deus.
Os seus erros, por mais hediondos, sempre podiam ser reparados na Terra
mesmo, onde haviam sido cometidos. Todos os crimes e práticas
comprometedoras eram reparáveis, o que explicaria as aberrações físicas e
morais que caracterizam muitos seres, aprendendo na dor a valorizarem o amor,
aprisionadas no cárcere carnal, caso não hajam sido alcançadas pela justiça que
as não corrigiu nem edificou. Dessa forma, Deus concederia iguais oportunidades
a todos os filhos, facultando-lhes o crescimento interior a esforço pessoal, sem
que alguns sejam agraciados em detrimento de outros que teriam que lutar para
alcançarem os mesmos recursos e fruírem os mesmos direitos. Sem contestar o
estabelecido pela Igreja, a mim me parece muito mais compatível com a justiça de
Deus a doutrina da transmigração das almas por muitos corpos, do que a vida
única, com imediatas conseqüências de felicidade total ou punição eternas. Sei
que isso pode incidir em blasfêmia, porque o II Concílio de Constantinopla, reunido
no ano de 552, condenou as doutrinas de Orígenes, objetivando, essencialmente,
negar a reencarnação.
Depois de um silêncio, que se fez natural, o Sr. Bispo acrescentou:
- Desculpe-me o entusiasmo e a interrupção da sua interessantíssima narrativa,
que me faz recuar a experiências semelhantes que vivenciei no passado. Gostaria
de continuar ouvindo-o a respeito das suas, digamos, viagens astrais, conforme
são denominadas pelo Esoterismo e outras doutrinas ocultistas...
Mauro, que se encontrava visivelmente reconfortado, ainda mais com as
informações do seu pastor que confirmavam alguns dos acontecimentos que
vivenciara quando em desdobramento da personalidade ou espiritual, sentiu-se
encorajado a informar:
- No já referido encontro da noite passada, ficou estabelecido que alguns daqueles
seres por quem eu sentia emoções desencontradas, deveriam voltar ao corpo, a
fim de viverem comigo, em razão de vinculações profundas que nos unem.
Não sabendo aquilatar o de que se trata, não obstante, senti-me muito feliz e
despertei com novas disposições para o futuro, contando com o apoio e o perdão
de Vossa Eminência.
Os dois sorriram, como se um conciliábulo de significado superior estivesse sendo
firmado naquele momento.
- Agora - informou o prelado - passemos aos planos a respeito do seu futuro
próximo, a fim de que, mediante cuidadosa terapêutica, você possa superar os
desvios de comportamento e a perturbação emocional de que tem sido objeto.
Também eu acredito, sinceramente, na interferência de seres demoníacos e de
anjos nos atos de nossas existências. Eles sempre nos assessoram, conforme a
conduta que nos permitimos. No caso em tela, essas forças do Mal, tiranizantes e
perversas, tentam todas as almas que pretendem viver os preceitos do Evangelho,
utilizando-se das debilidades do caráter de cada uma, para as desencaminhar,
levando-as aos dédalos infernais... Todavia, reconhecemos que o mau hábito cria
condicionamentos, e que esses devem ser tratados conforme a valiosa
contribuição das ciências contemporâneas.
Medindo as palavras, a fim de atingir o auge da orientação, expôs:
- Como você há de compreender, o seu não é um caso isolado em nossa Igreja.
Outros sacerdotes também, na sua condição de criaturas humanas falíveis, têm
sido vítimas de situações psicológicas e mentais semelhantes ou com algumas
variantes, o que tem preocupado as nossas autoridades, que vêm recorrendo ao
auxílio da Medicina, para socorrer aqueles que são vítimas desses transtornos e
de outros problemas na área do comportamento e da emoção. O assunto é
sempre tratado com o máximo de discrição, a fim de evitar-se ampliar as
proporções da ocorrência, que não trariam qualquer benefício a quem quer que
seja, ao mesmo tempo buscando recuperar aquele que se haja comprometido ou
tombado nas armadilhas da insensatez. Em tudo, a Igreja deve intervir com
sabedoria e cuidado, amparando o equivocado e socorrendo sua vítima, mantendo
o programa da paz e da felicidade possível entre todos. Dessa maneira, entrei em
contato com uma clínica psiquiátrica, que já tem recebido outros sacerdotes, a fim
de que o seu caso seja estudado e você receba a orientação psicológica
correspondente, recuperando-se o mais rapidamente possível, para prosseguir
nos compromissos que lhe dizem respeito.
O sacerdote encontrava-se realmente comovido. Aquela entrevista, que deveria
decidir um destino em tormento, evitando graves problemas para outras vidas,
ensejara-lhe, também, reflexões em torno das quais jamais se atrevera apresentar
a alguém, parecendo-lhe agora tão reais e ricas de conteúdo, que lhe facultava
melhor entendimento das Leis da Vida em torno dos seres humanos, amenizando
aflições que o vitimavam de quando em quando, ao pensar no destino e na
condenação perpétua das almas.
Por fim, concluiu a entrevista:
- Já tomei todas as providências possíveis para o seu internamento, que correrá
por conta do setor competente da nossa Igreja. A partir de hoje, o meu querido
filho espiritual poderá transferir-se para o seu novo domicílio. Enquanto isso
ocorre, irei estudar uma paróquia para onde transferi-lo após receber alta, na qual,
entre pessoas humildes e necessitadas, você possa reerguer-se para Jesus... E
se tudo transcorrer conforme esperamos e desejamos, estou disposto a contribuir
em favor do seu Lar de crianças, mesmo que seja numa área fora da minha
administração clerical. Manter-nos-emos em contato epistolar e terei imensa
felicidade em abraçá-lo proximamente aqui mesmo, quando o encaminharei a
novos labores, procurando deixar no passado as suas lições, que servirão de
alicerce para as construções do Bem no futuro. Que Deus o abençoe, meu filho, e
que nunca mais se aparte da senda da caridade.
O senhor Bispo entregou-lhe um envelope, no qual estavam as diretrizes a
respeito do internamento, com a documentação e as recomendações necessárias.
Abraçou-o, afetuosamente, e o abençoou, conforme a tradição eclesiástica.
Uma estranha sensação dominou-o, como se não mais viesse a ver novamente o
jovem sacerdote por quem nutria peculiar afeição.
Logo após, recolheu-se em oração defronte do oratório, onde, invariavelmente,
buscava a comunhão com Deus. Envolveu o jovem amigo em preces de
recomendação, guardando a certeza de que as suas foram decisões acertadas e
os resultados, que sempre pertencem ao Pai Celestial, seriam opimos.
Mauro afastou-se dominado por grande alegria interior, como se algemas se
arrebentassem, de alguma forma libertando-o de um passado cruel. Sentia que
muitas dores o aguardariam no transcurso da existência, no entanto sabia também
que nunca lhe faltaria o apoio dos Anjos tutelares, que sempre velam pelas
criaturas humanas.
Distanciando-se do guia espiritual, reconheceu-lhe a nobreza de caráter e a
fidelidade à Doutrina que abraçava com amor e abnegação. As suas eram sempre
atitudes nobres acompanhadas de testemunhos de amizade e de alto
discernimento, adaptando sempre os impositivos da Igreja às circunstâncias e aos
tempos atuais.
Por isso, era tido como um verdadeiro pastor, um sábio da Doutrina Católica.
Caminhando pela rua deserta em pleno crepúsculo, teve a impressão de que
também o mal que o dominava se eclipsava, a fim de passada a noite, amanhecer
novo dia, que lhe seria abençoada ocasião de serviço e de paz.
O irmão Anacleto, sensibilizado com os resultados dos cometimentos, formulou
votos de êxito em favor do pupilo espiritual e convidou-nos a retornar à sede das
nossas atividades.
Dona Martina aproximou-se do Benfeitor com os olhos marejados de pranto de
gratidão e, sem qualquer palavra, osculou-lhe a destra, envolvendo-o num olhar
de afetividade profunda e imorredoura.
Ela podia sentir que o filho experimentaria muitos sofrimentos, mas reconhecia
que a estrada de sublimação é pavimentada com as lições da Via Crucis,
perlustrada pelo Incomparável Rabi Galileu, e das estradas da Úmbria, percorridas
por Francisco de Assis. Exultava, portanto, e, rica de gratidão ao Senhor da Vida,
entregou-se às emoções superiores que defluem do culto reto do dever e da
confiança irrestrita nas Suas Leis.
O amoroso Guia com muita habilidade desviou qualquer possibilidade de mérito
pessoal, transferindo todas as honras e realizações ao Supremo Realizador.
Logo após, seguimos ao Núcleo de atividades onde estagiávamos.
Pensando nas crianças que haviam sido ultrajadas por Mauro e no pequeno que,
por pouco, não se lhe tornou mais uma vítima indaguei ao nobre Guia:
- Estão sendo tomadas providências em favor daqueles que sofreram a
perturbação sexual do sacerdote, tal como as que estão sendo direcionadas em
seu favor?
O generoso Instrutor, sorriu, gentil, e redarguiu:
- Naturalmente. Se aquele que cometeu os delitos está recebendo ajuda para não
voltar a reincidir no mal, considere as providências que estão sendo tomadas em
benefício das suas vítimas! Nada fica sem conveniente atendimento,
especialmente quando se trata daqueles que foram empurrados para o erro,
embora os atavismos da retaguarda. Equipe especializada de nossa Esfera,
igualmente parte do nosso grupo de realização, está auxiliando os pequenos
vitimados e tomando providências possíveis para os ajudar em relação ao futuro,
minimizando os traumas psicológicos e as dependências perturbadoras que, por
acaso, venham-se-lhes apresentar. Com certa freqüência temos recebido notícias
das providências em curso e exultamos com os excelentes resultados que estão
sendo colhidos.
Nesse momento chegamos à sede do nosso labor.
22
CONSIDERAÇÕES EDIFICANTES
A noite estava esplêndida, como se participasse das inefáveis alegrias que nos
invadiam o mundo íntimo.
As atividades a que fôramos convocados, com exatidão e equilíbrio avançavam
para o encerramento.
A problemática inicial, motivada pelos transtornos do jovem padre Mauro, tomava
novo rumo e as conseqüências se afiguravam naturais, como resultado inevitável
do empreendimento iluminativo.
Utilizando-me da circunstância, que me parecia favorável, solicitei escusas ao
Benfeitor, interrogando-o:
- Como será o processo de recuperação do sacerdote? Permanecerá ele fiel ao
programa traçado anteriormente ou sucumbirá ante novas perturbações, que
quase sempre acometem aqueles que se encontram em processo de renovação?
O paciente Benfeitor olhou o zimbório pontilhado de estrelas coruscantes e
respondeu com simplicidade:
- Embora eu não possua, por enquanto, a faculdade de poder adentrar-me nos
penetrais do futuro, depreendo que tudo dependerá do nosso irmão desperto para
diferente realidade da vida. Todos os indícios demonstram que ele enfrentará as
dificuldades que advirão da sua decisão feliz, confiado em Deus e resignado.
Caso, porém, não encontre resistências morais para os enfrentamentos, a
Divindade sempre possui recursos especiais para retificar caminhos e reconduzir
os infratores ao dever, ensejando-lhe novas oportunidades.
"Como medida acautelatória e providencial, a sua genitora providenciou junto aos
nobres Mentores desencarnados do Espiritismo, auxílio especial, considerando
que o nosso pupilo, mediante o sofrimento, ampliará possibilidades de natureza
mediúnica e, oportunamente, despertará para novas decisões enriquecedoras.
Pelo que posso depreender, o nosso irmão terá facilidades no futuro de manter
comunicação com o mundo espiritual, terminando por abraçar a Doutrina
Libertadora, realizando o objetivo edificante da caridade junto às criancinhas
marcadas pelo processo de evolução no Lar que deverá erguer como processo de
autodepuração. Face a essa possibilidade, por meio do socorro espiritual aos
sofredores do Além granjeará mérito para desincumbir-se do programa que
abraçará.
"O futuro é sempre imprevisível, em razão de ocorrências surpreendentes que
induzem o indivíduo a mudança de atitude e de compreensão da vida. Não são
poucos aqueles, conforme temos constatado, que tombaram ante os testemunhos,
não havendo conseguido vencer as más inclinações e superar as tendências
negativas com as quais antes se compraziam.
Ademais, o cerco promovido pelos adversários espirituais torna-se sempre tão
coercitivo que, exigindo coragem e abnegação a que o candidato ao Bem não está
acostumado, termina por desviá-lo da rota que deveria seguir. Todavia, se
reflexionar um pouco mais e considerar os valores a que se deve aferrar, logo
entenderá que as dificuldades fortalecem o caráter e os desafios desenvolvem os
sentimentos de nobreza do coração e de lucidez da mente. As árvores enrijecem
as fibras enfrentando os vendavais que as vergastam, assim também os seres
humanos."
- Seria possível prever-se como renascerão o marquês e Rosa Keller, de forma
que possam recuperar-se dos gravames e problemas de que foram objeto,
avançando pela senda renovadora?
Sem demonstrar enfado ou cansaço ante as nossas insistentes questões,
redarguiu de boamente:
- As providências em curso programam para ambos um renascimento assinalado
por limites muito severos. Como já vimos, eles terão necessidade de esconder-se
no corpo, de forma que não sejam identificados pelos inumeráveis adversários que
já os buscam, e outros tantos, que estarão tentando encontrá-los na forma física,
no futuro, a fim de se desforçarem dos sofrimentos experimentados. Agora, ante o
que os residentes na cidade perversa consideram como deserção, os seus chefes
providenciarão meios escabrosos a fim de encontrarem o antigo condutor de uma
das suas áreas, para poderem afligi-lo e reconduzi-lo de volta. Desorientados e
loucos acreditam-se capazes de poder realizar quase tudo quanto lhes passa pela
mente em desalinho. Divorciados, momentaneamente, das Leis de Deus, supõem
que a alucinação permanecerá sine die, como se fossem a representação das
entidades mitológicas que povoariam o Inferno, onde supõem encontrar-se,
gozando individualmente e infelicitando todos quantos lhes tombam nas
armadilhas soezes.
"Desse modo, a venerável futura genitora MarieEléonore, voltará ao corpo em
breve, a fim de os receber como filhos gêmeos, ele cego e demente, ela surda e
com várias limitações orgânicas... Experimentarão a orfandade muito cedo,
quando o genitor os abandonará e a mãezinha abnegada, concluído o mister para
o qual renascerá no mundo físico, retornará vencida por cruel enfermidade do
aparelho respiratório... Será nesse comenos que o nosso atual paciente Mauro os
encontrará, recolhendo-os nos braços e no coração da caridade, no Lar que já
deverá estar em funcionamento em cidade muito pobre no interior do país.
Identificando-os como seres aos quais necessita amar e socorrer, tornar-se-lhes-á
devotado genitor espiritual, velando pela sua existência e iluminando-os com as
incomparáveis lições do Evangelho de Jesus interpretados pelo Espiritismo, que
não poderão assimilar através do corpo enfermo, porém captarão psiquicamente,
incorporando-as ao patrimônio espiritual para o futuro.
"Como sabe o amigo, nada se perde no Universo. A poeira que sobe e polui a
atmosfera assim como outros resíduos químicos e de qualquer natureza, são os
responsáveis pela aglutinação das moléculas que se transformam em nuvens e
volvem em forma de chuva generosa, limpando as impurezas do ar e da
Natureza...
Incapazes de raciocinar, face às deficiências cerebrais, entenderão pelo Espírito
as determinações soberanas e aprenderão submissão, humildade e honradez
para os futuros embates da evolução." Rogando ainda perdão ao Benfeitor, insisti
no tema, indagando:
- Sofrerão algum tipo de obsessão, face aos desatinos praticados, especialmente
o marquês de Sade?
Imperturbável e acessível, o Mentor elucidou:
- Razões não faltarão para que ele experimente a colheita psíquica da sementeira
de monstruosidades que deixou pelo caminho. Por essa razão, renascerá nos
tormentos da demência, vivenciando também contínua obsessão provocada por
alguns inimigos muito próximos e dos quais não poderá fugir. Essa luta, que
travará em espírito, afligi-lo-á demasiadamente, de forma que, ao libertar-se, ao
concluir a prova, poderá curar-se das aberrações que se lhe encontram fixadas no
ser por largo período e das suas conseqüências degenerativas, aprendendo
retidão e equilíbrio. Ser-lhe-á o ferro em brasa para o cautério da alma aberta em
feridas morais graves. Ela, no entanto, em sua condição de vítima e, mais tarde,
em razão dos desatinos que se permitiu, experimentará também a presença
insidiosa de dois Espíritos rudemente abortados, que a não perdoaram e
aguardam o ensejo de localizá-la, o que conseguirão através da lei de afinidades,
que estabelece a identificação dos semelhantes vibratórios. Nunca nos devemos
esquecer que onde se encontre o réprobo devedor, aí também estará o infeliz
cobrador. Os processos da Justiça Divina seguem métodos de harmonia e de
amor, de forma que ambos os contendores tenham o mesmo ensejo de reparação
e de crescimento interior, de forma que se possam libertar da inferioridade e
alcancem mais elevados patamares da felicidade.
"Desse modo, enquanto os adversários espirituais estarão afligindo-os, em razão
de se encontrarem os pacientes no Lar da Caridade sob a inspiração de Jesus e
recebendo as luzes do conforto moral e da misericórdia que verterá sobre eles,
serão também beneficiados os seus algozes, porque ouvirão as dissertações
espiritistas, receberão as energias saudáveis que serão aplicadas nos enfermos e
os atingirão, vivenciarão uma psicosfera inabitual à que lhes é familiar. O Bem tem
dimensão infinita. Quando alguém acende uma lâmpada, não apenas se ilumina
como oferece claridade a toda uma ampla área. Assim também ocorre com o
brilho da Mensagem de amor que, ao acender os filamentos internos, irradia
luminosidade por toda parte."
Adentramo-nos pela Instituição onde estagiávamos, e a mente esfervilhava de
interrogações, que talvez ficassem sem respostas. Percebendo-me, porém, a
ansiedade de aprendiz, o generoso amigo sorriu e sugeriu-me que apresentasse
novas questões, o que, de imediato, atendi:
- Penso nas ameaças que foram proferidas pelos Espíritos em debandada e
também no atrevimento das hostes que ora sitiam esta nobre Entidade de amor e
de caridade. Quais serão as conseqüências para o ministério aqui desenvolvido?
Terão os companheiros reencarnados condições para enfrentar tão perigosa
trama?
- Caro Miranda - respondeu jovial como sempre, quase sorrindo - convém não
esquecermos que, se as Trevas se organizam para a ação do mal, o Senhor da
Seara vela pela mesma e pelos seus trabalhadores.
Não temos dúvidas de que os companheiros que mourejam nesta Casa,
responsáveis e conscientes das suas ações, perceberão a alteração que se dará
na psicosfera que envolve o seu trabalho por algum tempo. Todos percebemos
quando alguma nuvem tolda, por momentos a claridade do dia, no entanto não
nos preocupamos, porque sabemos que o Sol sempre brilhará, suplantando toda
escuridão. Aqueles que se comprometem a servir com Jesus não ignoram que as
condições nem sempre serão amenas e que os testemunhos estarão sempre
convocando-os à vigilância e advertindo-os dos perigos. Sabem também que, não
obstante o joio enrodilhado às raízes do trigo, ameaçando-lhe a existência e
produtividade, faz parte da plantação que, nem por isso, poderá deixar de ser
realizada.
"Desse modo, os esforços deverão ser redobrados e as atividades mais bem
cuidadas, a fraternidade exigirá maior soma de sacrifícios e o respeito nos
relacionamentos se apresentará como fator de equilíbrio para evitar que os
Espíritos atormentados e infelizes que pululam na sociedade, atraiam-nos à
sensualidade, à perversão, ao desvio dos deveres que lhes constituem a razão de
ser da própria existência. A Benfeitora madre Clara de Jesus adverti-los-á
mediante mensagens de esclarecimentos oportunos através da mediunidade de
Ricardo, despertando os obreiros do Senhor para maior vivência das lições da Boa
Nova em pleno campo de batalha. Posso perceber que serão visitados por
enfermos da alma, da emoção e da mente, como já vem ocorrendo, agora porém,
telementalizados pelos governantes da cidade perversa.
"Nos atendimentos fraternos, aumentará o número dos insatisfeitos e
atormentados do sexo, que vindo buscar socorro, facilmente se interessarão pelas
afeições saudáveis, que tentarão envolver nas suas teias de sedução, gerando
conflitos e sofrimentos, que superados, irão fazer parte das conquistas dos
trabalhadores do Bem. Em muitos lugares, em diversas Instituições voltadas para
a prática do Espiritismo cristão, esses irmãos infelizes induzirão pessoas doentes,
que lograrão desviar por algum tempo outras de bom caráter mas de poucas
resistências morais, comprometendo-as sexualmente a desserviço da harmonia
que preservavam na família, com os seus parceiros, ou na solidão que elegeram
como terapia de reeducação. Tudo, porém, são testes de aprendizagem e
oportunidades de crescimento interior. Não havendo instrumentos de avaliação,
dificilmente se pode aquilatar das condições espirituais dos mesmos. Nesses
momentos, a oração repassada de unção, a caridade em toda e qualquer
expressão, a leitura edificante, a conversação salutar constituirão recursos
preciosos para a manutenção do equilíbrio e para auxiliar os perturbadosperturbadores
no seu processo de recomposição moral."
Silenciou o amigo dos sofredores e olhou em derredor. A algazarra continuava, a
festa da crueldade fazia-se delirante para os infelizes que estorcegavam na luxúria
e no despudor, enquanto os vapores fétidos e morbosos das suas emanações
empestavam o ar em volta da nobre Sociedade.
Após algumas reflexões, o sábio amigo concluiu:
- De alguma forma, todos vivemos momentos de loucura e de perversidade,
enquanto deambulando pelas faixas mais primitivas do processo da evolução,
quando predominam em a nossa natureza os instintos, comprometendo-nos por
largo período, até o momento que, despertando na razão iniciamos o nosso
processo auto-iluminativo. Chegará também o dia para os nossos companheiros
de luta, que se encontram na retaguarda, e não tardará muito para que tal
aconteça. Como vimos, já se iniciaram os expurgos da região infeliz. Logo mais
eles estarão na Terra, repetindo as experiências exaustivas da promiscuidade
sexual até o momento quando o excesso os levará ao cansaço, ao tédio, ao
sofrimento e eles despertarão para os valores reais do Espírito imortal. O império
da sombra lentamente está sendo desmantelado pela luz da verdade que anuncia
Era Nova para Humanidade, que não suporta mais o peso dos sofrimentos e da
falta de paz interior, abrindo-se para novas pesquisas e experiências na busca de
Deus.
"Alegremo-nos, sobremaneira, por fazermos parte daquelas legiões de servidores
de Jesus que estão dando início ao programa que Ele elaborou para o Seu
planeta.
Quanto àqueles companheiros que ficarão, por enquanto, na retaguarda, corações
afetuosos que os seguem de Mais Alto virão buscá-los, como ocorreu com nossa
dona Martina e Mauro, com dona Marie-Eléonere e o marquês de Sade, e a todo
momento se incorporam aos grupos de socorro nas Trevas, a fim de libertarem os
seres amados, que permanecem embriagados de paixões ou perdidos na noite de
si mesmos. Simultaneamente, considerando que O Consolador prometido já se
encontra na Terra, o querido planeta terá como suportar a carga de
responsabilidades dolorosas que lhe cumprirá viver, ajudando a todos na viagem
de ascensão.
De nossa parte, façamos o melhor que esteja ao nosso alcance, certos de que
virão reforços de paz e de luz para o trabalho."
Naquele momento chegavam as pessoas que faziam parte das atividades
doutrinárias da Casa, na condição de ouvintes das palestras educativas. Da
mesma forma, os vários departamentos de assistência espiritual se encontravam
funcionando, com os lidadores do atendimento fraterno, os passistas, os
evangelizadores espíritas que, naquela ocasião, realizavam uma reunião para
futura reciclagem de programas, enfim, os serviços habituais não haviam sofrido
qualquer solução de continuidade. Observei, porém, que eles atravessavam a
psicosfera densa como se fosse uma muralha móvel em torno das fronteiras da
Instituição, e logo rompiam-na pelas entradas de acesso, já que as energias
providenciais que foram trazidas pelas legiões convocadas pela Mentora
conseguiram deixá-las como espaço livre e sem contaminação. Igualmente notei
que alguns desses Espíritos recém-chegados assessoravam alguns enfermos
mediúnicos, cujos obsessores não conseguiam atravessar as defesas magnéticas
colocadas nas vias de acesso. Pessoas outras portadoras de desequilíbrios
emocionais, orgânicos e alguns jovens dependentes de substâncias, químicas
eram amparados desde a parte externa até o amplo salão ou os setores variados
para onde se dirigiam.
Não havia qualquer dúvida que, se os Espíritos perversos se organizam para o
trabalho de crueldade, o Bem perseverante está-lhes muito adiante, prevendo as
ocorrências e apresentando soluções que, inclusive, objetivam resgatá-los da
situação inditosa em que permanecem.
O irmão Anacleto, na sua condição de excelente psicólogo, acompanhou a minha
observação e captou os meus raciocínios, adindo:
- Eu nunca vos deixarei a sós! - disse Jesus - e o que vemos em toda parte é a
confirmação da sua promessa. Através dos Seus prepostos Ele sempre está
conosco, em suave convívio e oferecendo-nos salutares advertências. Agora
entremos, pois que teremos a reunião doutrinária, que precederá ao encerramento
das nossas atuais atividades neste Núcleo de amor e educação.
O labor da noite, no salão repleto de assistentes encarnados e desencarnados, se
circunscreveria a uma exposição doutrinária. O orador destacado seria o médium
Ricardo, cuja palavra rica de conceitos edificantes e de lirismo em torno do
pensamento espírita, sempre atraía muitos interessados, que se comoviam com
as mensagens doutrinárias de que se fazia instrumento. Naquela ocasião,
especialmente reservada pela Mentora para instruções em torno dos futuros
acontecimentos, a sala estava iluminada por energias siderais. A psicosfera,
saturada de energias balsâmicas, desintoxicava os assistentes dos fluidos
deletérios a que se haviam acostumado e que os enfermavam. Espíritos
dedicados ao socorro espiritual igualmente ofereciam apoio emocional e
terapêutico aos que experimentavam parasitose obsessiva. Pude observar que
alguns desses enfermos eram vítimas de hipnose profunda, que lhes bloqueava o
discernimento e a compreensão dos ensinamentos que eram ministrados. O
intercâmbio entre os dois planos da Vida ali se fazia pulsante com preponderância
do espiritual sobre o humano. À medida que as pessoas se acomodavam, suave
melodia se exteriorizava dos alto-falantes criando um ambiente de relaxamento e
de bem-estar. Agitados uns, como decorrência dos labores a que se afeiçoavam,
chegavam cansados, outros irritados, diversos ansiosos, muitos deprimidos, mas
adentrando-se no recinto impregnado de forças reparadoras e curativas
experimentavam, de imediato, compreensível refazimento. Mesmo aqueles que
desconheciam os ensinamentos espíritas e eram visitantes de primeira vez, não
se podiam furtar às vibrações agradáveis que os penetravam, modificando-os
interiormente.
Porque a pontualidade fosse uma das características da Instituição, em respeito
aos valores do tempo e aos compromissos das pessoas, bem como em
consideração aos elevados misteres dos Guias Espirituais, o médium Ricardo e
dois convidados assomaram à mesa diretora e prepararam-se para iniciar o
cometimento relevante.
Lá fora continuava a algaravia dos infelizes e o ensurdecedor ressoar de tambores
e de instrumentos que produziam sons metálicos perturbadores.
Quando foram ligados os microfones para a transmissão interna do estudo da
noite, observei que um trabalhador espiritual colocou também um equipamento
espiritual sobre a mesa e pude perceber que se tratava de um vídeo-transmissor
algo sofisticado para os padrões da época. Sem entender a que se destinava,
acerquei-me do amigo Dilermando e falei-lhe sobre a providência, sendo
esclarecido que havia sido instalado um serviço de projeção para as dependências
externas, objetivando-se alcançar a malta que rebolcava no desvairado sítio à
Instituição.
Labores dessa ordem eram ali já habituais, sendo que, na oportunidade, foram
ampliados os sistemas de transmissão de forma que pudessem superar a
barulheira infernal.
As luzes foram diminuídas e o silêncio fez-se espontaneamente, gerando uma
discreta ansiedade em todos.
Ricardo solicitou a um dos convidados que fizesse a oração inicial, com que
sempre se propicia a abertura de qualquer atividade, em respeito ao Senhor da
Vida e ao Incomparável Messias Nazareno.
O visitante, com muita naturalidade, exorou o auxílio dos Céus, e com palavras
simples, que bem traduziam os seus sentimentos elevados, procurou expressar o
anseio de todos e apresentar as necessidades de iluminação e de paz.
Terminada a prece, vi a veneranda Mentora Clara de Jesus acercar-se do médium
e envolvê-lo em sucessivas ondas de ternura, cujas vibrações alcançavam-lhe os
chakras coronário, cerebral e laríngeo que, imediatamente, passaram a
exteriorizar coloração mui específica.
Os assistentes, acostumados às suas edificantes mensagens, tomados de
peculiar satisfação que decorria da afeição que vigia entre eles e o devotado
trabalhador da Causa de Jesus na Terra, ficaram receptivos ao conteúdo do verbo
libertador.
Notei que diversas Entidades enfermas que se haviam adentrado no recinto
acalmaram-se, e outras que se faziam cobradoras dos seus antigos desafetos
foram discretamente induzidas a sintonizar na faixa do pensamento dominante,
capazes de ouvir as palavras do expositor.
Havia sido realizado todo um trabalho cuidadoso de preparação do ambiente, e
equipes, habilmente programadas para o mister, laboravam continuamente, a fim
de que tudo transcorresse conforme estabelecido pela Mentora espiritual.
23
CONVITES A REFLEXÃO E AO TESTEMUNHO
A viagem de iluminação interior se alonga por um grande percurso, que deve ser
vencido com sacrifício e vontade bem direcionada.
Qualquer tentame de crescimento pessoal é sempre o resultado do querer de
cada Espírito com a contribuição do realizar com denodo, sem o que torna-se
inexequível o progresso. É, portanto, compreensível, que nos ideais de
engrandecimento moral e espiritual das criaturas humanas enfrentem-se lutas
acerbas e obstáculos aparentemente intransponíveis.
Jesus, o Espírito mais perfeito que Deus nos ofereceu como modelo e Guia, não
se eximiu aos testemunhos nem às dores, a fim de ensinar-nos que, se assim
procediam em relação a Ele, o ramo verde da árvore da Vida, que não se faria ao
galho seco e quase inútil, que somos nós?!
- Desse modo, é sempre medida de bom tom e de equilíbrio, precatar-se, todo
aquele que aspira alcançar patamares espirituais mais elevados, contra as
próprias imperfeições e o mal que nele mesmo existe, responsável pelo
acoplamento dos plugs de que são portadores os hóspedes indesejáveis e
perturbadores, encarregados de gerar obsessões.
No clima psíquico de harmonia e expectativa, pois, a que nos referimos em página
anterior, o médium orador deu início à palestra que deveria proferir sob a
telementalização da preclara madre Clara de Jesus.
- Queridos irmãos no ideal espírita - iniciou o médium com doce vibração.
"Paz seja conosco!
"Alargam-se os horizontes do serviço de iluminação de consciências, a que fomos
chamados pela Doutrina Espírita que liberta o ser humano das algemas da
ignorância e da perversidade. As suas propostas edificantes enriquecem as
criaturas com a esperança de felicidade próxima e oportunidades de construção
do bem em toda parte. Transforma-se a paisagem terrestre ante as perspectivas
que se abrem, ampliando o discernimento de todos e a sua faculdade de pensar.
Como conseqüência, caem as muralhas do servilismo e do medo, enquanto a
coragem da fé racional dignifica e estimula ao cumprimento dos deveres elevados
todos aqueles que se deixam penetrar pelos seus incomparáveis ensinamentos.
"Programada para renovar a Terra e oferecer os elementos da lógica e da
experimentação, que faltam a todas as religiões, o Espiritismo, neste momento, é
o cumprimento da promessa de Jesus, em torno de O Consolador que Ele enviaria
aos Seus discípulos, de forma que pudessem ser recordadas Suas lições, que
seriam esquecidas, conforme aconteceu, e ditas coisas novas que (então) não se
podiam suportar, e que tem cabido à Ciência desvendar-lhes os conteúdos
profundos, qual vem sucedendo.
"Sem alarde nem utilização de artifícios mentirosos, o Espiritismo implanta-se com
vigor nas mentes e nos corações, favorecendo a Humanidade com o archote
luminoso da verdade que dilui as sombras que vêm predominando no Orbe,
gerando loucuras e destruição.
"Graças à sua lógica robusta e aos fatos que demonstram a imortalidade da alma,
sua comunicação com os homens e a justiça das reencarnações, convence,
comove e arrebata as pessoas sinceramente interessadas na compreensão dos
fenômenos da vida e na interpretação dos enigmas que se vêm arrastando, sem
explicação, através dos milênios, nos campos da filosofia, da psicologia, da cultura
em geral...
"Face aos seus ensinamentos lúcidos, o homem deixa de ser o herdeiro do
pecado de Adão e Eva, ou o Lúcifer das tradições judaico-cristãs do passado.
Através da revelação dos Espíritos, o processo de evolução é muito mais
complexo do que apresentado no arquétipo bíblico, resultando no avanço
antropossociopsicológico, etapa a etapa, pelos incontáveis mecanismos da vida
até atingir a sua humanidade atual, etapa que o prepara para seguir no rumo do
infinito.
"Diante dele encontram-se as complexas possibilidades de conquistas
incomparáveis, em si mesmo e no mundo externo onde se encontra, de modo a
alcançar as metas da felicidade que o aguarda, e da plenitude a que está
destinado.
"Portador do sublime fanal de erradicar da Terra o mal que nela predomina,
porque os Espíritos que aqui nos encontramos reencarnados, salvadas algumas
exceções, ainda somos primitivos e ignorantes, vítimas do egoísmo e das paixões
mais grosseiras, estamos convocados ao esforço de transformação pessoal para
melhor, modificando impulsos que se tornam sentimentos e estes emoções
elevadas que nos conduzirão às intuições de que desfrutaremos como seres
noéticos que iremos ser. Todavia, para alcançarmos esse sublime objetivo,
quantas lutas e entraves teremos que vencer?!
"Porque se encontrem em vigor o domínio da astúcia e da crueldade, o poder da
força e dos expedientes da traição, que geram amargura e desdita, o Espiritismo,
na sua condição de adversário natural do materialismo, constitui-lhes grave
ameaça que deve ser combatido com denodo e sem cessar.
"Em perfeita vinculação com a Erraticidade inferior, essas mentes que se
refestelam na grandeza ilusória e esses sentimentos que se nutrem dos vapores
mefíticos das Entidades odientas que os dominam, diante dos avanços do
pensamento espírita armam-se de violência e de maldade para tentarem impedir
que se consume o objetivo da renovação do planeta, fadado a alcançar o nível de
mundo de regeneração.
"Os Espíritos, desditosos e falsamente felizes, que se comprazem no campeonato
da insensatez e no intercâmbio contínuo com aqueles que lhes são afins, temem
as conquistas da Doutrina Espírita e levantam-se agora para o grande
enfrentamento, no qual esperam o triunfo, em razão dos instrumentos de combate
com que se equipam para a batalha que já deflagraram. Planos escusos e
métodos arbitrários vêm sendo colocados em prática, objetivando aqueles que se
entregaram à Causa do Bem e se tornaram seguidores do Mestre de Nazaré, a
quem eles detestam e buscam vencer, nas suas alucinadas programações de
doentias perseguições. Tem sido assim através da História essa luta que resultou
na adulteração, interpolação e alteração das palavras de Jesus, na criação de
rituais e hierarquias humanas, em guerras lamentáveis que foram declaradas em
Seu nome, predominando a arrogância e o despudor que os caracterizava, de
forma que a Sua mensagem chegou até os nossos dias profundamente alterada e
os Seus exemplos suspeitos de legitimidade, como decorrência daqueles que se
disseram seus herdeiros históricos... Interferindo psiquicamente nos bastiões da fé
tradicional, deturparam-na, afastando-a das raízes em que pareciam fincar-se,
constituindo-se uma doutrina mais humana que divina, com objetivos mais
terrestres que espirituais...
"De outras vezes, reencarnando-se em massa e adotando a crença religiosa
tradicional, que envergonharam e degradaram mediante conduta obscena e
vulgar, agressiva e anárquica, deixaram marcas de decadência e despudor que
ferem os princípios éticos em que se assentam as verdadeiras construções da
dignidade e do progresso humano.
"Na atualidade, em decorrência de a mensagem provir do Mundo espiritual, e não
dos homens, não possuindo depositários terrestres infalíveis e sendo examinada
pela sua linguagem universal, jamais pelo despautério de arrogantes e
presunçosos líderes que gostariam de ser reconhecidos como os seus
representantes, a luta é mais cruel, porque mais sórdida, de maneira sutil mas
também frontal, de forma que os trabalhadores abnegados não tenham outra
alternativa senão a opção pela perseverança no dever e pelo prosseguimento na
ação libertadora."
O orador fez uma pausa muito oportuna, para a renovação do interesse dos
ouvintes.
O auditório vibrava de emoção acompanhando o raciocínio do expositor. Os
Espíritos desencarnados, mesmo o grande número de turbulentos e infelizes que
foram recambiados e recebiam assistência conveniente, deixavam-se magnetizar
pelo conteúdo da mensagem e experimentavam as vibrações das palavras
impregnadas de segurança e de reflexões sábias. A Mentora da Casa,
visivelmente concentrada e conduzindo o pensamento do seu médium, estava
resplandecente em razão da sua vinculação com Esferas mais elevadas.
Logo após, no mesmo ritmo, o orador prosseguiu:
- Ante a total impossibilidade de adulterar-se os excelentes conteúdos da Doutrina
Espírita, não faltam em muitos indivíduos presunção e prosápia para informações
incorretas, assacando acusações de que a mesma se encontra superada ante as
conquistas do pensamento contemporâneo, em lastimável desconhecimento dos
seus postulados que vêm sendo confirmados pelas Ciências, demonstrando a sua
superior qualidade filosófico-científica ao par dos relevantes ensinamentos éticomorais-religiosos.
Outras tentativas vêm sendo feitas, mediante pretensiosas
anexações de idéias ou postulados pseudocientíficos, que a estariam
completando, ou ainda pela diversificação de pensadores e praticantes, que
dariam margem ao surgimento de correntes personalistas, à maneira de Fulano ou
Beltrano. Simultaneamente, não cessam as tentativas de desfigurá-lo, retirandolhe
a feição religiosa que o vincula a Jesus, no qual se haurem a esperança e a
paz que constituem elementos basilares para a felicidade. Olvidam-se, todos
esses insensatos, que somente existe o Espiritismo, e que o mesmo é aquele que
se encontra exarado na Codificação, nas Obras complementares e na Revista
Espírita, enquanto a dirigiu e editou o insigne mestre Allan Kardec.
"Essas investidas, porém, normalmente não encontram amparo no pensamento
espírita, e após o brilho momentâneo do entusiasmo dos seus criadores e adeptos
fascinados, cedem lugar a novas propostas, qual ocorre em outras áreas da
cultura humana. E o Espiritismo avança conquistando as criaturas para as suas
hostes, tornando-as lúcidas, trabalhadoras do bem e cumpridoras do dever,
avançando na aquisição da felicidade.
"Há, igualmente, uma outra forma de investida contra a Mensagem e os seus
obreiros, que não tem sido deixada à margem pelas falanges do mal. Inspirando
esses grupos referidos, voltam-se, sobretudo, contra os espíritas sinceros e
operosos, que lhes constituem barreira à sementeira da perversidade e da luxúria,
do desequilíbrio e da perversão, do ódio e dos seus sequazes... Em todas as
épocas da Humanidade, os idealistas verdadeiros, os heróis, os santos, os
mártires, os cientistas e pensadores sofreram-lhes a perseguição,
experimentaram-lhes a refrega, que culminava com o seu martírio, o afastamento
das nobres lides a que se dedicavam. Agora reinvestem com vigor, considerando
o desenvolvimento da Doutrina de amor e de libertação, desejosos de erradicá-la
da Terra, mediante o combate aos seus adeptos. Armadilhas soezes, instrumentos
cruéis, técnicas refinadas, aparatos complexos são utilizados para vencê-los,
atraindo-os e dizimando-os nos seus propósitos mais sadios, ou vencendo-os com
as suas sortidas infelizes, mediante intercâmbio doentio e obsessivo, para os
desanimar ou perverter.
"Utilizando-se das próprias falhas do caráter de cada um, das suas dificuldades
morais, dos conflitos e das heranças da conduta pregressa, estimulam-nos ao
retorno às paixões, intensificando o cerco e atirando-lhes pessoas
desequilibradas, que passam a aturdi-los com os seus apelos vis, a sua psicosfera
mórbida, a sua presença desagradável e tóxica. Infelizmente, não têm sido poucos
aqueles que se vêm comprometendo com os distúrbios que se permitem, para
logo tombarem no remorso, no despertamento tardio e de conseqüências
nefastas. Todo o cuidado, pois, é pouco, exigindo maior vigilância dos sinceros
obreiros da Era Nova, que se devem revestir de paciência e de coragem para
enfrentar os desafios perversos que se apresentam, dourados uns, afligentes
outros, sempre com a mesma finalidade de distraí-los e afastá-los das fileiras do
dever. Qualquer comprometimento negativo, na conjuntura, significa ameaça à
reencarnação que marcha exitosa e pode periclitar nos seus resultados, face à
aceitação desses programas de desvirtuamento dos propósitos abraçados.
"Discussões inoperantes, rixas e impertinências, queixas e intrigas, maledicências
soezes e calúnias bem elaboradas, vinganças covardes e mentiras que surgem da
fantasia dos mais sonhadores e frívolos, são recursos utilizados pelos técnicos
das Legiões das Trevas, aplicados nos Núcleos humanos e, especialmente, nas
Entidades da Fé libertadora.
Mais do que nunca se fazem necessários a compreensão fraternal, a
solidariedade dignificadora, o trabalho de renovação interior, o concurso do perdão
e da compreensão das falhas do próximo, a necessidade da oração e da
paciência.
Trata-se de uma guerra, cujas batalhas esses Espíritos pretendem vencer, uma a
uma até o momento final. Olvidam-se porém, que uma ou outra luta conquistada,
não consegue dar-lhes a palma da vitória, porque, por outro lado, Jesus vela, e as
Entidades nobres, os Guias espirituais da Terra e dos seus filhos encontram-se
vigilantes e operando também. Se ocorrem deslizes e delitos, quedas e defecções,
é porque aqueles que incidem ou repetem os erros, distraem-se, não valorizando
os deveres conforme lhes compete. Como não há violência na governança do
amor, todos têm o direito de utilizar-se do livre-arbítrio, até mesmo para
comprometer-se, mas terão ensejo de reparar, recomeçar e libertar-se."
Novamente o expositor, que se apresentava pálido e mediunizado, silenciou, a fim
de permitir que as palavras ressoassem na acústica das almas e ficassem
registradas com segurança, dando prosseguimento:
- Nossa Instituição vem hospedando nobres Espíritos dedicados à terapia em
torno dos problemas espirituais do sexo e da obsessão através das forças
genésicas, e eles vêm conseguindo desbaratar uma Organização no Além-Túmulo
dedicada à degradação e à obscenidade, onde se homiziam centenas de milhares
de seres enlouquecidos pelas arbitrárias condutas morais, que se vêm refletindo
no comportamento humano. Outrossim, estão trazendo à reencarnação alguns
daqueles que se tornaram líderes e vítimas das situações mais lamentáveis, ao
tempo em que um grande número de atormentados irão volver ao proscênio
terreno com as marcas do vício e dos desplantes íntimos, que espocarão no futuro
na conduta da nova geração, que se dedicará ao culto do corpo e do sexo, em
desprezo às demais faculdades orgânicas e mensagens da vida.
No momento, dá-se uma reação em cadeia na área espiritual inferior em que se
encontram os Chefes que, sentindo-se prejudicados, tomaram providências para
vingar-se, atacando-nos a todos de forma cruenta, tramando planos de destruição
do nosso trabalho e interrupção das nossas tarefas. Não serão medidos esforços
para conseguirem os resultados que esperam, competindo-nos advertir a todos,
convidando os corações amigos à reflexão, à prece, à paz.
"Certamente somente nos sucede aquilo que merecemos ou que é de melhor para
o nosso crescimento espiritual. Como ignoramos a própria fragilidade e os débitos
que nos assinalam o passado espiritual, mesmo sob a tutela dos Anjos da
caridade e do amor, que são os nossos Benfeitores espirituais, poderemos deixarnos
seduzir pelos ardis e provocações colocados em pauta. Em razão da
predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual, tornâ-mo-nos alvos
de fácil alcance para as flechas da sua maldade, que certamente nos atingirão e
poderão levar-nos à debacle. Somente conseguiremos o êxito dos nossos
compromissos se permanecermos unidos, se dialogarmos quando algo não estiver
correspondendo à expectativa, se discutirmos nossos propósitos, se nos
ampararmos uns nos outros, se conseguirmos desculpar-nos sinceramente e
distendermos mãos amigas, porque uma vara só é fácil de ser arrebentada, não
porém, um feixe delas, conforme nos disse Jesus.
"Teremos momentos de muitas dificuldades e de dores morais que estão inscritos
em nossos mapas reencarnacionistas como recurso para o nosso equilíbrio e em
favor da nossa transformação moral para melhor, se soubermos bem administrar
as ocorrências desagradáveis e angustiantes. Simultaneamente também,
experimentaremos a ufania e o êxtase, toda vez que nos vencermos, que
superarmos os impulsos do mal, que ultrapassarmos as barreiras da dificuldade e
que nos dispusermos a socorrer e construir o bem em toda parte, não obstante as
lutas renhidas. Enquanto nos encontramos no corpo físico somos viajantes em
perigo. A vitória somente poderá ser considerada após conquistado todo o
percurso e chegarmos à meta para onde nos dirigimos.
"Assim, não estranhemos problemas nem testemunhos, antes enfrentemo-los
alegres pela honra de estarmos a serviço de Jesus no mundo, construindo a Era
Melhor do Espírito Imortal.
"Os nossos resgates são impostergáveis. Desse modo, rejubilemo-nos pela
oportunidade de nos reabilitarmos através da ação benéfica, ao invés de ser por
meio de enfermidades dilaceradoras ou degenerativas, que nos poderiam reter no
leito em processo de recuperação necessária. Mediante o amor e a caridade, o
auxílio mútuo e o trabalho em favor do progresso, desalgemar-nos-emos do ontem
escravizador e avançaremos com pés ligeiros em direção do futuro abençoado.
"Nunca temamos! Jesus está no comando e espera apenas que lhe sejamos
dóceis à voz, atendendo-lhe ao chamado, que nos chega por intermédio dos Seus
elevados mensageiros espirituais. Confiantes no triunfo que nos espera, demo-nos
as mãos, continuemos no labor que nos dignifica e que dá sentido às nossas
existências corporais.
"Brilhe a vossa luz - propôs-nos o Mestre. Acendamos a claridade do amor
incondicional em nosso mundo íntimo e deixemos que brilhe a luz da misericórdia
em toda parte, irradiando-se de nós como bênção da vida em favor de todas as
vidas.
"Que o Senhor da Vida a todos nos abençoe!"
Um suave perfume de rosas em sucessivas ondas invadiu o salão, sendo
percebido pelos presentes de ambos os planos, que se encontravam
emocionados, reconhecidos a Deus.
De imediato, foi proferida a prece de encerramento das atividades da noite, dandose
continuidade aos labores de atendimento fraterno, de conversação edificante,
de instruções aos novatos que ali foram por primeira vez.
Mirífica luz se expandia do salão, exteriorizando-se pelas paredes, que não lhes
constituíam impedimento, enquanto suave melodia dulçurosa e repousante enchia
o ar.
Magnetizadas pela palavra edificante e tocadas nas responsabilidades, as
pessoas presentes começaram a afastar-se buscando os lares, sem ocultarem o
júbilo e a esperança.
As lutas poderiam ser cruas, mas as resistências estariam fortalecidas pelas
vibrações que procedem de Deus, permitindo que todos pudessem usufruir da
felicidade inaudita do crescimento interior com os olhos postos no futuro espiritual
de plenitude.
24
DESPEDIDAS
Madre Clara de Jesus não ocultava a satisfação ante o efeito da conferência de
esclarecimento e o convite aos membros da Instituição que dirigia, face à
necessidade de cumprimento do dever e da responsabilidade que lhes dizia
respeito.
Acompanhamos o médium Ricardo, que agora se iria dedicar ao diálogo com as
pessoas selecionadas pelo Atendimento fraterno, para o esclarecimento e o
socorro que necessitavam.
Embora houvesse proferido uma conferência sob a direção da Mentora, não
apresentava qualquer sinal de cansaço físico ou mental, antes, pelo contrário,
estava com imensa disposição íntima de servir e de atender os nautas que
tombaram na travessia das ondas do encapelado oceano da existência ou que se
encontravam em grave situação de risco. O sorriso jovial ornava-lhe os lábios e
todo ele irradiava simpatia e bondade.
Assim se deve atender às criaturas necessitadas, necessitados que, de alguma
forma, somos todos nós ante os Celeiros de Bênçãos da Divindade.
A movimentação na Casa era grande, particularmente por Entidades espirituais, à
medida que diminuía a presença das pessoas físicas, que retornaram ao ninho
doméstico, exceção feita aos que continuavam no labor.
Irmão Anacleto, que nos acompanhara à sala de atendimento espiritual em que se
encontrava Ricardo, deu-me um sinal para que voltássemos ao recinto onde se
procediam aos experimentos mediúnicos e que nos servira de laboratório para o
programa que nos trouxera à Terra.
Informou-nos que, logo mais, deveriam ser encerrados os labores pertinentes ao
programa de assistência ao padre Mauro, e que desencadeara todo o processo de
atendimento a outros Espíritos que se lhe vinculavam.
Esclareceu-nos que aguardaria o encerramento total das atividades humanas na
Instituição que nos albergava, a fim de estarem presentes o médium Ricardo e
outros amigos que participaram dos labores abençoados, agora em fase final,
enquanto o futuro se encarregaria de dar curso ao desdobramento das ações
iluminativas a que todos se vinculavam.
Permaneci com Dilermando, o companheiro discreto e quase silencioso que viera
conosco, que também se encontrava emocionado ante as ocorrências felizes de
que participara.
E enquanto aguardávamos o momento próprio para as despedidas e o
encerramento do labor, resolvemos considerar o problema das perseguições que
procedem de ambos os lados da Vida contra os espíritas.
- Penso de maneira segura - informou-me o amigo - que inúmeros espíritas atuais
são muitos dos cristãos de ontem que se emaranharam em cipoais de
desequilíbrio e de malversação de valores morais. Convidados ao Cristianismo
através dos tempos, deixaram-se consumir pelas perplexidades e destrambelhes
emocionais, resultantes dos instintos e do estado de primarismo em que ainda se
encontravam.
Assumiram compromissos com a Mensagem de Jesus e, ao invés de utilizá-la
para dignificar as criaturas, tomaram-na como mecanismo de autopromoção e de
vitória sobre os outros, criando situações muito embaraçosas para si mesmos.
Não poucos buscaram os monastérios, conventos e o sacerdócio para melhor
servirem, e, atormentados, estabeleceram critérios infelizes e leis arbitrárias para
usurpar o poder temporal, que deixaram quando o corpo sucumbiu. Assumiram
Paróquias e Ordens, Instituições e Entidades nas quais se consideravam
inatingíveis, mas a morte não os poupou, arrebatando-os iludidos e enfermos,
para posterior despertar no mundo espiritual em estado lastimável... Por
nimiedade do amor de Jesus, foram recambiados ao corpo, com oportunidade de
reencontrar a Mensagem que defraudaram, agora renovadora e lógica, a fim de se
recuperarem dos gravames e servirem com abnegação, conseguindo a paz que
atiraram fora.
"Ainda equivocados, vivendo o ressumar de memórias do passado, após o
deslumbramento inicial com a lição espírita que buscaram assimilar, vêm tentando
repetir os mesmos descalabros do pretérito, encarcerando-a em fórmulas e em
métodos pessoais, a fim de se manterem acima dos demais, ou fazem-se
intolerantes, exigentes, críticos contumazes uns dos outros, tornando-se, nas
Sociedades Espíritas que dirigem, verdadeiros e arbitrários donos das Instituições,
que pretendem sobrepor às demais, como ocorreu nas antigas Paróquias em que
se comprometeram...
"Inevitavelmente, aqueles que lhes foram vítimas e que os não perdoaram,
inspiram-nos à repetição da insensatez, tentam afastá-los do culto do dever, e
quando são abnegados, insistindo no bem proceder e no desincumbir-se com
fidelidade dos compromissos, agridem-nos, perseguem-nos, tentam obsidiá-los,
gerando clima insustentável à sua volta."
Aquietou-se um pouco, repassou o olhar pela sala onde já se encontravam alguns
convidados do irmão Anacleto, e prosseguiu:
- Não me cabe julgamento pejorativo ou depreciativo, mas uma análise em torno
do que venho observando em determinados arraiais do Movimento Espírita,
quando alguns amigos que deveriam pautar a conduta pela cordura e bondade,
pelo devotamento e pela fraternidade, se afastam dessas diretrizes para se
tornarem verdadeiros déspotas em relação àqueles que exigem se lhes
submetam, ou opinam com ênfase de donos da verdade, exigindo sempre direitos
e licenças que negam aos demais. São intolerantes em excesso, acusadores
impiedosos, maledicentes contumazes e vivem sempre atormentados pelo mau
humor, nesse estado emocional, não obstante divulgando a Doutrina da felicidade
e da alegria de viver. É paradoxal que assim se comportem.
"Não é, portanto, de estranhar, que estejam sempre assessorados espiritualmente
por Entidades vulgares - pois que se recusam ao conforto da oração, que
consideram equipamento dispensável - perversas umas e vingadoras outras, com
as quais sintonizam - já que não participam das atividades mediúnicas, que
consideram ultrapassadas, e quando o fazem estão ainda buscando o que
denominam como fatos de laboratório - tornando-se títeres das suas manobras
infelizes.
"Normalmente compadeço-me desses companheiros que permanecem
equivocados, divulgando as notícias do Mundo espiritual, em que parecem não
acreditar, já que se comportam de maneira inadequada em torno da imortalidade
da alma e da justiça das reencarnações. É como se ignorassem que irão despertar
com o patrimônio acumulado e as conquistas realizadas, não se podendo furtar à
presença da consciência que, então desperta, apresentará os fatos de maneira
vigorosa, exigindo reparação, nesse momento impossível, abrindo espaço para a
consciência de culpa, suplicando retorno à Terra imediatamente, o que já não será
tão fácil de conseguir... Invariavelmente oro por esses amigos e confrades,
tentando, não poucas vezes, despertá-los para a realidade que o Espiritismo lhes
apresenta e convidando-os à renovação íntima, à humildade, à caridade, à
misericórdia em relação ao seu próximo. A desencarnação desses irmãos é
sempre dolorosa, porque, em muitas ocasiões, dão-se conta da ocorrência e
gostariam de mudar, não havendo mais tempo para consegui-lo.
"Que lhe parece?"
Convidado diretamente ao assunto, não tergiversei em anuir ao pensamento do
querido amigo, dizendo-lhe:
- Não há muito, publicamos um livro(*) abordando um tema equivalente, em torno
da desencarnação de alguns espíritas que não estavam preparados para o
retorno.
___
* Tormentos da Obsessão - psicografado pelo médium Divaldo P Franco, 1ª ed.
2001. Livraria Espírita Alvorada Editora. (Nota da Editora.)
319
"
O conhecimento do Espiritismo aumenta a responsabilidade do indivíduo, porque
dá-lhe os instrumentos hábeis para a transformação íntima para melhor,
demonstrando-lhe a continuidade da vida após a morte física e os resultados que
advêm da conduta mantida antes da desencarnação. Dessa maneira, a Doutrina
tem por meta libertar o ser humano da ignorância e do mal, abrindo espaços para
a instalação do bem e do conhecimento que felicita, ao tempo que impulsiona à
ação dignificadora, através da qual é possível a paz com a própria consciência.
Não basta saber, torna-se imprescindível aplicar de maneira útil o conhecimento
que possa auxiliar o próprio como o progresso da sociedade.
Reflexionei um pouco, arrematando idéias, e continuei:
- Também penso que a maioria de nós, os espíritas, encarnados ou
desencarnados, transitamos tanto pela Igreja de Roma como por aquelas que se
originaram na Reforma Luterana, nas quais deveríamos dignificar a mensagem de
Jesus, havendo agido de maneira totalmente contrária. Utilizamo-nos da expansão
da fé católica, assim como da protestante, para impor as nossas paixões pessoais
e perseguir aqueles que tinham o direito e a liberdade de pensar diferente,
acusando-os de hereges ou de adversários da fé, apenas para conseguirmos mais
poder, que o túmulo consumiu. Não pequeno número de Espíritos, ao inverso, ali
encontraram a oportunidade de crescimento e de iluminação, deixando marcas
sublimes na História, vivendo incomparáveis lições de beleza, renúncia e amor,
com que conquistaram a Humanidade. Aqueles que tombaram nos delitos foram
vítimas de si mesmos, das suas arbitrárias posturas e falácias que nos
enovelaram ao despotismo e à loucura que projetaram para o seu futuro espiritual
efeitos dolorosos que hoje carpimos e sofremos, embora desejando realmente
servir e acertar.
"Acredito também, que os companheiros mais empedernidos e exigentes, ainda
enganados quanto à função do Espiritismo, que tem por meta prioritária iluminar
aquele que lhe adere às proposituras, antes que cuidar de salvar os outros, são
fracassados religiosos que se destacaram na Cúria ou na paróquia, no templo de
fé que dirigiram e retornam com a ilusão de que ainda se encontram dominando
as mesmas. Somente o tempo, esse trabalhador infatigável, para fazê-los
despertar sob os camartelos do sofrimento purificador que a todos nos alcança.
"Merecendo-nos, todos eles, o melhor carinho e respeito, apenas lamentamos o
fato de não se estarem beneficiando realmente da Doutrina Espírita, que é o Sol
da Nova Era. Bem-aventurado, portanto, todo aquele que, tomando da charrua
não olha para trás, conforme o ensinamento do Mestre. Envolvamo-los, a todos,
em paz e confiança em Deus, aguardando o momento do despertar de cada um,
qual ocorreu conosco mesmos, agora conscientes das responsabilidades que
abraçamos em lúcido aproveitamento do tempo que urge..."
No silêncio, que se fez natural, comecei a repassar mentalmente a recente
experiência terrena, quando, militando no Movimento Espírita, pude vivenciar as
observações apresentadas pelo caro Dilermando. Aqueles eram dias heróicos,
que denomino os dias das catacumbas, quando a adoção da Doutrina constituía
um verdadeiro desafio às denominadas regras da sociedade, devendo-se pagar
um alto preço de renúncia, de silêncio e de abnegação... Mesmo naqueles já
distantes dias, em número reduzido que éramos, ao invés de uma legítima união
grassava entre nós o escalracho destruidor e perigoso, as suspeitas e acusações
infundadas, exigindo serenidade e amor em relação aos irmãos invigilantes. É o
ônus que o ser humano paga pela honra de abraçar ideais de enobrecimento e de
dignificação espiritual.
Hoje, mudaram, sim, os tempos, sob um aspecto, já não se sofrendo pública
discriminação nem perseguição ostensiva, quando se abraça o Espiritismo, no
entanto prosseguem os mesmos desafios, e torna-se indispensável a contribuição
do testemunho, da fidelidade, por parte daqueles que, tocados pelo Espírito do
Cristo e fascinados pela mensagem espírita, adotam a fé racional e pura que os
comove e arrebata. Ainda, durante muito tempo, serão necessários os exemplos
de coragem e de abnegação em todos os segmentos sociais e áreas do
pensamento, por parte dos heróis e dos idealistas, para que as mensagens nobres
se implantem nos corações humanos e transformem a sociedade que necessita de
diretriz e de segurança para alcançar o objetivo da harmonia e do equilíbrio, da
justiça e da paz.
As horas haviam-se passado com celeridade, e quase não me dera conta, face ao
mergulho nas reflexões íntimas.
Pui despertado para a realidade, quando o irmão Anacleto esclareceu que ali
estavam alguns dos membros do projeto a que nos afeiçoáramos nos últimos dias,
tornando-se necessária a adoção de medidas finais para o cometimento.
Madre Clara de Jesus trouxera o médium Ricardo, mediante o parcial
desprendimento do corpo físico; Dona Martina se apresentava com o filho,
exteriorizando grande alegria, enquanto o jovem padre Mauro expressava
confiança em Deus, com o semblante asserenado após as tempestades que
sofrera, também se encontrava o amigo Felipe e a nossa caravana.
Pairavam no ar doces harmonias e expectativas de paz. O irmão Anacleto tomou a
palavra, e, sinceramente emocionado, agradeceu à veneranda Mentora da
Instituição que nos servira de ninho de repouso e de oficina de trabalho. Suas
palavras eram ungidas de vibrações de reconhecimento que nos tocavam
profundamente o coração. A nobre Entidade sorriu, generosa, e disse-lhe:
- Esta é a Casa de Jesus na Terra, à semelhança de muitas outras, que está
aberta para o bem e a caridade sem fronteiras, sem discriminação de crenças ou
de ideais, desde que todos voltados para a verdade e para o progresso da
Sociedade. Honrados pela oportunidade do serviço, somos nós aqueles que
agradecemos, reconhecidos ao Mestre Infatigável que nos tem guiado, e ao Pai
Excelso que nos ama.
Constituir-nos-á sempre uma bênção poder receber os trabalhadores da última
hora na tarefa do amor incondicional. Tenham aqui a continuação do seu lar,
sempre aberto para todos os corações.
Dona Martina e Mauro acercaram-se, beijaram a mão do Benfeitor, e a doce
genitora disse:
- Sei que muitas lutas aguardam pelo filho bem amado no processo de
restabelecimento interior e de renovação espiritual. No entanto, confiado no
Senhor da Vida e na bondade dos Guias espirituais, ele há de alcançar a paz de
que necessita para ser feliz. Deus o abençoe, nobre Mentor!
O irmão Anacleto sorriu e passou-lhe a mão sobre a cabeça, por sua vez beijando
também a sua destra.
Mauro, sensibilizado até às lágrimas, não pôde traduzir as emoções. Foi o Guia
espiritual quem lhe disse:
- Avance em paz, meu filho. Os caminhos da libertação multiplicam-se por toda
parte. Jesus, porém, é o Caminho de segurança. Trilhe por ele, certo da vitória
final. Não se deixe atormentar pelo que cometeu de errado, antes se inspire na
alegria do bem que pode fazer em favor de si mesmo e daqueles a quem, por
acaso, haja prejudicado. O Sol aparece após as sombras sempre novo e
iridescente. A caridade será o seu celeiro de bênçãos, que você poderá multiplicar
ao infinito.
Não tenha medo e entregue-se com ardor ao dever. A altitude de uma alma é
medida pela sua atitude perante a vida. Ascenda no rumo da Grande Luz, e
alcançará a altitude máxima utilizando-se das atitudes saudáveis e nobres.
Sem mais delongas, o Mensageiro explicou:
- Aqui chegamos, há poucos dias, com um grave compromisso em pauta, que a
misericórdia de Deus nos permitiu concluir com os melhores propósitos para o
futuro. Todos aqueles que se encontravam envolvidos no programa de ação
receberam o atendimento adequado e têm diante de si os descortines do futuro,
que lhes cabem conquistar. Nunca lhes faltarão o socorro no momento próprio,
nem as forças para o prosseguimento das realizações em marcha.
O Senhor
nunca nos abandona, e da mesma forma como nos tem assistido até hoje,
oferece-nos o Seu auxílio para amanhã. Fitando o horizonte iluminado,
avancemos todos da treva na direção do fulcro luminoso. Impedimentos,
problemas e dificuldades fazem parte do processo de crescimento espiritual de
todos nós, nunca devendo provocar-nos receio ou desvario. São eles que nos
ajudam no desenvolvimento dos preciosos recursos que nos jazem adormecidos,
esperando os estímulos próprios para se apresentarem. Portanto, agradeçamoslhes
a presença em nosso caminho e não nos detenhamos, quando venham a
surgir, mesmo que de forma ameaçadora. Quem receia a luta e se detém a pensar
demoradamente nela, já perdeu excelente oportunidade de avanço. Nem a
intemperança, a precipitação, muito menos o excesso de cuidados para o combate
ou o acúmulo de reflexões para a luta. Oportunidade é bênção que deve ser
aproveitada com sabedoria.
"Aproxima-se o momento de retornar aos quefazeres habituais em outra Esfera de
ação, porém sob o comando do Mestre Jesus.
Agradecemos a todos que cooperaram conosco, oferecendo-nos apoio e bondade,
serviço e companheirismo."
Demonstrando emoção acentuada, na qual transpareciam a felicidade e o anseio
por mais servir, o Mentor orou:
Mestre Incomparável!
Ensinaste-nos que tudo quanto pedíssemos ao Pai orando, Ele nos atenderia.
Pedimos e fomos atendidos. Agora, quando encerramos o compromisso que nos
confiaste, tudo eram expectativas, embora a certeza dos resultados opimos.
Confiados no Teu auxílio, não receamos enfrentar o mal nas Trevas, nem nos
afligimos ante as ameaças dos maus, que ainda não travaram contato contigo.
Investiste em nós, e apesar de sermos servos imperfeitos, procuramos
corresponder à confiança, não obstante, reconhecemos, pudéssemos haver sido
melhores servidores, conseguindo desobrigar-nos com respeito e devotamento do
dever que nos foi conferido.
Os irmãos equivocados receberam o nosso melhor carinho, sem qualquer
reproche, conforme Tu fazias, e agora estão sendo encaminhados para novos
tentames no futuro corpo físico ou no prosseguimento da reencarnação em que
alguns se encontram.
Em tudo, foi possível realizar o melhor, porque não Te afastaste de nós em
momento algum, inspirando-nos e orientando-nos em todos os passos.
Agora, quando a tarefa que nos coube, se encerra, desejamos louvar-Te e
agradecer-Te, suplicando-Te que prossigas amparando-nos nos programas do
porvir, porque somente Tu possuis o poder, a glória e a vida eterna.
Despede-nos, pois, Amigo Excelso, abençoando-nos.
Quando silenciou, todos tínhamos os olhos orvalhados de lágrimas que não se
atreviam a escorrer pela face.
Despedimo-nos dos amigos queridos, e, após repassarmos os olhos pelo recinto
onde coletamos muitas dádivas e aprendemos inolvidáveis lições, saímos na
direção da porta principal acolitados pela Mentora e o seu médium, mais alguns
outros amigos, e rumamos para a nossa Comunidade espiritual.
Olhando a Terra, que diminuía a distância, na proporção que avançávamos, podia
ver a luz do Sol no outro hemisfério dando-lhe uma forma e um curioso aspecto
lunar. Ali, no planeta querido, estavam as nossas aspirações futuras,
permaneciam muitos afetos que a morte não diluíra e aguardavam em forma de
expectativas para as nossas possibilidades de retorno futuro para o autoaprimoramento
espiritual.
POSFÁCIO DA EDITORA
A CIDADE ESTRANHA
(Extraído da Folha Espírita - Janeiro/1990) Karl W. GOLDSTEIN
Em 1959 ficamos conhecendo o Newton Boechat.
Ele acabara de findar um roteiro
de palestras e, passando por São Paulo, aproveitou a oportunidade para visitarnos,
iniciando então um relacionamento amistoso conosco, o qual tem durado até
os dias de hoje, cada vez mais firme e cordial.
Naquela ocasião ouvíamos interessados, as informações muito atualizadas que o
Newton nos comunicava sobre o momento espírita, e particularmente, a respeito
de seu convívio com o grande médium de Pedro Leopoldo: Chico Xavier.
Newton Boechat esteve recentemente no Instituto Brasileiro de Pesquisas
Psicobiofísicas (IBPP), para uma breve visita, dia 16 de janeiro de 1989, às 14h,
em companhia do Prof. Apoio Oliva Filho e sua digna esposa, d. Neyde Gandolfi
Oliva. Nessa oportunidade aproveitamos para relembrar o nosso primeiro encontro
ocorrido há trinta anos. Pedi ao Newton que tornasse a contar o episódio que lhe
fora revelado por Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, e que ele me transmitira
naquela ocasião em que nos vimos pela primeira vez. Os que conhecem o Newton
são testemunhas de sua notável memória. Aproveitamos então, para obter a
gravação do seu depoimento e conservá-lo, mais fielmente, para a posteridade e
para os arquivos do IBPE. Eis uma súmula do que nos foi informado pela segunda
vez.
Newton Boechat iniciou explicando que inúmeros fatos têm sido contados por
Chico Xavier, em caráter íntimo, aos amigos e que, na ocasião, algumas vezes
não era oportuna a sua revelação ao público. Entretanto, com o passar do tempo,
tais confidências foram-se tornando livres de censura e poderiam ser dadas a
conhecer, sem quaisquer inconvenientes. Assim, por exemplo, quando Newton
estivera com Chico Xavier, em 1947, na cidade de Pedro Leopoldo, o livro
intitulado No Mundo Maior tinha sido recentemente psicografado por aquele
médium (mais precisamente, terminou de recebê-lo em 25 de março de 1947).
Nesse livro há capítulo versando sobre o sexo (Cap. XI). Cerca de 30% da matéria
desse capítulo, recebido psicograficamente, tiveram de ser suprimidos, para não
causar reações negativas, devido aos preconceitos ainda vigentes em nosso meio
naquela época. Somente mais tarde, puderam vir a lume livros que abordaram um
tanto livremente as questões ligadas ao sexo.
Mas o episódio que Newton ficou sabendo foi-lhe relatado justamente logo após o
Chico Xavier haver recebido o livro No Mundo Maior, aproximadamente há uns 41
anos. Em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, havia um bambuzal onde o médium
costumava passear e conversar com os amigos que o procuravam.
Foi ali que o Chico revelou o caso ao Newton. Ei-lo:
"Em um dos constantes desdobramentos astrais ocorridos com o nosso médium
maior, durante o sono, Emmanuel conduziu o duplo-astral de Chico Xavier a uma
imensa cidade espiritual, situada na região do Umbral. Esta lhe pareceu
extremamente inferior e bastante próxima da crosta planetária.
Era uma cidade estranha não só pelo seu aspecto desarmônico e antiestético,
como pelas manifestações de luxúria, degradação de costumes e sensualidade de
seus habitantes, exibidas em todos os logradouros públicos, ruas, praças, etc.
Emmanuel informou ao Chico que aquela vasta comunidade espiritual era
governada por entidades mentalmente vigorosas porém negativas em termos de
ética e sentimentos humanos. Eram estes maiorais que davam as ordens e
faziam-se obedecer, exercendo sobre aquelas entidades um poder do tipo da
sugestão hipnótica, ao qual tais Espíritos estariam submetidos, ainda mesmo
depois de reencarnados.
Pelas ruas da referida cidade estranha, desfilavam, de maneira semelhante a
cordões carnavalescos, multidões compostas de entidades que se esmeravam em
exibições de natureza pornográfica, erótica e debochada. Os maiorais eram
conduzidos em andores ou tronos colocados sobre carros alegóricos, cujos
formatos imitavam os órgãos sexuais masculinos e femininos.
Uma euforia generalizada parecia dominar aquelas criaturas, ou mais
apropriadamente, assistia-se a uma "festa de despedida" de uma multidão
revelando a certeza da aproximação de um fim inexorável, que extinguiria a
situação cômoda até então usufruída por todos. De fato, aqueles Espíritos, sem
exceção, haviam recebido um aviso de que estava determinado, de maneira
irrevogável pelos "Planos da Espiritualidade Superior", o seu próximo reingresso à
vida carnal na Terra. A esse decreto inapelável não iriam escapar nem os próprios
maiorais."
ALGUNS ANOS SE PASSARAM
O relato de Newton Boechat fora-nos transmitido aproximadamente dez anos
depois do seu bate-papo com Chico Xavier, em Pedro Leopoldo. Na ocasião em
que o ouvimos, o fato causou-nos uma forte impressão e pudemos gravá-lo bem
na memória.
Cerca de doze anos se passaram depois que o Newton nos fez esta revelação.
Lembramo-nos, de que ainda trabalhávamos em uma divisão do DAEE, em São
Paulo.
Um dos nossos colegas havia regressado de uma viagem de férias. Ele estivera
nos países do norte da Europa e surpresíssimo, vira em bancas de jornais, em
algumas capitais, revistas pornográficas expostas à venda livremente.
Impressionado com aquela novidade, ele adquiriu algumas revistas e trouxe-as,
para mostrar aos amigos o que se estava passando naqueles países
"ultracivilizados".
No dia em que nosso colega recomeçou a trabalhar, ele nos mostrou as tais
revistas. Imediatamente, lembramo-nos do episódio que nos fora revelado por
Newton e, inadvertidamente, deixamos escapar uma expressão que nenhum dos
nossos colegas entendeu: "Oh! Eles já estão aí!"
Realmente percebemos imediatamente que aquelas revistas deviam ser um dos
sinais típicos do reingresso daqueles Espíritos que jaziam nas zonas do Baixo
Astral, na corrente da vida terrena. Com eles viriam mudanças profundas nos
costumes da humanidade: a licenciosidade, as "músicas" ruidosas e
desequilibrantes, a rebeldia dos nossos filhos, a instabilidade das instituições
familiares e sociais, e, finalmente, o que presenciamos, hoje em dia, com o
recrudescimento da criminalidade e da insegurança, além do cortejo de outros
inúmeros problemas com os quais se defrontam as criaturas humanas, neste
atribulado fim de século.
CONCLUSÃO
É elementar e poucos ignoram que a História da espécie humana se apresenta
pontilhada de períodos de grandes crises, seguidos de fases de prosperidade e
reequilíbrio. É semelhante a uma sucessão de ciclos que se desenvolvem como
uma espiral em constante ascensão. Há um lento progredir apesar dos episódios
negativos. Provavelmente, os "Planos Superiores da Espiritualidade"
velam pela
humanidade, dosando sabiamente os "ingredientes" injetados na corrente da vida:
a par dos espíritos rebeldes, reencarnam também aqueles que lutam pelo Bem,
pela Ciência e pelo aperfeiçoamento do homem.
Não percamos a esperança...
*
Correio Didier - Março/abril de 1998 - Ano II - n° 3. Nota da Editora.
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"
Um ensinamento edificante é bênção em
qualquer lugar. Uma lição espírita é
luz no caminho."
Joanna de Ângelis/ Divaldo Franco
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Manoel Philomeno Batista de Miranda nasceu aos quatorze dias do mês de
novembro de 1876, em Jangada, município do Conde, no Estado da Bahia, sendo
seus pais Manoel Batista de Miranda e Dona Umbelina Maria da Conceição.
Convertido ao Espiritismo na cidade de Alagoinhas-BA pelo médium Saturnino
Favila, em 1914, que o curou de grave enfermidade. Conheceu José Petitinga, na
Capital, começando a frequentar as sessões da União Espírita Bahiana, fundada
em 1915.
Exerceu vários cargos na União, sendo eleito presidente pela Assembleia Geral
pela desencarnação de José Petitinga.
As suas atividades doutrinárias foram direcionadas para as questões da obsessão
e desobsessão.