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A obra de Chico Xavier - Considerações sobre sua biografia autorizada
Por Silvia Oliveira
O livro de Marcel Souto Maior intitulado As Vidas de Chico Xavier
(segunda edição – 2002) é uma biografia para a qual, além do médium,
Deus teria dado autorização (pag.17). A obra descreve as relações entre
Chico e seu mentor Emmanuel.
De acordo com o
autor, em 1931, Chico Xavier teve suas orações interrompidas pela
visita de um espírito de figura imponente que lhe perguntou se estava
mesmo decidido a trabalhar na mediunidade. Aceitou, e a tutela se
estabeleceria mediante o cumprimento de três pontos básicos:
“disciplina, disciplina e disciplina” (pag.44). A missão de Chico seria:
“divulgar, por meio de livros, a doutrina dos espíritos”. Trinta livros
para começar.
Em 1938, começa a psicografia de Há Dois Mil Anos,
episódio assim descrito no livro de Souto Maior (pag.68): “A primeira
cena o pegou de surpresa: dois romanos envoltos em suas túnicas trocavam
ideias no jardim. ... As imagens e sons eram nítidos demais. ... Parou
de escrever e ouviu de Emmanuel, o autor do romance: Você está sob certa
hipnose. Você está vendo o que estou pensando.” Segue: “Chico
acompanhou a história como um telespectador diante de novelas. Chegou a
torcer por certos personagens. Um deles era Emmanuel numa da suas vidas
pregressas. Na época de Cristo, ele teria sido, não um apóstolo, mas um
senador romano chamado Públio Lentulus.” Nesta história (pag.80), Chico
teria sido Flávia, a filha leprosa de Emmanuel curada por Jesus. Apesar
da falta de dados históricos que comprovem a existência destes
personagens, ele sentia-se endividado perante Jesus pela cura obtida.
O Livro dos Médiuns
nos diz no cap. XXIII, item 239, que a fascinação é uma ilusão
produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium, e
que paralisa de alguma forma seu julgamento a respeito das comunicações.
O médium fascinado NÃO CRÊ SER ENGANADO; o Espírito tem a arte de inspirar uma CONFIANÇA CEGA.
No fim deste
mesmo ano, Chico foi convidado por um grupo de cientistas russos para se
submeter a testes em Moscou. Emmanuel disse: “Se quiser, pode ir. Eu
fico.” Chico não foi.
Em 1943, surge o livro Nosso Lar,
assinado pelo espírito André Luis. Diante do inusitado mundo espiritual
Chico Xavier se sentiu como “um autor de ficção científica”. Diz Souto
Maior (pag.84): “Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão,
perplexo diante do mundo novo.”
Embora Emmanuel
tenha dito a Chico Xavier que mantivesse fidelidade irrestrita a Jesus e
a Kardec (pag.53), o médium acabou escrevendo uma série de romances
absolutamente contrários à codificação, devidamente prefaciados pelo
mentor. Chico não se considerava o autor dos livros, razão pela qual
entregou à FEB os direitos autorais das suas obras. Talvez, por isto,
ele tenha se isentado de qualquer responsabilidade sobre o que escrevia.
No livro Emmanuel ele diz: “Entrar na apreciação do livro, em si mesmo,
é coisa que não está na minha competência”. Adotando tal conduta,
permitiu a impressão de tudo sem analisar o conteúdo, sem se preocupar
se havia, ou não, concordância com os princípios da Doutrina à qual lhe
foi aconselhado manter-se fiel.
Ao terminar Nosso Lar, o
décimo nono livro, Chico quis estudar psicografia. Pediu a opinião do
seu amigo espiritual e ouviu o seguinte (pag.85): “Se a laranjeira
quisesse estudar o que se passa com ela na produção das laranjas, com
certeza não produziria fruto algum. Para nós o que interessa é
trabalhar.” Chico obedeceu. Não levou Kardec em consideração quanto à
necessidade do estudo preceder à prática mediúnica, fator indispensável
ao médium para que ele não se depare com consequências desagradáveis e
caia nos perigos da obsessão.
Na sequência,
há na biografia um relato da rotina de Chico Xavier, descrita como “um
massacre” (pag.87), sob o “chicote” de Emmanuel (palavras do autor). Diz
o livro: “Chico fechava os olhos para a diversão, algumas vezes à
força. Numa tarde, ele teve sua conversa com amigos interrompida pelo
vozeirão irritado de Emmanuel. Já era mais do que hora de ele encerrar
aquele bate-papo, que atravessou a tarde inteira, e se trancar no quarto
para escrever. Precisava colocar no papel um novo livro. Chico,
animado, pediu mais alguns minutos. Emmanuel encerrou o assunto. Tinha
de ser naquele momento, senão ele iria embora. Não podia perder tempo
com trivialidades.”
Chico se
dedicava a muitas tarefas, trabalhava, atendia doentes, visitava
pessoas, era perseguido por jornalistas, tinha sua vida criticada,
sofria sérios problemas de saúde e psicografava livros sem parar.
Emmanuel, de acordo com o biógrafo, “fiscalizava” o que Chico escrevia, e
até o que ele dizia. Aparentemente, era mantido por seu mentor no
limite das suas forças físicas e psicológicas, sob um controle absoluto.
Estava exausto, mas mantinha-se obediente, esquecendo que a Doutrina
nos diz que Espíritos superiores não impõem tarefas, não constrangem os
médiuns, apenas sugerem e se retiram quando não são atendidos (RE,
fevereiro de 1859) . O contrário caracteriza um processo obsessivo.
Em 1947 Chico
Xavier terminou o trigésimo livro (pag.103). “Eufórico, viu Emmanuel se
aproximar e perguntou se sua tarefa estava encerrada. O guia anunciou:
”Começaremos uma nova série de 30 volumes. Chico respirou fundo e
obedeceu desanimado. O médium demonstra claramente ignorar o seguinte
ensinamento de Kardec no artigo Obsedados e Subjugados da Revista
Espírita de outubro de 1858: “Todo médium deve prevenir-se contra o
irresistível empolgamento que o leva a escrever sem cessar e até em
momentos inoportunos; deve ser senhor de si e não escrever senão quando o
quer.”
Em 1969, o
centésimo livro estava pronto. Chico tinha 59 anos e recebeu perplexo, a
notícia de que a tarefa ainda não estava terminada. Eis o relato
(pag.190):
- Devo trabalhar na recepção de mensagens e livros até o fim da minha vida atual?
- Sim, não temos outra alternativa.
O autor dos cem livros insistiu.
- E se eu não
quiser? A doutrina espírita ensina que somos portadores do
livre-arbítrio para decidir sobre nossos próprios caminhos.
Emmanuel sorriu e deu o veredito:
- A instrução a
que me refiro é semelhante a um decreto de desapropriação, quando
lançado por autoridade na Terra. Se você recusar o serviço a que me
reporto, os orientadores dessa obra de nos dedicarmos ao cristianismo
redivivo terão autoridade para TIRAR VOCÊ DE SEU ATUAL CORPO FÍSICO.
Chico Xavier
argumenta, citando a Doutrina, mas sucumbe diante da ameaça. Continuou
psicografando os mais de 300 volumes que ainda tinha pela frente. Aqui
vemos outra vez a contradição entre o que Emmanuel dizia (manter-se fiel
a Kardec) e a forma como manipulava o médium. “Os Espíritos vão aonde
acham simpatia e onde sabem que serão ouvidos”, diz Allan Kardec na
Revista Espírita de novembro de 1859. Chico seguiu Emmanuel até o fim de
seus dias.
Julgar o médium
não nos cabe. Analisar a obra, no entanto, é necessário. As
discrepâncias em relação à codificação são tantas que se poderia dizer
que Chico Xavier falou de uma outra doutrina.
Na mesma
revista, em fevereiro de 59, Kardec diz que “as boas intenções ou a
própria moralidade do médium nem sempre são suficientes para preserva-lo
da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou pseudo-sábios. A
ciência espírita exige uma grande experiência que, como todas as
ciências, filosóficas ou não, só é adquirida por um estudo assíduo,
longo e perseverante.” Emmanuel impôs ao seu protegido a teoria das
laranjas.
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